Projeto de educação ambiental e inclusiva investiga ditos populares sobre o clima
Em Campina Grande do Sul (PR), estudantes fazem atividades interdisciplinares, distribuem sementes à comunidade e vão a campo estudar conhecimentos tradicionais e científicos
por Taiza Colere Tanajura Klemba 11 de setembro de 2024
Como professora, acredito que trabalhar mudanças climáticas em sala de aula é essencial para promover a conscientização, a ação e a busca por soluções sustentáveis que possam mitigar seus impactos, protegendo o futuro do planeta e das próximas gerações.
Em 2023, minha turma de alunos do AEE (Atendimento Educacional Especializado) do 6º ano do Colégio Estadual Prefeito João Maria de Barros, em Campina Grande do Sul (PR), ficou impressionada com a força da natureza. Uma exuberante árvore, que ficava no jardim da escola e era usada pelos estudantes para rodas de conversa, apresentação de trabalhos e até piqueniques, caiu durante as fortes chuvas de um final de semana de novembro.
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Os alunos ficaram assustados com a tempestade e o vento. “O clima está mudando!”, disseram. Senti que eu deveria intervir naquele momento. E assim nasceu o projeto “Tempestade de ideias: jovens cientistas em ação”, desenvolvido na Sala de Recursos Multifuncionais e em pesquisas de campo.
Expliquei que o clima da Terra está sempre mudando, mas, nas últimas décadas, isso tem sido mais rápido e significativo devido ao aumento das emissões de gases na atmosfera. Esses gases, liberados principalmente por atividades humanas como queima de combustíveis fósseis para energia, transporte e indústria, criam uma “cobertura” que retém o calor do sol, causando o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Para entender melhor o assunto, partimos para as atividades práticas e interdisciplinares.
Monitoramento da chuva
Começamos acompanhando mais de perto as condições climáticas do nosso município, caracterizado pelo Clima Temperado Úmido (Mesotérmico). Com média do mês mais quente inferior a 24º C e do mês mais frio inferior a 18ºC, o verão é considerado brando e temos algumas geadas severas.
Nessa etapa, ressaltei a diferenciação entre clima e tempo, onde o tempo descreve as condições atmosféricas diárias ou semanais, enquanto o clima descreve os padrões de longo prazo dessas condições em uma determinada área.
Construímos um painel para registro diário das condições do tempo e, na sequência, passamos a acompanhar a previsão pelo site do Simepar (Sistema Meteorológico do Paraná), observando as mínimas e máximas, calculando a média de temperaturas da semana e registrando os dados em uma tabela.
Após estudos relacionados à chuva e o ciclo hidrológico, percebemos a necessidade de um acompanhamento mais preciso da chuva em nosso bairro. Decidimos então construir um pluviômetro com garrafas pet, para monitorar a média de chuvas ao longo das semanas e meses.
Também criamos uma ação solidária: por observar que muitos estudantes tomavam chuva no retorno para casa após a aula, montamos um “guarda-chuvário” para empréstimo de guarda-chuva a quem necessitava. Solicitei doações em grupos de pais da escola e muitos colaboraram.
Criatividade para mudar
Para uma maior conscientização sobre as causas das mudanças climáticas, incentivei os estudantes a refletir sobre como pequenas atitudes ecológicas podem ter grande valor.
Sugeri que pensassem em soluções criativas e práticas para lidar com os desafios do clima em nossa região. Surgiram ideias simples, mas eficazes: diminuir a quantidade de plásticos no dia a dia, substituir esponjas industrializadas por esponjas vegetais, trocar copos plásticos por garrafinhas, plantar árvores, trocar de escovas de dentes de plástico por escovas de bambu e fazer a separação correta do lixo, além de incentivar o uso de transportes alternativos.
