As consequências das desigualdades para a juventude negra
Em artigo para o Porvir no Dia Nacional dos Direitos Humanos, Daniel Bento Teixeira, diretor-executivo do Ceert, faz um convite à reflexão sobre a urgência da educação antirracista e o enfrentamento ao racismo estrutural
por Daniel Bento Teixeira 11 de agosto de 2023
No Brasil, o racismo é estruturante da violação de direitos humanos. Por isso, o Dia Nacional dos Direitos Humanos, 12 de agosto, é um convite para refletirmos sobre a importância da promoção da educação antirracista e do enfrentamento ao racismo estrutural para a construção de uma sociedade mais equânime.
As consequências de tal desigualdade e injustiça vão das diferenças nos índices educacionais ao genocídio da juventude negra. Na última semana, o assassinato do adolescente Thiago Menezes, de apenas 13 anos, durante ação da polícia militar na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, tomou as páginas dos jornais. O mesmo aconteceu com a recente chacina após a morte de um policial no Guarujá, litoral de São Paulo.
De acordo com o Atlas da Violência 2021, a chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. Ou seja, a taxa de violência letal contra pessoas negras foi 162% maior que entre não negras, segundo o documento.
Observa-se, com isso, uma inércia das instituições e naturalização dos assassinatos, porque os corpos são negros. Falta reação para a paralisação desse tipo de violência. Assim nasce o conceito de Vidas Negras Importam. Como assegurar na prática que vidas negras valem tanto quanto outras vidas?
É esse mesmo racismo que escolhe quem “merece” ou não estudar. De acordo com informações divulgadas pela organização Todos pela Educação, o percentual de jovens pretos e pardos matriculados no ensino médio em 2022 é o mesmo de brancos dez anos antes. Isso significa que existe uma década de atraso entre eles.
Enquanto 72,3% dos jovens pretos e 73,5% dos pardos estão no ensino médio, 73% dos brancos estavam matriculados em 2012. Já em relação ao encerramento da etapa, 61% dos jovens pretos e 62,4% dos pardos de 19 anos a tinham concluído em 2022, porcentagem próxima a que brancos alcançaram em 2012: 62%. Em 2022, o número de brancos entre 15 e 17 anos que frequentaram ou concluíram o ensino médio foi de 82,1%.
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Há muito tempo, ouvimos de especialistas e pessoas à frente da gestão pública algo que de tão batido se tornou quase mantra: a saída é pela educação. Embora as vivências na escola sejam fundamentais para o pleno desenvolvimento da pessoa, é preciso nos perguntarmos de qual escola estamos falando. Em outras palavras, não é qualquer concepção de educação que pode contribuir para equacionar os desafios sociais que enfrentamos.
Uma educação que reproduz o racismo não só deseduca, mas busca desumanizar mais da metade da população brasileira. Além disso, dá à outra parte da população a falsa noção de que seria superior em função da branquitude.
Portanto, a construção de uma educação antirracista é necessária e estratégica para uma sociedade mais igualitária, na qual todas as pessoas possam se ver e se sentir parte de um sistema de educação que considere as contribuições civilizatórias de cada grupo que dele participam.
É urgente a efetivação da Lei 10.639/03, que alterou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira. Trata-se de vetor oposto ao autoritarismo da branquitude que prega um pensamento único, eurocêntrico, ao invés da consciência universal, como nos ensinou Milton Santos.
É preciso uma escola em que as crianças negras possam se ver, uma escola boa para elas e ao mesmo tempo educativa para as crianças brancas, onde estas não se vejam superiores em função da branquitude. Precisamos refletir quem é criança e quem é menor em nossa sociedade. Há dois universos de infância já segregados, sendo que a um deles é negada a própria existência como infância, já que menor é diferente de criança ou adolescente, pois o termo remonta à legislação que ficou (ou que deveria ter ficado) no passado, marcada por estereótipos negativos atribuídos a crianças e adolescentes considerados em situação irregular.
A distinção entre o menor e a criança é muito mais do que vocabular – trata-se de construção simbólica que diferencia e hierarquiza, concretamente, as crianças e adolescentes. Embora, no plano normativo, a criança e o adolescente passaram a ser sujeitos de direitos, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente); na prática, a doutrina da proteção integral não foi totalmente implementada.
A escola, a partir da qual todas as pessoas se vejam possíveis, deve propor outra concepção de educação, a partir do antirracismo, da cultura de paz, visando a resolução não violenta de conflitos, bem como o respeito aos direitos humanos.
Daniel Bento Teixeira
Daniel é advogado, especializado em Direitos Difusos e Coletivos pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); foi “Visiting Scholar” da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, em Nova Iorque; e Fellow do Public Interest Law Institute – Budapeste. É conferencista no Brasil e internacionalmente, além de coordenar diversos projetos de promoção da equidade em instituições. Publicações: Diversidades nas Empresas & Equidade Racial, 1ª ed., São Paulo, CEERT, 2017 (Coautor); Discriminação Racial é Sinônimo de Maus-Tratos: A Importância do ECA para a Proteção Das Crianças Negras, 1ª ed. São Paulo, CEERT, 2016 (Co-organizador e coautor) e Ações Afirmativas: A Questão das Cotas – 2011 (Coautor).