Empresas x jovens: o jogo dos sete erros
Alexandre Teixeira, especialista em felicidade no trabalho, dá dicas de como aproximar o mundo das empresas ao dos jovens
por Alexandre Teixeira 8 de abril de 2014
Se é verdade que deixamos a vida nos levar profissionalmente, é bem provável que isso aconteça porque não sabemos o que queremos dela. Em geral, entramos jovens no mercado de trabalho e trilhamos um de dois caminhos. No primeiro, a empresa toma conta da nossa carreira. Oferece oportunidades de ascensão, que aceitamos em troca de mais salário, autonomia e responsabilidades. No segundo, trocamos de emprego ao sabor das ofertas que o mercado de trabalho nos faz, usando as mesmas moedas de troca.
Em ambos os casos, somos escolhidos. Alguém, dentro ou fora da organização onde estamos, enxerga nosso talento e nos seleciona, entre outros possíveis candidatos, para uma determinada posição. Ao longo desse processo, costuma haver pouco incentivo e tempo para refletir sobre uma ou duas questões existenciais relevantes: que tipo de trabalho pode me ajudar a encontrar algum sentido para minha vida?; a que causas quero servir?
O problema começa nas salas de aula. Em uma palestra que fez na conferência Aprendizado Sem Fronteiras, em janeiro de 2012, o filósofo, linguista e cientista cognitivo Noam Chomsky discutiu o propósito da educação. “Muitas medidas têm sido tomadas para tentar virar o sistema educacional na direção de mais controle, mais doutrinação, mais treinamento vocacional (…), o que prende os estudantes e os jovens a uma vida de conformismo”, afirmou ele. Nas escolas e nas faculdades, somos treinados para passar nas provas ou para desenvolver a nossa curiosidade? “Passar nas provas nem se compara a procurar, indagar e perseguir tópicos que nos engajam e nos excitam”, disse Chomsky.
Convidado a refletir sobre o que o jovem que chega ao mercado de trabalho quer e sobre o que o mercado de trabalho quer do jovem, compilei uma lista de sete erros que convergem todos para a mesma resposta: eles não sabem. Nem o jovem nem o mercado se conhecem o bastante para saber. Vou passar os erros em revista e apontar possíveis “curativos”.
Erro 1: Tiros no escuro
Quase caí da cadeira tempos atrás quando descobri que hoje, não raro, jovens participam de 20 ou 30 processos de seleção de trainees ao mesmo tempo. Os que aprendem a língua das empresas passam em vários deles. De modo geral, passam sempre os mesmos candidatos, que podem escolher (entre empresas radicalmente diferentes umas das outras!) onde vão trabalhar. Enquanto isso, pessoas são excluídas dos processos seletivos por um filtro numa planilha de Excel que só deixa passar candidatos de “universidades de ponta”. É ridículo.
Sites de emprego e carreira, com apenas uma exceção que eu conheça, são vitrines de marcas. Se quisessem ser úteis, deveriam ser agências de casamentos entre candidatos e companhias.
Erro 2: Choque de realidade
No início das temporadas de recrutamento de trainees, muita empresa vai às faculdades e se vende como moderna. Quem acredita enfrenta seis meses de processo seletivo chatíssimo – e offline na maioria dos casos. Quando entra, é incumbido de um trabalho medíocre e maçante. O problema é que as organizações, simplesmente, não sabem o que fazer com esses jovens.
Não sabem tampouco comunicar o que fazem. Se o propósito da empresa é ganhar dinheiro e remunerar o acionista (distribuindo bônus generosos a quem contribui mais para esse resultado), ela tem de dizer isso claramente. Se disser que o objetivo é oferecer bicicletas para os habitantes das grandes cidades, vai atrair um tipo de profissional idealista que não vai ficar.
Na maioria dos casos, em todos os setores, o que a área de recrutamento e seleção oferece aos candidatos, por determinação da cúpula da empresa, não é condizente com as práticas dos gestores na ponta. Quanto mais longe do presidente, pior. Daí a expressão “You join the company, you leave the boss”. Você vai trabalhar num lugar legal e foge de um chefe babaca.
Erro 3: Caretice sem sentido
Ao contrário do que sugere o estereótipo, o jovem não perdeu o interesse pelas empresas. A “Geração Y” é ambiciosa e, assim como suas antecessoras, valoriza vida confortável, família assistida, grana pra balada e um cartão de visita que possa entregar com orgulho.