Escolhemos um tema para aprofundar a pesquisa. O estudante Bruno trouxe sementes de bucha vegetal (Luffa aegyptiaca) para plantar na escola, além de buchas inteiras para estudo. A bucha vegetal é uma planta muito útil, pois, além de ser comestível, ajuda o meio ambiente por ser biodegradável. Investigamos a família da bucha vegetal e descobrimos que ela pertence a das Cucurbitáceas, a mesma da abóbora, abobrinha, melão, melancia e pepino. Levamos todos esses alimentos para a Sala de Recursos, para que os alunos pudessem experimentá-los.
Plantio e colheita
Em nossos estudos, compreendemos que a bucha vegetal é uma alternativa natural e sustentável às buchas industrializadas, que são feitas de materiais sintéticos que podem levar centenas de anos para se decompor, enquanto a bucha natural se decompõe sem prejudicar o meio ambiente. Além disso, o cultivo da bucha vegetal fortalece a agricultura local, contribuindo para o desenvolvimento das economias regionais e promovendo práticas mais sustentáveis.
Decidimos, então, iniciar o cultivo dessas buchas utilizando caixas de ovos com terra para o plantio. Também testamos a semeadura em algodão, em esponjas industrializadas e diretamente no solo, com monitoramento contínuo ao longo de dias. As mudas foram posteriormente plantadas no solo.
Engajada com nosso projeto sobre mudanças climáticas, Salete, agente operacional da nossa escola, trouxe diferentes tipos de buchas vegetais e sementes de seu sítio. Nossa turma distribuiu essas sementes entre os colegas e foi assim que lançamos a campanha “Traga uma esponja industrializada velha e troque por sementes de esponja vegetal!” As buchas coletadas foram enviadas para uma empresa de reciclagem.
Com o nascimento do jardim, aproveitamos para distribuir mais mudas aos funcionários e aos vizinhos da escola.
Aulas no campo sobre mudanças climáticas
Em 2024, voltei a coordenar a Sala de Recursos Multifuncionais. Chegaram seis estudantes para colaborar com a nossa pesquisa, passamos a receber fotos das plantações da comunidade, o que nos motivou a realizar visitas técnicas.
A primeira foi ao sítio da senhora Leonice Ruzenente, de 86 anos, que recebeu uma muda de bucha oferecida por mim e pelos estudantes em novembro de 2023. Queríamos observar o desenvolvimento das plantas.
Curiosa, a turma quis saber como ela fazia a previsão do tempo para o melhor plantio antes da internet e da TV. Ela contou que aprendeu com seus pais algumas orientações, bem como identificar sinais de mudança no tempo observando os animais: “Arco-íris à tardinha, chuva vem de manhãzinha”, “Vacas deitadas todas juntas, chuva e frio nos próximos dias”, contou, referindo-se aos ditados populares.
Também visitamos a chácara da senhora Lurdinha, onde anotamos mais um saber: “Cerração baixa, sol que racha!”. Passamos pela casa de Isabella, nossa colega da Sala de Recursos, que contou com a ajuda da avó no processo da adubação orgânica, irrigação, retirada de ervas daninhas e do cultivo de flores amarelas e lindas. Já na casa da senhora Marizete, ouvimos que “formiga de asa aparecendo é sinal de chuva”. Dona Clementina, mãe da professora Vera, também nos recebeu e nos ensinou mais um ditado: “Céu estrelado, bom tempo no dia seguinte.”
Ao retornarmos para a escola, discutimos como esses conhecimentos não apenas refletem a conexão profunda dessas pessoas com o campo e a natureza, mas também mostram como o conhecimento tradicional pode ser precioso para entender e prever mudanças no tempo.
Segredos celestes
Continuando nossas explorações, além de prepararmos juntos uma geleia de bucha verde, dedicamos a aprofundar nosso conhecimento sobre tempo e o clima a partir da observação do céu, com as fases da lua, as constelações clássicas e indígenas, e sua relação com a agricultura.
Iniciamos com uma discussão sobre o que os alunos já sabiam sobre a lua e as estrelas. Em seguida, assistimos a um vídeo que abordava as fases da lua, seu ciclo e impactos na Terra.
