Educação financeira para EJA tenta superar resistências e dificuldades
Ampliar a educação financeira na EJA é essencial para promover autonomia e melhorar as oportunidades dos estudantes de baixa renda
por Redação 6 de março de 2025
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento que dá as diretrizes do que cada estudante deve aprender na educação básica, determina que a educação financeira deve ser colocada como tema transversal. Ou seja, ela deve ser introduzida em diferentes disciplinas, o que pode dar uma visão mais ampla do impacto da gestão financeira no cotidiano e nas decisões das pessoas.
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“Há pontos inegociáveis do que os currículos escolares devem oferecer aos jovens. O tema da educação financeira deve passar por matemática, falar de matemática financeira, proporcionalidade, juros compostos. A pessoa vive em sociedade com essas demandas, inclusive de cidadania”, define Izolda Cela, pedagoga, psicóloga e ex-secretária executiva do MEC, (Ministério da Educação), em entrevista ao Porvir.
No cenário da EJA (Educação de Jovens e Adultos), esta necessidade é mais urgente. Trata-se da modalidade de educação básica destinada a jovens ou adultos acima dos 15 anos e que não iniciaram ou concluíram o ensino fundamental.
“É uma modalidade de ensino com muitas particularidades, pois abrange pessoas das mais variadas idades. Em uma sala de aula pode ter um adolescente de 15 anos e um adulto de 30, com experiências distintas de vida no mundo do trabalho”, explica Maria Dalva Uchoa Braga, professora e especialista em EJA da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (CE).
De acordo com o Censo Escolar de 2022, há 2,7 milhões de brasileiros matriculados na EJA. O perfil etário dos alunos varia conforme a etapa da educação: nas séries iniciais do ensino fundamental, a média de idade é de 46 anos; já nas séries finais do ensino fundamental, a idade é de 25 anos; e no ensino médio, de 24 anos. Isso indica que, atualmente, há mais jovens do que adultos na modalidade.
Em um país no qual 9,3 milhões de pessoas não sabem ler nem escrever, sendo 8,3 milhões com mais de 40 anos de idade, a EJA oferece uma nova oportunidade para aqueles que, ao longo da vida, não tiveram acesso à educação básica e buscam, agora, melhorar suas condições de vida e integrar-se de maneira mais plena à sociedade. Afinal, alfabetizar é mais do que ensinar a ler e escrever, como explica Sonia Couto, coordenadora do Centro de Referência Paulo Freire. “É fortalecer a noção de pertencimento, de cidadania, de classe social, gerando autonomia, consciência de classe, participação ativa e luta por direitos sociais.”
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Nesse contexto de fortalecimento da cidadania, a educação financeira se torna fundamental. Ao ensinar os alunos a planejar e controlar seus gastos, a educação financeira não apenas auxilia os estudantes a administrar melhor seus recursos, mas também proporciona ferramentas para que eles possam tomar decisões mais informadas.
Entraves nas salas da EJA
Contudo, estudos realizados em escolas do ensino fundamental no Brasil mostram que as iniciativas de ensinar educação financeira ainda encontram obstáculos na EJA. Uma delas é a dificuldade que o aluno enfrenta para dar os primeiros passos e fazer um planejamento futuro.
“Apesar da vontade de poupar ou alocar dinheiro em uma caderneta de poupança ou em investimentos, na prática esses estudantes não têm planejado seus investimentos de forma plausível. Isso se deve principalmente à falta de incentivos e informações que indiquem os caminhos para começar”, afirma o professor Luiz Paulo Xisto, autor da dissertação Educação Financeira na Educação de Jovens e Adultos (EJA): buscando uma visão empreendedora para estudantes adultos no município de Irupi (ES), apresentada ao programa de pós-graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
A constatação de experiências em salas de EJA mostra que os alunos, no momento de tomar decisões no que se refere a consumo, têm dificuldade de pensar em consequências futuras. Eles sofrem mais a influência de experiências que viveram no passado e fazem o que estão acostumados, o que nem sempre é o mesmo que agir de uma maneira lógica e matemática.
