Como redobrar a atenção aos sinais de violência dados pelos alunos?
De quais maneiras professores e professoras devem olhar para sinais de extremismo que seus alunos emitem, podendo se transformar futuramente em ações violentas contra a própria escola?
por Danilo Mekari 24 de abril de 2023
Os recentes ataques armados à duas escolas públicas brasileiras iniciaram uma onda de debates sobre temas diversos: a cobertura midiática desses eventos, o papel das plataformas digitais no incentivo à radicalização de jovens e a importância de não espalhar boatos e fake news sobre novas ameaças à comunidade escolar, entre outros.
No âmbito da própria escola, a discussão também se envereda sobre o seu papel nesses momentos críticos, a necessidade de que a solução não seja uma educação militarizada e o fundamental aprofundamento no diálogo com famílias e estudantes. Quando aproximamos a lupa ainda mais, para dentro da sala de aula, há um ponto importante a ser comentado: de quais maneiras os professores devem estar atentos aos sinais de extremismo que seus estudantes emitem, podendo se transformar futuramente em ações violentas contra a própria escola?
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Papel do educador: profundo e complexo
Primeiramente, o docente deve saber de forma clara qual é o seu papel como educador, na opinião de Gina Vieira Ponte, professora da educação básica em Brasília (DF) e uma das homenageadas na exposição “Porvir em 10 anos”. “O professor que entende seu papel de maneira profunda e complexa, muito mais que um ‘dador’ de aulas e transmissor de conteúdo, terá a sensibilidade necessária para captar esses sinais”, acredita Gina.
Esse professor deve ser enxergado como “um intelectual que pensa a realidade de maneira crítica e sabe intervir nos momentos necessários”, observa a educadora. A realidade da educação brasileira, porém, faz com que esse profissional esteja permanentemente no “modo sobrevivência”, cansado e sobrecarregado. “Assim, ele perde o que há de mais precioso na profissão: escutar os estudantes e construir uma comunidade de aprendizagem dentro da sala de aula, sendo esse sujeito que vai preservar a humanidade, ouvindo e acolhendo e garantindo a escola como espaço de expressão de angústias e preocupações e, por fim, de resistência à desumanização.”
Gina, que também integra o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, relembra o caso de um aluno negro de 16 anos que sentava no fundo de sua sala de aula. Em um dia letivo, ela notou uma diferença em seu comportamento. “Me olhava desconfiado, como quem pede uma atenção maior, e olhava a mochila toda hora.” A educadora não hesitou e chamou o menino para conversar. Ela lembra que naquele momento descobriu que o adolescente estava armado com um alicate e planejava atacar um colega no ônibus da escola por conta de uma atitude racista. “O meu desafio foi desarmá-lo”, relembra. Por meio de um diálogo pacífico e empático, ela conseguiu convencê-lo a desistir da violência, mas o diretor da escola queria chamar a polícia.
“Quem não trabalha a conexão e o pertencimento com o estudante não vai perceber uma mudança de comportamento. E, ao identificar isso, esse jovem nunca pode ser estigmatizado, devendo ser imediatamente acolhido e, então, conversar com os pais e orientar para um acompanhamento psicológico e sobre o uso de redes sociais.”
Ela sublinha a necessidade de não reforçar a ideia do professor como mártir e herói solitário, mas sim no papel de ser a pessoa mais privilegiada no contato direto com os estudantes. “Eu tenho um papel fundamental e eles podem contar pra mim coisas que não vão contar para os pais.”
A quais sinais devo estar alerta? |
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Nesse cenário, alguns sinais importantes que os educadores devem observam em sala de aula são: Comportamento de ameaça: estudante que fala direta ou indiretamente da intenção de matar/cometer crime contra alguém ou interesse em danificar estruturas Vigilância prolongada: estudante que se torna exageradamente interessado em monitorar, filmar ou fotografar algo ou alguém, ou testar sistemas de segurança Busca exagerada por conhecimento específico: estudante que passa a consumir repentinamente muitos artigos ou vídeos de armas, táticas militares, segurança de instalações, bombas Questionamentos excessivos: estudante sem este hábito que passa a perguntar sobre tudo e todos daquele ambiente, muito além da curiosidade Armazenamento incomum: estudante que armazene armas, facas, canivetes ou qualquer material destrutivo Comportamento de ódio: estudante que manifeste irritação contínua, falta de paciência extrema, muita raiva e que se associe a grupos de extrema direita Fascínio inapropriado: estudante com paixão por ataques ou tiroteios e que idolatra outros agressores Vandalismo: estudante que danifica ou destrói instalações e infraestrutura Afastamento e isolamento: estudante que apresenta afastamento repentino, isolamento dos amigos, familiares ou atividades escolares |
Contato com o estudante: uma tarefa árdua e necessária
Na visão de Ives Duque, professor do Colégio Estadual Dr. Thiers Cardozo, em Campos dos Goytacazes (RJ), os educadores devem sempre lembrar que a relação com o corpo discente está em seu campo de trabalho. “É a partir da presença do estudante que temos o contato que possibilita a aprendizagem. Isso significa colocá-lo no centro, aceitá-lo em sua totalidade e abraçar a diversidade.”
