Devagar com o andor, que os Moocs são de barro
Udacity e San Jose suspendem o formato de aulas online e levantam debate sobre os novos modelos de ensino superior
por Patrícia Gomes 24 de julho de 2013
Foi com rufo de tambores que os Moocs (cursos online gratuitos, em escala) foram apresentados ao mundo no início do ano passado. Eles seriam capazes de levar, gratuitamente, aulas de nível universitário de qualidade a qualquer lugar do mundo que tivesse acesso à internet. E não eram aulas de qualidade quaisquer. Eram aulas de algumas das melhores universidades do mundo, como MIT, Harvard, Stanford e Princeton – coisa malfeita, afinal, não poderia ser. Essas instituições, muitas centenárias até, davam o recado: a tecnologia havia chegado ao ensino superior e elas estavam atentas a isso. A promessa, que pareceria impensável pouco tempo atrás, levou os Moocs para longe. Mas agora que esses cursos começam a mostrar os primeiros resultados, fica a pergunta: será que eles são isso tudo?
Recente anúncio da SJSU (Universidade do Estado de San José), no Vale do Silício, coloca lenha na discussão. A universidade e a Udacity, uma das primeiras plataformas a oferecer Moocs de instituições top no mundo, resolveram dar uma pausa em um programa piloto lançado com pompas e circuntâncias pelo governador da Califórnia, por Sebastian Thrun, CEO da Udacity, e pelo presidente da SJSU, Mohammad Qayoumi, em janeiro deste ano. O motivo? Apesar do percentual de finalização do curso ter sido de 83%, número estratosférico se comparado à média dos Moocs normais, as taxas de aprovação foram muito menores do que os cursos envolvidos no projeto tinham quando eram oferecidos no formato tradicional.
No programa, foram oferecidas três disciplinas “remediais”, voltadas para o nivelamento de alunos: matemática, álgebra e estatística. Professores da universidade gravavam aulas, que eram adicionadas à plataforma, enquanto uma rede de tutores dava suporte online aos alunos em tempo real. Metade dos alunos de cada uma das disciplinas era da SJSU e outra metade era de alunos da comunidade, de estudantes em lista de espera para universidades comunitárias e ou jovens de ensino médio. De acordo com o jornal local Mercury News, os índices de aprovação entre os alunos da SJSU foram, respectivamente, 29%, 44% e 51%, contra os 80%, 74% e 74% alcançados quando essas disciplinas são ministradas no formato tradicional.
Durante o período de suspensão do programa, universidade e plataforma vão analisar os dados e tentar reformatar os cursos. “A SJSU e a Udacity continuarão a trabalhar juntas. Nós decidimos em comum acordo darmos um tempo para avaliar os dados disponíveis e fazer as mudanças apropriadas”, afirmaram em nota Qayoumi e a pró-reitora. Um dos primeiros indicativos do que será alterado foi dado pelo próprio Thrun, em seu blog. “Dada a população não tradicional de estudantes, precisamos inovar no ritmo e na duração dessas aulas. O ritmo do semestre tradicional não funcionou bem para o estilo de vida e as demandas de tempo para os estudantes do programa. Na verdade, 30% dos nossos estudantes trabalhavam cerca de 30 horas por semana. Outros 40% trabalhavam, pelo menos, em meio período. Trabalho, família, outras aulas e a grade de horários do ensino médio demandam uma abordagem mais inovadora de ritmo e nós estamos comprometidos a descobrir qual nesse outono [do hemisfério Norte]”, disse ele.
O que se viu na sequência do anúncio da suspensão do curso foi um debate acalorado na mídia não apenas sobre as altas expectativas criadas pelos Moocs, mas também sobre a real eficácia desse tipo de curso no aprendizado e também sobre os modelos que podem tornar todo esse movimento financeiramente sustentável. O The New York Times, por exemplo, alerta para a existência de um debate “rancoroso” sobre “se o os cursos vão levar para um melhor aprendizado, custos mais baixos e maiores taxas de graduação ou para o desmantelamento de universidades públicas, diminuição da importância ou a eliminação de postos de trabalho na academia, e ainda uma educação de segunda classe para a maioria dos estudantes”.
De acordo com a especializada Inside Higher Ed, “a pausa é a mais recente de uma série de fatos que podem amortecer o entusiasmo hiperbólico que ronda os Moocs”, referindo-se a um artigo anterior, no qual especialistas falavam que o modelo saltou degraus importantes antes de ser usado em escala e lembram da dificuldade de encontrar uma forma sustentável de financiamento. A The Economist também entrou levantando os formatos que diferentes Moocs têm tentado para se tornarem viáveis financeiramente.
Dadas todas essas reações e debates, o passo atrás da SJSU levanta algumas reflexões por aqui.
1) Será que os Moocs são uma receita pronta?
Existem muitos formatos possíveis para a oferta dos Moocs. O escolhido pela SJSU, inclusive, já não era o mais comum, ao limitar o número de participantes e montar uma classe virtual mesclada com alunos da universidade e da comunidade. Há ainda muitos arranjos a serem testados e adaptados para proverem uma melhor experiência de aprendizado a cada público ao qual o Mooc se destinar. Ao EdSurge, Thrun mencionou ter tido, no projeto piloto suspenso, dificuldades infraestruturais básicas porque muitos estudantes não tinham computador e/ou internet estável à disposição. Até agora, o que se depreende do que vem acontecendo é que os Moocs não são a solução automática para todos os males do ensino superior.
2) Quem estuda por Moocs aprende mais?
Por enquanto, o que se pode afirmar é que os Moocs dão acesso a aulas de qualidade a pessoas que antes não teriam a chance de participar delas. A eficácia do aprendizado, contudo, ainda não é conhecida. São tantos os arranjos possíveis que alguns modelos podem ser mais ou menos adequados a determinados públicos. Esse tipo de mensuração já está no radar de muitos pesquisadores, principalmente nas universidades mais envolvidas com o novo modelo, mas o fenômeno é tão novo que a comprovação científica ainda não veio.
3) Quem estuda por Moocs é mais engajado nas aulas?
A ideia de permitir que alunos possam escolher a hora que vão estudar e que possam aproveitar o encantamento que os recursos digitais trazem também não garante um maior engajamento. O material disponível, dizem especialistas, deve ser interessante e pensado para uma experiência virtual, e não ser apenas a transposição do que acontecia presencialmente para a web. O ambiente virtual tem outra linguagem, permite mais recursos e torna outros, muito usados nas aulas tradicionais, completamente deslocados.
Enquanto todo esse debate começa a discutir os pontos fracos de um modelo que chegou com a promessa de revolucionar o ensino superior, o desenvolvimento dos Moocs não para. O próprio Thrun já fala em conferir mais inteligência ao algoritmo que usa para trazer uma experiência de aprendizado mais efetiva. No Brasil, o Veduca também se envereda para esse caminho, prometendo modulizar o conhecimento para que os alunos tenham acesso exatamente ao que precisam.
Fato é que os Moocs trouxeram uma nova dinâmica ao ensino superior, que até então mantinha uma distância segura da entrada da tecnologia na educação. Eles chegaram, deram acesso a aulas antes ao alcance de muito poucos, envolveram centenas de milhares de pessoas. Mas o cenário de benefícios e possíveis desvantagens não está claro. Enquanto não se sabe, é bom ir devagar com o andor porque o barro ainda está molhado. De preferência, sem parar a procissão, que está na rua.