Projeto de Ciências e Biologia em escola rural revisita Darwin no Scratch
Projeto une arte, ciência e tecnologia para ensinar evolução e meio ambiente em escola rural, com impacto positivo no SARESP e no letramento digital
por Hugo Martins
22 de agosto de 2025
Ao falar de tecnologia na educação, é comum imaginar uma escola moderna, bem equipada e situada em uma grande cidade. No entanto, a realidade brasileira, sobretudo das escolas públicas, está distante desse cenário, especialmente quando pensamos na educação do campo.
Sou professor de Ciências do 9º ano do ensino fundamental e de Biologia do 1º ano do ensino médio na Escola Estadual Professora Cleide da Fonseca Ferreira, localizada na zona rural de Mogi Guaçu, interior de São Paulo. Meus alunos vivem, em sua maioria, em chácaras e sítios. Suas famílias dependem da colheita e enfrentam longos deslocamentos até chegar à escola. O acesso a tecnologias e a materiais didáticos atualizados é bastante limitado.
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Notei que a turma tinha dificuldade em compreender conceitos como evolução, biodiversidade e impactos ambientais. Quando trabalhados de forma puramente teórica, esses temas pareciam distantes, como, por exemplo, a poluição dos oceanos. As praias mais próximas, Santos ou Praia Grande, ficam a uma distância que varia de 220 km a 270 km. De carro, o tempo de viagem pode durar de 3 a 4 horas, dependendo do trânsito e da rota.
Movido pelo desejo de tornar as aulas mais criativas, digitais e participativas, criei o projeto “Evolução e Meio Ambiente com Arte e Tecnologia”. A proposta uniu Ciências e Biologia em uma experiência de aprendizagem ativa, que proporcionou aos estudantes a oportunidade de investigar, analisar dados, argumentar e explorar diferentes recursos tecnológicos.
Da teoria à prática
O projeto teve como foco o fortalecimento de competências previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), como o pensamento científico, crítico e criativo, em alinhamento aos currículos estadual e nacional. Para dar forma a esses objetivos, organizei três eixos interligados, trabalhados ao longo de dois meses:
- Galeria de arte digital sobre poluição dos oceanos
- Jogo educativo sobre a Teoria da Evolução de Charles Darwin
- Mural colaborativo no Padlet sobre a evolução das plantas
Galeria de arte digital
Na primeira etapa, os estudantes investigaram os impactos da poluição nos oceanos, refletindo sobre suas causas e consequências. Para aprofundar a discussão, trabalhamos o tema da hidrografia. Após a explicação conceitual, eles realizaram pesquisas com base no livro didático e estabeleceram conexões com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial o ODS 14 Vida na Água, que busca conservar e usar de forma sustentável os oceanos e recursos marinhos.
Foram desenvolvidas habilidades da BNCC como discutir a importância das unidades de conservação, propor estratégias de uso sustentável dos rios e áreas próximas. Também foram sugeridas iniciativas individuais e coletivas para resolver problemas ambientais.
Inspirados pelas pesquisas, os alunos produziram ilustrações, colagens digitais e frases de impacto. Por meio da arte, transmitiram mensagens sobre a relação entre ser humano e meio ambiente, abordando temas como o descarte inadequado de plásticos e a presença de petróleo na água.
Para dar forma às produções, exploraram ferramentas digitais. O Canva foi utilizado para recorte, ajustes de cor e composição das imagens, enquanto outros aplicativos de celular ampliaram as possibilidades criativas. Como culminância, organizaram uma galeria de arte virtual no aplicativo Artsteps, com opção de exibição em realidade virtual. A experiência uniu ciência, arte e tecnologia, valorizando o olhar crítico dos jovens.
Nessa atividade, trabalhamos com as seguintes habilidades:
- (EF09CI12A) Discutir a importância das unidades de conservação para a preservação da biodiversidade e do patrimônio nacional e suas relações com as populações humanas e as bacias hidrográficas.
- (EF09CI12B) Propor estratégias de uso sustentável dos espaços relacionados às áreas de drenagem, rios, seus afluentes e subafluentes, próximos à comunidade em que vive.
- (EF09CI13) Propor iniciativas individuais e coletivas para a solução de problemas ambientais da comunidade e/ou da cidade, com base na análise de ações de consumo consciente e de sustentabilidade bem-sucedidas.
Darwin e evolução
Na segunda etapa, a turma criou um jogo de plataforma sobre Charles Darwin (1809-1882), naturalista, geólogo e biólogo britânico, famoso por seus estudos sobre a evolução das espécies.
A plataforma escolhida foi o Scratch, para que o jogador encontre perguntas de desafio sobre seleção natural e isolamento geográfico; para vencer, é preciso acertar as respostas e acumular pontos.
Os personagens e cenários foram inspirados no livro “A Viagem do Beagle”, que narra a expedição científica realizada entre 1831 e 1836 a bordo do HMS Beagle, sob comando do capitão Robert FitzRoy. Darwin participou como naturalista e publicou suas observações em 1839.
