Conectar o currículo aos interesses dos alunos amplia o aprendizado - PORVIR
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Inovações em Educação

Conectar o currículo aos interesses dos alunos amplia o aprendizado

Projetos envolvendo Nelson Mandela, Naruto e memórias conectam o currículo aos gostos de crianças e jovens, promovendo mais engajamento

Parceria com RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa)

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 18 de julho de 2022

Já virou até meme nas redes sociais a desconexão entre alguns conteúdos que se aprende na escola – como a fórmula de Bhaskara  – e as reais necessidades da vida adulta, como poupar e investir dinheiro, declarar impostos e tantas outras ações. Uma estratégia que pode ser usada para conferir mais significado aos conteúdos e, assim, aumentar o engajamento dos estudantes é conectar o currículo aos interesses da turma. 

Projetos, paixão, pares e pensar brincando. Entre os quatro Ps da abordagem Aprendizagem Criativa, a Paixão defende maior envolvimento, mais persistência, aprendizado, tempo dedicado e esforço de pessoas que trabalham em projetos pelos quais têm interesse. Segundo Ellen Barbosa, professora da equipe pedagógica da RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), usar intencionalmente o P da paixão como um dos elementos norteadores das atividades favorece a acessibilidade para que os estudantes se identifiquem ainda mais com a proposta. 

“De forma geral, pessoas diferentes se interessam por diferentes formas de fazer. Nesse sentido, se pudermos oferecer atividades que valorizem e abracem estes interesses, estaremos oportunizando às crianças que se engajem mais e que, portanto, possam encontrar tipos de fazer que façam mais sentido para elas nos projetos”, explica. 

Além disso, se educadores desejam promover o desenvolvimento de seus estudantes com uma formação integral, como sugere a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), é necessário fornecer espaço para trabalhar os interesses e contextos das crianças e jovens e despertar novas inclinações, favorecendo que ampliem o conhecimento. 

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Memórias, Mandela e Naruto

“Há muito, já nos é sabido que a ideia de uma escola segmentada em saberes que não encontram pontos de conexão ou em atividades que visam apenas a tecnicidade, sem um processo crítico-reflexivo de aprendizagem, é falida. Não funciona mais pensarmos que os estudantes são ou estão desinteressados pelo conhecimento e continuarmos a excluí-los desta construção”, defende Lincoln Aguiar. Professor da educação básica na Bahia, Lincoln desenvolveu, com alunos do ensino fundamental 2, uma proposta centrada na aprendizagem criativa. 

A atividade “Museu Afetivo – Topoficções e Memórias” aconteceu durante a pandemia de Covid-19 e, por isso, foi uma forma de conectar os estudantes com a escola. Baseado no conceito de topoficções (históricos geográficos ficcionais a partir de um espaço predefinido) do artista de teatro Aristeo Mora, os estudantes deveriam criar topoficções baseadas em ambientes que fazem parte de suas memórias afetivas. Além disso, também deveriam trabalhar a criatividade a partir da construção de narrativas de não-ficção com produtos textuais e visuais. 

“Desenvolvemos as produções durante o período de aulas remotas, muito difícil para qualquer professor,  principalmente no Brasil. Pensar as memórias ‘topoafetivas’ fez com que os estudantes visitassem a si mesmos nesse período complicado. Além da atividade com topoficções, ainda contamos com os processos para remontagem de fotografias antigas, contação de histórias”, comenta Lincoln. Segundo o educador, esse caminho percorrido de visitação a memórias e ficções fez com que os estudantes não perdessem a conexão existente entre eles mesmos, tanto enquanto turma escolar quanto como amigas e amigos. 

A proposta permitiu que eles compartilhassem suas realidades e se reencontrassem via internet. 

Janaína Pessoa, por sua vez, sugeriu aos seus estudantes do ensino fundamental 1 a criação da “Academia de Ninjas da Língua Portuguesa – Edição Jardim dos Bons Sentimentos”. A partir de uma escuta ativa dos alunos, a professora descobriu o interesse por Naruto e, assim, decidiu conectar a série de mangá com o livro literário daquela etapa: “Madiba: o menino africano”, que conta a história de Nelson Mandela, com o objetivo de trabalhar cultura de paz. 

