Cozinha: um laboratório dentro de casa
Cozinhar é uma arte, mas também pode ser uma ciência
por Juliana Novo 18 de maio de 2020
As ciências podem estar em diversos lugares e não somente em laboratórios com equipamentos caros e reagentes perigosos como costumamos imaginar. Na verdade, o dicionário define o laboratório como um local que sirva não somente à produção científica, mas também à produção de artes e ensino.
Pensando no contexto do ensino, as ciências têm uma vocação natural de contextualização, uma vez que muitos fenômenos e processos do nosso dia a dia são explicados por conceitos da química, física ou biologia. A contextualização se apresenta como uma forma de inserção do cotidiano no processo de ensino e aprendizagem que facilita o entendimento de conceitos científicos que de outra forma se apresentariam como complicados ou inalcançáveis para as crianças.
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Desta forma, ficamos com a seguinte questão: como podemos ensinar ciências de forma prática e simples para os nossos filhos?
A resposta é fácil pois temos em nossas casas um laboratório à disposição. A cozinha é um dos espaços que se apresentam mais propícios ao ensino de ciências. É comum pensarmos na culinária e na produção de alimentos como uma forma de arte, mas raramente a relacionamos às ciências, sendo que ela permeia cada etapa das transformações que ocorrem desde a produção e preparação de alimentos até à digestão.
A cozinha pode ser considerada o primeiro laboratório com o qual temos contato. Nela encontramos uma infinidade de reagentes como temperos, óleos, ácidos (como o vinagre), reagentes biológicos (como o fermento), todos disponíveis para nossas experimentações. Quando misturamos estes ingredientes, os submetemos a diferentes forças mecânicas (ao bater um bolo, por exemplo) ou a diferentes temperaturas, então conseguimos modificar sua aparência, textura e gosto para obter pratos mais saborosos e bonitos. Mas cada uma dessas transformações é definida por reações químicas e conceitos físicos ou biológicos com os quais podemos familiarizar nossas crianças.
Na cozinha também entramos em contato com uma forma muito própria das ciências de registrar e passar adiante os processos de experimentação que são os chamados protocolos. Quando fazemos uma receita, temos ali um passo a passo que deve ser seguido: temos que misturar os ingredientes corretos, em quantidades específicas e esperar por um tempo determinado para obtermos o resultado desejado, ou seja, fazemos um protocolo a ser seguido. Em experimentos científicos esse tipo de registro é muito comum, uma vez que a validação destes experimentos pelos cientistas depende da sua reprodutibilidade, ou seja, que outras pessoas possam reproduzir um experimento exatamente da maneira como foi feito da primeira vez e obter o mesmo resultado.
Ao cozinhar submetemos os alimentos a diferentes transformações, todas elas possuem uma explicação do porquê acontecerem e cabe a nós engajarmos as crianças a questionarem e buscarem explicações para os fenômenos que ocorrem no cotidiano. Um exemplo é indagar porque a beterraba mancha de roxo nossas mãos, ela tem um composto chamado betanina, um corante natural. Trabalhar de forma concreta com as crianças é a maneira mais eficaz de ajudá-las a construir o próprio conhecimento. É por isso que devemos normalizar espaços do cotidiano como espaços em que sejamos capazes de construir conhecimento e gerar inovação.
E então? Você já levou o seu filho para esse superlaboratório que você tem em casa?
Se ainda não, está na hora de começar!
Referências
Barros, AA; Barros EBP. A química dos alimentos: Produtos fermentados e corantes. São Paulo, Sociedade Brasileira de Química. 2010.
Golombek, DA [tradução: Eloisa Cerdan]. Aprender a ensinar ciências: do laboratório à sala de aula e vice-versa. São Paulo, Sangari do Brasil: Fundação Santillana. 2009.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, DF: Ministério da Educação /Secretaria de Educação Fundamental, 1998.
Juliana Novo
Juliana Novo, doutora em biologia pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), especialista em biotecnologia do TEC