Embora planejada para durar apenas um ano, a expedição se estendeu por quase cinco, período em que Darwin investigou fauna, flora e formações geológicas. ele foi o primeiro a apresentar provas científicas da evolução e a explicar o conceito de seleção natural. Sua teoria da evolução, sobre a origem do ser humano, foi classificada como revolucionária, pois até o século 19 muitos cientistas acreditavam que todas as criaturas haviam sido criadas por Deus.
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O processo de criação do jogo seguiu essa inspiração. Em grupos, os alunos elaboraram perguntas usando anotações de sala, livros didáticos e pesquisas na internet. Depois, discutiram o design e as possibilidades de programação. Por fim, com notebooks e a plataforma Scratch, deram vida ao jogo planejado.
Mesmo com poucos computadores na escola, a produção em grupos garantiu a participação de todos. O resultado foi apresentado na Maratona Tech, um campeonato de tecnologia educacional para escolas públicas e privadas. Isso aumentou o engajamento e a autoestima da turma.
| Ciências e tecnologia: como criar um jogo no Scratch? |
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Estrutura do jogo Introdução com mensagem de boas-vindas Sequência de perguntas e respostas Pontuação (opcional) Programando a introdução Vá em Eventos e arraste o bloco “quando a bandeira verde for clicada”. Em Aparência, use “diga … por 2 segundos” para criar a introdução. Exemplo: “Seja bem-vindo ao quiz!” Fazendo uma pergunta Em Sensores, use “pergunte … e espere”. Exemplo: “Quem descobriu o Brasil?” Em Controle, arraste “se … então … senão”. Em Operadores, use o bloco =. Do lado esquerdo coloque “resposta” (Sensores). Do lado direito digite a resposta correta (exemplo: “Pedro Álvares Cabral”). No espaço “então” adicione “Certa resposta!!!”. No espaço “senão” adicione “Errou!”. Repetindo Repita os passos para cada nova questão. Pontuação (opcional, mas recomendado) Crie uma variável chamada Pontos. No início do jogo, use “defina Pontos para 0”. Quando a resposta estiver correta, use “mude Pontos por 1”. No final, programe para o Scratch dizer: “Você fez X pontos!”. Clique aqui para baixar um guia com orientações para professores se aprofundarem no Scratch |
Evolução das plantas
Na terceira etapa, os estudantes criaram uma linha do tempo da evolução vegetal, das briófitas às angiospermas, utilizando o Padlet. Pesquisaram períodos geológicos, adaptaram a linguagem científica e relacionaram a evolução das plantas às mudanças ambientais ao longo da história da Terra.
Perceberam que, em cada fase da evolução, as plantas incorporavam novas características que garantiam melhores condições de sobrevivência. A linha do tempo construída de forma colaborativa estimulou a troca entre colegas e permitiu múltiplas formas de expressão. No Padlet, os estudantes encontraram um espaço interativo para reunir imagens, vídeos e textos.
Resultados alcançados
Durante todo o projeto, as aulas foram organizadas em blocos semanais, com momentos expositivos, oficinas práticas e uso da sala de informática. Mesmo com limitações estruturais, como poucos computadores e internet instável, todos tiveram participação efetiva. Muitos usaram os próprios celulares, trabalhando em duplas ou grupos, o que estimulou colaboração e inclusão.
Os resultados foram significativos, pois o projeto:
- Fortaleceu a autoestima dos alunos
- Aumentou o interesse por Ciências
- Estimulou a participação em olimpíadas estaduais, competindo em igualdade com estudantes de todo o estado
Houve também impacto nos indicadores oficiais. No SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), a média de proficiência em Ciências do 9º ano subiu 0,5 ponto entre 2023 e 2024, com um aumento de 15,3 pontos percentuais. Esse avanço levou a escola a sair do nível ‘baixo’ e alcançar o nível ‘adequado’, em que os estudantes demonstram domínio dos conteúdos, competências e habilidades esperados para a série.
As produções foram apresentadas em eventos internos e divulgadas nas redes sociais e em meu blog pessoal, ampliando o alcance da prática para além dos muros da escola.
Conclusão
O projeto contemplou os conteúdos previstos nos currículos estadual e da BNCC. E foi além: promoveu letramento digital, cultura digital e competências socioemocionais, como autonomia, criatividade, empatia e comunicação.
A combinação entre arte, ciência, tecnologia e protagonismo estudantil mostrou que, mesmo em contextos rurais e com poucos recursos, é possível transformar o processo de ensino-aprendizagem de forma inovadora e significativa.
Hugo Martins
Bacharel e licenciado em Ciências Biológicas, com especializações em Biotecnologia e Gestão Ambiental. Atua há mais de 11 anos como professor na rede estadual de ensino e tem experiência como consultor ambiental. Desenvolve projetos educativos com foco em sustentabilidade, inovação e protagonismo estudantil.





