Educação mão na massa ganha espaço nas escolas e amplia protagonismo do estudante
Uma das tendências de aprendizagem abordadas pelo Porvir ao longo de seus 10 anos, aprendizagem mão na massa deve ir além das impressoras 3D e considerar intencionalidade pedagógica para ser efetiva
por Maria Victória Oliveira 21 de dezembro de 2022
A ideia de tornar o aluno protagonista de seu processo de aprendizagem a partir de um currículo conectado à realidade e que preza por experiências além da transmissão de saberes já foi endereçada por teóricos e especialistas como o filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey e o patrono da educação brasileira, o educador Paulo Freire. Com o passar do tempo, essas concepções foram traduzidas no conceito de aprendizagem mão na massa, que ganhou adesão de inúmeras escolas e educadores. O que mudou e avançou desde 2016, quando o Porvir lançou o guia especial sobre educação mão na massa?
Juliana Ragusa, educadora e especialista em cultura maker, pedagogias do século 21 e metodologias ativas, comenta que desde o início dos debates sobre educação mão na massa no Brasil já foi possível notar evolução de práticas com maior foco em processos e abordagens dentro de uma perspectiva de educação integral, com uso de metodologias ativas, trabalho com projetos, resolução de problemas, investigação, reflexão crítica e compartilhamento de saberes.
“Todos os aprendizados, dinâmicas individuais e coletivas com perspectivas transdisciplinares para desenvolver competências, valores e autoconhecimento, visando o bem-estar e desejo de agir e intervir no mundo que conectam várias áreas do conhecimento e resultam numa nova ideia, protótipo ou produto, novas conexões e solução de problemas, são exemplos do que atividades mão na massa possibilitam para além dos conteúdos curriculares”, aponta.
Já Elio Molisani, professor do departamento de física da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e gestor de projeto do Programa Ação Criativa da RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), aponta que houve a expansão de debates e estudos de casos sobre o incentivo da criatividade dentro da sala de aula, a exploração de materiais diversificados e a construção de protótipos.
“A aprendizagem mão na massa não é o fazer pelo fazer. É um fazer com intencionalidade pedagógica, com reflexão, abordando um tema ou causa socioambiental e de relevância para a população, procurando explorar uma solução e trazer pontos de reflexão. A ideia não é aprender uma questão técnica ou uso de uma ferramenta apenas, mas sim conhecer esses princípios para olhar o mundo de forma mais plural”, aponta Elio, que também reforça que uma atividade não precisa ser mão na massa do começo ao fim, mas que corresponda a, ao menos, um trecho da proposta.
Importância da experimentação
Se a escola do século passado exigia que estudantes exercitassem a memória ao decorar conteúdos para avaliações, hoje, celulares e internet ajudam nesse aspecto. Por isso, Elio explica que escolas têm investido em inovar e no aprendizado da solução de problemas. “A aprendizagem mão na massa proporciona momentos em que você pode testar, experimentar e propor soluções para questões do mundo real.”
O educador comenta que são possíveis atividades mais dirigidas e elaboradas passo a passo pelos professores, ou propostas mais livres, nas quais os alunos podem exercer mais autonomia. Deve-se ter em mente, entretanto, a importância de os conteúdos curriculares estarem integrados nas propostas de atividade, o que favorece não só o trabalho coletivo entre os estudantes, mas entre os próprios educadores também.
Nesse sentido, o maior engajamento dos jovens acontece uma vez que as atividades incorporam seus desejos e interesses e os estudantes se colocam em posição de serem desafiados a superar um desafio, por exemplo. “O protagonismo na produção dos próprios conhecimentos, a resolução de problemas, a criticidade e o engajamento social, em conexão com uso genuíno e crítico das tecnologias, tanto na sociedade como na vida das pessoas, são processos essenciais para o engajamento, participação e interesse dos estudantes durante o processo de aprendizagem”, complementa Juliana.
Dicas |
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Estudiosa da educação maker, Regina Gavassa, coordenadora da frente do Núcleo de Tecnologia para Aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, cita uma lista de premissas trazidas por teóricos que podem ajudar no planejamento de uma atividade mão na massa: – Propósito de transformação pessoal; – Parte de uma curiosidade ou temática; – Motivação; – Envolvimento lúdico; – Possibilidade de expressão e concretização de ideias, inventividade; – Interação com pessoas, tecnologias e materiais diversos; – Valorização de talentos; – Colaboração em benefício comum; – Criação de atividade de pensamento; – Utilização de ferramentas digitais para projetar, produzir, colaborar e compartilhar; – Compreensão de conceitos a partir da experimentação; – Compromisso em compartilhar; – Desenvolvimento de habilidades cognitivas, técnicas sociais e emocionais. |
Competências e BNCC
Se abordagens pedagógicas como a educação mão na massa têm sido apresentadas como uma opção de mudança de concepções tradicionalistas, como explica Regina, a educadora cita pesquisadores que defendem que espaços makers nas escolas podem promover as “habilidades para o século 21”, com o mesmo foco no desenvolvimento de competências adotado pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
“A educação mão na massa, ou educação maker, como prefiro denominar hoje por ser meu tema de pesquisa, pode ser uma alternativa e favorecer processos de aprendizagem e experiência dos alunos em escolas que apostam em mudanças de atitudes e no criar em oposição ao consumir. Isso possibilita situações de aprendizagens a partir da experimentação e o desenvolvimento de habilidades intrapessoais e interpessoais, como colaboração e trabalho em equipe, onde os estudantes aplicam suas aprendizagens à realidade”, aponta Regina.
