A cultura do “e” no lugar da cultura do “ou”
Segundo a pesquisadora Carla Mayumi, para inovar não é preciso apenas sair da caixa, mas sim considerar múltiplas caixas
por Carla Mayumi 18 de outubro de 2012
O mundo vem há tempos nos ensinando a colocar tudo em caixinhas. Tem a caixinha do que é certo, a caixinha do que é errado. A caixinha do bonito e do feio. E aí vêm as caixinhas das palavras, dos números, das cores… e depois as das disciplinas – matemática, português, física. Tem as humanas e as exatas, e existe até o mito de que quem vai bem numa não vai bem na outra. Na hora de escolher uma profissão, novas caixinhas: advogado de um lado, psicólogos do outro. E parece que o conhecimento de um não tem nada a ver com o conhecimento do outro.
Aí vem alguém, de repente, e diz pra gente “pensar fora da caixa”. No ambiente corporativo isso é bastante comum nos dias de hoje. Fala-se em inovação e criatividade, mas é claro que fica difícil “pensar fora da caixa” quando tudo o que se aprendeu é o oposto. Todo o nosso conhecimento se organizou nas caixinhas onde as coisas pouco conversam.
Gosto de pensar que a questão não é sair da caixa e sim considerar “múltiplas caixas”. Simpatizo com esse conceito porque o fora da caixa pressupõe a subversão, algo que indica um comportamento ou visão fora do normal, fora do sistema. Já as múltiplas caixas falam sobre combinar ideias de universos diferentes, abrir-se ao que é diverso mas que pode ser complementar. Sem necessariamente fugir de caixa alguma. Estamos aprendendo a observar as combinações inusitadas e ver que dali pode sair algo novo de verdade e, portanto, criativo.
Trago aqui algo que foi observado no estudo do qual participei – a pesquisa Sonho Brasileiro, onde ouvimos jovens de 18 a 24 anos dizendo que o mundo não é mais bi-polarizado, que as decisões não são mais dualistas, onde as posições não são mais “ou se está de um lado, ou de outro”. Isso se reflete em tudo: a decisão hoje não precisa ser escolher entre ganhar dinheiro ou fazer o bem. Nem entre ser engenheiro ou músico. O mundo, mais líquido, como nos diz Zigmunt Bauman, permite que as coisas sejam mais fluidas e menos definidas.
Fica cada vez mais evidente que não é nos espaços seguros e unilaterais que precisamos nos reencontrar e buscar novas respostas. Não é numa sala de aula nem numa sala de reuniões. Não é na conversa entre especialistas de uma determinada área, mas na colaboração de diferentes áreas que estão surgindo as conversas e ideias mais disruptivas.
Veja o vídeo da pesquisa Sonho Brasileiro.
Por mais que as instituições percebam o poder da lógica colaborativa, elas não estão estruturadas para funcionar a partir desse pensamento. A empresa de hierarquia rígida, as disciplinas que não conversam na universidade, as escolas que não aproveitam o conhecimento que se traz de fora. Tudo isso começa a dar lugar a outras lógicas, outras formas de se pensar e agir que muitas vezes têm dificuldade de encontrar espaço nas instituições convencionais.
Na educação, com todo esse movimento, novos modelos são criados, ainda difíceis de definir: um espaço de auto-aprendizado… uma escola que não é bem uma escola… uma plataforma on-line de uma universidade que oferece cursos de graça. E as ferramentas utilizadas nestes espaços também começam a ser reinventadas: a arquitetura da sala de aula, a relação professor-aluno, a lógica entre as matérias, a combinação entre teoria e prática. Nada que não venha sendo experimentado há muito tempo – desde a Grécia Antiga se fala do aprendizado acontecendo em espaços abertos e democráticos. A mudança no cenário atual é a seguinte: as novas experiências são mais fáceis de ser conhecidas e compartilhadas – e isso faz toda a diferença.
Convido a uma reflexão: será que o novo e o que nos trouxe até aqui não podem conviver? Precisamos jogar fora os modelos educacionais anteriores e partir para algo completamente diferente? Num mundo mais fluido, a cultura do ‘ou’ vai dando lugar à cultura do ‘e’, passando cada vez mais a ideia é de as coisas podem coexistir.
Carla Mayumi
Carla se considera uma ativista da educação. Também é mãe, empreendedora, blogueira, faz parte de um coletivo de tricô. Seu propósito de vida começou a se delinear depois que participou do projeto “Sonho Brasileiro”, junto à Box 1824, empresa de pesquisa da qual é sócia. O projeto foi uma pesquisa sobre a juventude brasileira e sua visão sobre o país e o futuro. Sua motivação com o projeto do livro Volta ao Mundo em 12 Escolas está em apresentar o que há de transformador e que pouca gente conhece quando se fala em aprendizado, trazendo à tona uma discussão renovada sobre o tema educação. O Porvir está acompanhando de perto o projeto (leia mais aqui) e vai publicar colunas dos autores durante o processo de produção do livro. A iniciativa também está levando recursos no Catarse, vale conferir.