“Fui estudar os dois temas para tentar fazer conexões. Vi que Nelson Mandela nasceu em uma vila, o Naruto também, que teve as suas lutas, assim como Mandela. Procurei trabalhar muito a questão de valores, porque precisava desenvolver as habilidades socioemocionais com os estudantes, principalmente trabalhando as relações interpessoais. Quis trazer a parte positiva do Naruto, como os ensinamentos de disciplina, e não a violência, que também foi sofrida por Mandela”, explica Janaína. 

A partir da proposta, a professora comenta que a leitura da obra foi mais prazerosa e os estudantes conseguiram realmente conectar o que aprenderam no livro com situações do dia a dia, além do paralelo com as vivências na série de mangá. Os estudantes criaram sementes e um jardim dos bons sentimentos para semear a paz, além de terem sido simbolicamente convidados por um personagem do mangá a serem ninjas promotores da paz. 

Conexão com o currículo 

Janaína conta que sempre faz uso da escuta ativa para entender as realidades de seus alunos e, com isso, seus gostos e interesses, o que ajuda a pensar em propostas de projetos, atividades e ações e como conectá-las ao currículo. “Pensando nas habilidades que preciso trabalhar, vejo como posso criar um projeto com a narrativa de um personagem de anime ou filme. Fazendo isso, acolhemos de maneira verdadeira os nossos alunos e eles aprendem de uma forma que favorece sua participação ativa.”  

Lincoln concorda ao afirmar que “só aprendemos de verdade aquilo que nos interessa.” Para ele, a criatividade e a liberdade são pilares indispensáveis para uma prática de aprendizagem engajada e efetiva. 

“Quando chega até você a percepção de que a escolha de aprender é sua, é evocado um sentimento de pertencimento que apenas a paixão humana pelo conhecimento explica. O engajamento aumenta conforme a atividade se torna apaixonante. Em minha própria experiência, nunca esqueço de que aprendi muito de inglês, por exemplo, jogando videogames – os quais jogo até hoje. Aqui eu encontro desafios que me estimulam a aprender para superá-los”, afirma o professor. 

Ellen, por sua vez, aponta que Lincoln e Janaína relacionaram temas complexos com assuntos que têm conexão pessoal com os estudantes, mas não se limitaram a isso. “Eles também trouxeram diferentes momentos e formas de linguagem para oportunizar a conexão curricular com os contexto históricos reais e ficcionais, seja usando Naruto e Mandela ou criando suas próprias histórias. Isso promoveu significado aos jovens  e ambos educadores conseguiram atender às necessidades curriculares sem deixar de fora o quesito interesse e potencializando o desenvolvimento de novos gostos.” 

Desenvolvimento pessoal 

Ellen reforça que as propostas dos educadores possibilitaram que os estudantes se conectassem às atividades e, por meio delas, se identificassem como seres sociais e individuais. “Houve a valorização de suas identidades ao mesmo tempo em que se oportunizou conhecer o outro e o mundo sociocultural que compartilham, com o engajamento ativo durante a construção da atividade.” 

“Os espaços de afeto estão relacionados às memórias pessoais de cada um e como elas se conectam com as pessoas que trocam experiências com os mesmos. Um caminho que envolve aprendizagem criativa desde a gênese”, complementa Lincoln sobre sua atividade. 

Janaína também comenta que usar a liberdade criativa é, como cita, ‘um caminho sem volta’, pois abre um universo de possibilidades na vida dos estudantes e fortalece sua participação. “Essa questão da experimentação e de viver a construção do conhecimento é libertadora e transformadora mesmo. É uma articulação de processos que os alunos conseguem criar várias oportunidades a partir da investigação, usando sua curiosidade para conduzir várias problematizações que, antes, com um trabalho tradicional não aconteceria.”

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TAGS

aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem criativa, educação mão na massa, ensino fundamental

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