Em sua experiência, essa aproximação é uma tarefa dolorosa. “Muitas vezes esse processo abre uma caixa de pandora e passamos a perceber a complexidade, as ausências, fragilidades e até mesmo brutalidades. É claro que nós não damos conta de tudo, mas fazemos o nosso melhor diante das condições que são oferecidas, e aprender a se comunicar com eles é uma dessas necessidades.”
Para Ives, que também é coordenador pedagógico do ensino médio do ISEPAM (Instituto Superior de Educação Professor Aldo Muylaert), os profissionais da educação precisam entender que dedicar tempo de aula para conversar com os estudantes não é perder, é ganhar. “Se incrementa a construção de relações afetivas e, lá na frente, também melhora a aprendizagem.” Ele defende a construção coletiva e colaborativa de um protocolo de segurança para que todos os agentes da comunidade escolar – alunos, professores, diretores, gestores e famílias – saibam como encaminhar casos problemáticos e acionar profissionais de outras áreas quando necessário.
Discurso de ódio e intolerância em sala de aula
Há disciplinas em que o discurso de ódio de alguns estudantes aparece com mais frequência. É o caso de Filosofia, como conta a professora Mayara Franca, do Centro de Ensino Médio (CEM) 02, localizado em Ceilândia (DF). Em sua aula, ela apresenta obras e conceitos de direitos humanos e os relaciona com racismo, violência de gênero e questões indígenas.
“Quando trazemos esses temas para a sala de aula, é muito nítido ver os incômodos, o senso comum que sobe no ar. Com certeza, tenho alunos que são mais intolerantes do que outros e isso eu sei detectar em poucas aulas”, conta Mayara. Ela reflete também sobre a diferença no discurso de ódio entre os gêneros: “Quando tenho uma estudante mulher com uma fala mais intolerante, é muito mais acessível entrar em contato com ela do que com os meninos. Tenho alunos que não gostam de mim porque eu vou combater aqueles discursos, não deixo isso crescer na minha sala e tomo atitudes, chamo a atenção, convoco os pais, dou advertência. O estudante que quiser trazer violência para dentro da minha aula vai ter dificuldade, porque eu não tolero.”
Mayara relata situações em que suas intervenções em prol de minorias e do respeito aos direitos humanos são repetidas e amplificadas pelos próprios estudantes. “A escola é uma voz dissonante na vida desses jovens. Talvez eu seja a única pessoa que eles vão ouvir falar de direitos humanos, de combater violências, porque na hora que eles vão para casa, entram na internet, esse não é o discurso da sociedade.”
No CEM 02, já aconteceu de um estudante ser transferido porque levou uma arma para a escola. Segundo a professora, ele se sentia alvo de piadas de um outro jovem e tinha a intenção de atacá-lo. Uma outra educadora o convenceu a desistir do plano maligno. Situações com porte de armas brancas, como facas, também já ocorreram. “É cada vez mais importante que o professor tenha um posicionamento firme e, para isso, não posso baixar minha cabeça por causa do medo. Esse é o meu trabalho.”
Escola democrática para fora do papel
A educadora joga luz para “todos os documentos oficiais que tratam sobre a educação brasileira”, como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), as Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos e a própria Constituição Federal. “Todos eles defendem a educação para um estado democrático de direito, para o respeito aos direitos humanos, à pluralidade e à diversidade. As escolas precisam ser construídas em torno desses valores, onde o trabalho coletivo seja sólido e participativo.”
Os professores concordam que a gestão escolar deve investir em ressignificar os espaços da escola, promovendo ações de convivência como festas, torneios, concursos – e, acima de tudo, perguntar para os estudantes quais tipo de ações sociais eles gostariam de ter na escola.
“A escola precisa ser um espaço verdadeiramente democrático, onde as diferenças são vistas, sentidas e vividas no conflito que geram”, defende Robson Bueno, diretor da Escola Estadual de Ensino Integral João Franceschini, em Sumaré (SP). “Os educadores precisam estar preparados para esse conflito, para administrá-lo, para fazerem dele um espaço para a reflexão sobre os conteúdos simbólicos dos atos e das palavras ditas e não ditas.”
O diretor aponta que um dos principais desafios atuais da gestão escolar é romper com a cultura da punição, que identifica como “marcas da sociedade escravocrata”. “A democratização do espaço escolar se faz urgente, vejo como um imperativo a abertura dos espaços da escola para o diálogo, para o conflito. Só assim superaremos as atitudes de confronto que se fazem presentes no nosso dia a dia.”