Elio também aponta que o trabalho colaborativo que muitas vezes a educação mão na massa utiliza contribui para o desenvolvimento de competências que não são tão facilmente desenvolvidas com abordagens mais conteudistas, como criatividade, inovação e empatia para respeitar a ideia do outro e relações interpessoais.
A BNCC traz, ainda, outras conexões com a metodologia do mão na massa, como a competência geral número 5, que versa sobre a compreensão, uso e criação de tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais. “O mão na massa não precisa ser só com papelão e cola. Tem muitos outros materiais que podemos usar, incluindo as questões digitais, que não se resumem a programação, mas pode ser a própria edição de um vídeo ou um podcast. Ou seja, com o mão na massa, você abre oportunidades para muitas outras ações, que vão além da construção de um protótipo propriamente dito.”
Regina também comenta sobre o fato de que a metodologia incentiva que o professor preste mais atenção nos processos do que nos produtos, valorizando a experiência dos estudantes e permitindo que aprendam com seus erros, além de poderem compreender conteúdos e temas abordados de forma teórica e tátil, com a exploração e experimentação.
Guia Temático
Educação Mão na Massa
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Materiais e espaços
A aprendizagem mão na massa já experimentou muitas tendências quando o assunto é material a ser utilizado. Já houve a fase dos kits prontos e de custo muito elevado, que não conferiam tanta liberdade de criação para os alunos. Também houve um período em que o uso de materiais alternativos, como sucata e outros, se popularizou bastante, possibilitando que mais pessoas experimentassem a metodologia.
O fato de que muitas ferramentas e dispositivos não são mais tão caros como eram há 10 anos abre uma nova possibilidade: incorporar esses elementos na lista de material de cada estudante.
“Atualmente, existem inúmeras ferramentas digitais, aplicativos para montagem de circuitos eletroeletrônicos e softwares gratuitos na internet, que podem ser aliados a equipamentos e dispositivos eletrônicos de baixo custo. A mescla de materiais digitais com não digitais tem auxiliado bastante a produção e execução de protótipos e soluções inteligentes para problemas do mundo real, além de ajudar na inovação e criatividade dentro da sala de aula”, explica Elio.
Segundo o educador, o que se percebe hoje é que nem tudo precisa ser realizado com sucata, que é muito bem-vinda, mas não deve limitar o conceito de materiais alternativos. Ou seja, para colar algo, por exemplo, é possível usar a cola quente ou pensar em formas de encaixe ou amarras. Nesse caso, limitar os materiais a disposição dos estudantes pode ser uma forma de, ao mesmo tempo, estimular a criatividade e considerar a quantidade de resíduos gerados com as atividades, sendo preferível aquelas que possibilitem o reaproveitamento dos materiais depois que a proposta for finalizada.
Além disso, se antes a aprendizagem mão na massa era mais encarada como cursos extracurriculares e algo de fora da escola, ao longo desses anos muitas escolas investiram em espaços maker e destinados ao trabalho por projetos. Elio ressalta, entretanto, que não é obrigatório repensar espaços de bibliotecas ou transformar laboratórios de informática, aconselhando ir além da própria palavra ‘espaço’.
“Nós nos atemos muito a questão física. Por isso prefiro trocar a palavra espaço maker por ambiente maker, ou ambiente de aprendizagem mão na massa, porque a ideia é que não se concentre em um espaço físico determinado, mas sim em um lugar que exista interação entre as pessoas”, aponta.
Ou seja, ambientes pré-determinados continuam sendo importantes para o uso de ferramentas com segurança, mas a ideia é que as atividades não precisam ficar restritas a apenas um espaço físico dentro da escola. Um projeto mão na massa pode acontecer em vários ambientes: no momento de construção de algum componente, é possível ocupar um laboratório; já no momento de ideação, estudantes podem estar no pátio ou mesmo na sala de aula.
“O importante é que a gestão, os professores e estudantes estejam juntos para pensar o que é esse ambiente que querem criar. Se o conceito da escola é ter uma biblioteca onde se faça silêncio, isso não vai combinar com o ambiente maker. Mas se é pensada como um ambiente de convivência que mescla o físico com o digital, um lugar de pesquisa e desenvolvimento de projetos, aí pode ocorrer de forma interessante”, completa Elio.
A escolha dos materiais e ferramentas a serem adquiridos para tal espaço também deve ser pensada de forma estratégica. Isso porque uma impressora 3D não será útil para todas as escolas, mas somente para aquelas que incorporarem seu uso – e todas as variáveis envolvidas, como tempo de impressão dos objetos – em seu planejamento, sempre considerando a intencionalidade pedagógica das propostas.
Como parte das atividades de celebração aos 10 anos do Porvir, a mostra interativa e multimídia “Encontro com o Porvir: trajetória de educadores que transformam o presente e constroem o futuro” é realizada até 3 de fevereiro, no Museu Catavento – instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, localizado na região central de São Paulo (SP). Além das 148 contribuições recebidas em uma campanha de financiamento coletivo, somam-se aos parceiros e apoiadores oficiais do projeto: Camino School, Faber-Castell, FTD Educação, Fundação Educar, Instituto Ayrton Senna e Red Balloon.