Como preparar nossos jovens para o mercado de trabalho do futuro?
Entenda as transformações que precisam acontecer na escola para formar jovens com novas habilidades
por Rafael Parente 7 de agosto de 2018
Aos 13 anos de idade, após assistir à série Cosmos, de Carl Sagan, o estudante brasileiro Cristian Westphal decidiu criar um blog para falar de ciências. Anos depois, ele ajudou a criar o site Ciência e Astronomia, que organiza encontros, faz transmissões e já tem mais de 400 mil curtidas nas redes sociais. Com a transmissão comentada sobre a superlua, o Ciência e Astronomia conseguiu a proeza de ter uma audiência maior do que a transmissão da NASA (Agência Espacial Norte-Americana).
Alunos brasileiros e de outros países têm ganhado destaque nas mídias por conseguirem criar inovações enquanto ainda são muito jovens. Estes jovens, no entanto, ainda não representam um número significativo. Em geral, eles são estimulados a desenvolver sua curiosidade, criatividade, empreendedorismo, protagonismo, entre outras competências, atitudes e valores que são mais importantes a cada dia que passa.
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Estamos entrando na quarta revolução industrial e a maioria de nós está viciada no uso de celulares e redes sociais. A inteligência artificial, os robôs, a nanotecnologia, os drones, o conceito de big data, entre tantos outros, estão causando mudanças significativas nas indústrias e na forma como nos comunicamos, nos relacionamos e vivemos.
O problema é que, em geral, as famílias e os professores não têm acompanhado o ritmo das transformações. Enquanto pesquisas como a do Fórum Econômico Mundial defendem que cerca de 65% das crianças e jovens de hoje exercerão profissões que ainda não existem, os modelos e metodologias educacionais estão ultrapassados. Os professores reclamam da falta de interesse dos alunos e os alunos reclamam que não compreendem a relevância do que aprendem na escola para suas vidas.
Como, então, as famílias e as escolas podem virar o jogo e preparar os alunos para um mundo de trabalho que se torna diferente a cada dia? Uma coisa é certa e urgente: os currículos e as metodologias de ensino precisam incorporar, constantemente, inovações que estimulem a formação integral de jovens protagonistas, para que estejam prontos para os desafios atuais e futuros.
Para além do empreendedorismo, é preciso fomentar, desde cedo, competências que vão além dos conteúdos das áreas tradicionais de conhecimento. Para explorar um pouco sobre o assunto, conversei com colegas especialistas que dedicam suas carreiras ao debate e à construção coletiva de um novo tipo de educação.
Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare
Uma das 10 competências gerais da Base Nacional Comum Curricular é a preparação para o mundo do trabalho. Desde os anos finais do ensino fundamental, os estudantes começam a pensar sobre si, estimulando os seus processos de autoconhecimento. É importante que os jovens comecem a pensar sobre que tipo de pessoa querem ser na vida, que estejam preparados para estabelecer metas, desenvolver resiliência e entender que o trabalho é parte dessas aspirações.
Outra questão fundamental é, de fato, entender quais são essas competências que, hoje, o mundo do trabalho demanda. A escola deve trabalhar isso na criança desde a educação infantil.
Para os alunos já no ensino fundamental, seria interessante estimular vivências que os aproximassem dos ambientes corporativos, como visitas a empresas e conversas com profissionais – não com o objetivo de desenvolver formação técnica, mas para ampliar os seus repertórios sobre profissões e como o mundo do trabalho funciona.
Luciano Meira, especialista em Gamificação
Embora estejamos, constantemente, nós mesmos construindo futuros possíveis, não podemos saber com certeza o que nos reserva o mundo do trabalho, por exemplo. Por isso devemos projetar os sistemas educacionais para desenvolver nos estudantes (e educadores) competências e habilidades para qualquer atividade humana laboral.
O trabalho sempre envolverá, por exemplo, a coordenação de ações para o atingimento de metas coletivas. Podemos, também, supor habilidades linguístico-simbólicas associadas à interpretação de registros escritos. Ou competências associadas ao uso da intuição, da criatividade e do raciocínio abdutivo para o desenho de soluções inovadoras.
Isso posto, acredito que a escola deveria ser capaz de fomentar ambientes empreendedores, transformando as salas de aulas em protótipos de startups, voltadas à resolução de problemas, à investigação mesmo de situações significativas por meio do desenvolvimento de projetos, do gerenciamento de riscos, da entrega de soluções sustentáveis. A escola associada ao mundo do trabalho deve refletir sobre o conhecimento que é capaz de realizar coisas, transformando seu entorno e as cidades do ponto de vista da moradia, mobilidade, cuidados com a infância, e saúde pública, apenas para citar alguns exemplos.
Tonia Casarin, especialista em competências socioemocionais
Acredito que seja importante criar um ambiente em sala de aula para que as crianças possam expressar suas emoções e onde elas se sintam seguras para dividir suas questões. Um ambiente em que elas possam ser vulneráveis. Além disso, as emoções são importantes para as crianças se conhecerem e se relacionarem consigo mesmas. Ao longo da vida, temos que lidar com a raiva, o medo, as frustrações… e saber como lidar com esses monstros é fundamental. Portanto, a gestão das emoções é primordial. E, lembrando que nós, adultos, somos exemplos para eles, os professores também devem desenvolver a gestão de emoções para que as crianças possam modelar seu comportamento.
Estratégias para preparar crianças e jovens para o futuro mercado de trabalho
– Encorajar crianças a explorar novos interesses e a encontrar propósitos em pequenos projetos;
– Ensinar os estudantes a acolher a diversidade de ideias e comportamentos, e a aceitar feedbacks (retornos avaliativos);
– Encorajar a execução de ideias. Inovações não precisam ser grandiosas, podem ser pequenas implementações que mudam processos e fazem a diferença em um ambiente de trabalho e na comunidade onde vivem;
– Utilizar a escrita e a arte para lidar com emoções e exercer empatia;
– Dar espaço para que os estudantes explorem e sejam capazes de imaginar;
– Criar situações que exponham essas crianças a inovações, como visitas a museus, acesso a leituras e cursos sobre temas atuais;
– Reconfigurar a relação entre professores e estudantes, com o professor sendo mais um mediador inspirador do que um “chefe”.
Em resumo, não temos, ainda, uma resposta definitiva para que tipo de escola conseguirá formar crianças e jovens para o futuro do mercado de trabalho, mas há algumas macrotendências que podemos observar. As famílias e escolas precisam incentivar nossos jovens a serem protagonistas da transformação de si mesmos, de sua educação e suas realidades. Trabalhando em projetos que proponham mergulhos profundos em problemas reais e sociais, jovens podem, por exemplo, se mobilizar e articular melhorias em suas escolas e comunidades. Nossas didáticas de ensino precisam se modernizar, assim como as escolas, para fazer com que crianças e jovens voltem a se encantar com o processo de aprendizagem e com todas as oportunidades que suas vidas podem lhe proporcionar.
Rafael Parente
PhD em educação (NYU), CEO da Aondê / Conecturma (empresa de educação e tecnologia), cofundador do Movimento Agora!, criador e apresentador do Canal Educação na Veia, membro do conselho do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (FGV/EBAPE Rio) e sócio-efetivo do Movimento Todos pela Educação.