“Os conteúdos matemáticos desenvolvidos pelos professores em sala de aula raramente têm sido utilizados pelos estudantes em suas decisões de consumo, seja por resistência na hora de aplicar tais conceitos, seja pela forte influência de suas trajetórias de vida, que os impulsionam a tomar decisões sem levar em conta os conteúdos escolares”, observa Luiz.
Caminhos possíveis
Segundo Antonio Paulo Guillen Hurtado, professor da Faculdade Dom Bosco, em Londrina (PR), a demanda pela educação financeira é justificada pelos problemas que a sociedade vive, como endividamento, apelos de consumo por meio de ofertas de produtos e serviços que prometem atender as mais variadas necessidades e desejos das pessoas. Ele é autor do estudo “A importância da educação financeira na educação de jovens e adultos”, escrito em parceria com Carlos Cesar Garcia Freitas, professor da UENP (Universidade Estadual Norte do Paraná).
“Esse diálogo entre educação financeira e EJA é oportunidade para oferecer aos alunos conhecimentos e instrumentos para que eles possam decidir de maneira consciente como administrar seus recursos, evitando problemas que podem ser relacionados ao dinheiro, seja no momento presente, assim como no futuro”, analisam eles na pesquisa.
Embora ainda sejam poucas, iniciativas de educação financeira voltadas para alunos da EJA começam a surgir pelo país. Elas vão além do ambiente de sala de aula e incluem palestras sobre questões práticas, como o uso de cartões bancários, um tema cada vez mais relevante diante da expansão do crédito no Brasil.
A LAEMF (Liga Acadêmica de Educação e Mercado Financeiro), composta por acadêmicos de ciências contábeis, vem promovendo eventos para jovens e adultos do ensino público de Tocantins. O tema é justamente educação financeira.
Dois exemplos que podem inspirar os professores da EJA vêm da rede pública de Pernambuco. O projeto “Educação financeira: primeiros passos para uma vida equilibrada”, desenvolvido pela professora Aline Barbosa na Escola Ministro Jarbas Passarinho, em Camaragibe (PE), é aplicado tanto no ensino médio regular quanto na EJA.
“Acredito que a educação financeira pode mudar a vida das pessoas. Ensinar a lidar com as finanças, saber o que se ganha e gasta, fazer uma renda extra e se organizar para a aposentadoria são conhecimentos que ajudam as famílias a melhorar de vida”, afirma Aline.
O trabalho já trouxe resultados significativos, como a conquista da medalha de prata por Ítalo Yuri Freire da Silva, estudante da EJA, na Olitef (Olimpíada do Tesouro Direto de Educação Financeira), a maior competição do tema no Brasil. Ítalo relata: “A medalha de prata representa tudo o que aprendi com a professora e me motiva a levar esses ensinamentos para a vida,” contou à reportagem publicada no site da Secretaria de Educação de Pernambuco. Outros estudantes da escola também foram reconhecidos com menções honrosas na competição.
Na Erem (Escola de Referência em Ensino Médio) Augusta Cordeiro de Melo, no município de Calçado, agreste pernambucano, os alunos da EJA aprendem conceitos essenciais sobre gestão financeira, como a importância de priorizar gastos e distinguir necessidades reais de desejos impulsivos. O conteúdo aborda ainda a diferença entre consumo e consumismo, e como a pressão da publicidade pode influenciar decisões de compra.
“Todas as aulas são interativas. Também ensinamos sobre juros, prazos de pagamento e como evitar os riscos das dívidas, incentivando os alunos a refletirem sobre os gastos desnecessários, muitas vezes impulsionados por emoções. O objetivo é que eles adquiram conhecimento para tomar decisões financeiras mais equilibradas e conscientes”, explica a professora Niedja da Silva da Erem Augusta Cordeiro.
São iniciativas que o MEC acredita ter o poder multiplicador, de que os alunos repassem o que aprenderam para outras pessoas dentro dos seus círculos familiares e de amizades. “Precisamos melhorar esse nível também naqueles que podem ajudar outros, criando uma grande rede de gente e auxiliando a planejar uma segurança do futuro próximo”, conclui Izolda Cela.
*Com informações da Secretaria de Educação do estado de Pernambuco