Depois, mergulhamos na leitura do material “Ciência, Inovação e Ética” para refletir sobre a relevância da observação do céu ao longo da história humana. Na prática, os estudantes recriaram algumas constelações, como as Três Marias, a constelação de Orion e as constelações indígenas, de grande importância para diversas culturas da América do Sul e seus sistemas agrícolas.
Novos usos para as buchas
Durante o projeto, os estudantes colheram buchas vegetais que haviam plantado e aprenderam a limpá-las, removendo cascas e sementes. Com isso, exploraram maneiras de utilizá-las no cotidiano, como a confecção de xaxins para plantas e vasinhos com orquídeas. Além disso, tiveram a oportunidade de customizar buchas, experimentando a costura pela primeira vez.
A ideia se expandiu para a produção de sabonetes artesanais, usando ingredientes naturais como lavanda, alfazema, alecrim e camomila, sob a orientação da professora de química, Maria Fernanda Santos. A venda dos materiais resultou na compra de lixeiras seletivas e apoio com suprimentos aos moradores do Rio Grande do Sul.
O projeto também abordou a gestão de resíduos, destacando a importância da separação adequada do lixo. Com as cascas das buchas e caixas de ovos usadas para fins pedagógicos, os estudantes criaram papel reciclado para etiquetas e embalagens dos produtos. Isso gerou debates sobre práticas sustentáveis e a necessidade de conscientização ambiental desde cedo.
Pesquisa final
Após reunir informações detalhadas sobre o clima e o tempo nas aulas de campo e em sala de aula, elaboramos um formulário online com perguntas sobre previsões meteorológicas, enviado aos grupos de WhatsApp de pais e responsáveis. Também convidamos estudantes e professores a participar.
Com as informações coletadas, visitamos o Simepar (Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná, instituição responsável pelo monitoramento e previsão do tempo no estado do Paraná) para aprender como a previsão do tempo é realizada. Nosso estado, com forte atividade agrícola, demanda monitoramento constante das correntes de ar, além de outros fatores como temperatura, umidade, pressão atmosférica e velocidade do vento. Todas essas informações são processadas em computadores avançados para prever o tempo com uma precisão de até 90%.
Todo o conhecimento adquirido sobre mudanças climáticas foi muito válido. Em relação aos dados coletados com os moradores locais, obtivemos as seguintes informações científicas dos meteorologistas:
- “Arco-íris à tardinha, chuva vem de manhãzinha” Explicação: Dito popular sem base científica comprovada, o arco-íris ocorre após a chuva, mas não prediz o tempo.
- “Se o céu ficar vermelho no final da tarde, no outro dia faz sol”. Explicação: A luz solar dispersa ao entardecer pode indicar estabilidade atmosférica, mas não garante sol no dia seguinte.
- “Vacas deitadas todas juntas, chuva e frio nos próximos dias”. Explicação: Sem base científica, mas pode estar ligado à baixa pressão atmosférica.
- “Céu estrelado, bom tempo no dia seguinte”. Explicação: Um céu limpo e estrelado à noite geralmente indica ausência de nuvens, o que resulta em tempo bom no dia seguinte devido à estabilidade atmosférica.
- “Cerração que baixa, sol que racha”. Explicação: A presença de névoa pode ser um sinal de que o dia será quente e ensolarado após a dissipação da névoa pela manhã.
É importante destacar que as percepções dos moradores locais podem complementar ou serem diferentes do conhecimento científico. Portanto, contrapor e integrar o senso comum com o conhecimento científico é essencial para enriquecer a compreensão dos estudantes sobre a previsão do tempo e as mudanças climáticas.
Taiza Colere Tanajura Klemba
É formada em Pedagogia e Letras, com pós-graduação em Educação Especial e Psicopedagogia. Atualmente, é mestranda em Educação Especial pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora concursada desde 2009, possui ampla experiência na área educacional.