O problema é que as empresas estagnaram no modelo da virada do século, que já tem 15 anos. Todo o avanço da internet móvel, por exemplo, é praticamente ignorado. É inacreditável que tantas organizações ainda bloqueiem acesso a Facebook, Youtube e outras redes sociais em 2014. Diante de tal interdição, hoje você só troca de tela. Se não pode acessar o que quer no computador do trabalho, acessa no próprio smartphone. E despreza seu empregador.
O próprio conceito de “horário do expediente” faz cada vez menos sentido. Cobrar do jovem que seja uma pessoa de segunda a sexta, das 9h às 18h, e outra pessoa à noite e nos fins de semana é uma receita garantida para o conflito de gerações. Cada vez mais, trabalho, diversão e aprendizagem vão acontecer ao mesmo tempo, no mesmo ambiente.
Erro 4: Na contramão do zeitgeist
A revolução trabalhista dos anos 10 do século 21 é comparável à revolução sexual dos anos 60 do século 20. Isso pode não estar evidente agora, porque esses movimentos se expandem em ondas que reverberam por muitos anos. Ou décadas. Mas do mesmo jeito que as famílias dos anos 60 e 70 achavam os jovens daquela época promíscuos, as empresas de hoje acham os jovens profissionais irresponsáveis. Em ambos os casos, o status quo é questionado e reage.
Se esse conceito é meio hippie, acrescento um que é ciberpunk. Para a moçada de vinte e poucos anos que está desembarcando pela primeira vez nas empresas, os ídolos não são os da garagem do rock. São da garagem das startups, como Steve Jobs, ou dos dormitórios universitários, como Mark Zuckerberg ou Larry Page e Sergei Brin. O do-it-yourself dos dias de hoje é o chamado do empreendedorismo. É o espírito do nosso tempo.
Erro 5: Autocomplacência juvenil
Se você não é um high performer, não adianta querer mudar o mundo. Muitos jovens idealistas não têm formação nem determinação suficientes para serem agentes transformadores. Tem muito sonho no mercado e pouca gente capaz de traduzir sonhos em novas realidades. Em parte, porque existe um déficit educacional enorme no Brasil. Em todos os níveis. Da FGV à Unip. A experiência acadêmica não é rigorosa, a distância continua grande em relação ao que as empresas esperam. Faculdades não ajudam o jovem a entender as diferenças entre empresas diferentes, com culturas diferentes. A compreender que quem vai ser feliz na Coca-Cola vai ser infeliz na Ambev – e vice-versa.
Em parte, essa autocomplacência de quem diz que vai mudar o mundo sem ter ideia de como dará o primeiro passo é fruto de uma “transferência de otimismo”. Os pais da “Geração Y” tiveram, na média, vidas mais confortáveis que a dos avós desses jovens. Isso tornou os jovens de hoje tremendamente esperançosos em relação às suas carreiras. E tremendamente ambiciosos, ainda que não gananciosos. Os yuppies dos anos 80 queriam ficar ricos cedo. Os hipsters dos anos 10 querem mudar o mundo na semana que vem.
Erro 6: Salto alto
Assim como seus pais ontem, os jovens de hoje apreciam a prosperidade econômica. A diferença é que dão essa prosperidade de barato, como uma espécie de direito adquirido. Parecem querer gastar seu tempo e sua energia buscando realização e satisfação profissional. Essa autoestima é ótima, mas é preciso dizer que a prosperidade não está garantida. A velha máxima do ganhar o pão com o suor do rosto pode ser surrada, mas não foi revogada.
Erro 7: Nem todos podem ser acima da média
Há uma máxima contemporânea segundo a qual os jovens da “Geração Y” cresceram ouvindo que são especiais e acreditaram. Essa crença gera uma ilusão de que todo mundo é acima da média – uma contradição em termos. A sensação parece ser a de que “todo mundo vai se dar bem na vida e eu, que sou realmente fora da curva, vou ter uma carreira excepcional”. Só que a vida é dura, e construir uma carreira continua sendo difícil. E nem todos são especiais. Por definição, a maioria é, basicamente, mediana.
Soluções? Não tenho. O que posso oferecer são ideias de como administrar melhor a situação, do ponto de vista do empregador que se propagandeia para a moçada.
– Elimine alguns filtros do processo de seleção. Um bom começo seria desistir de só recrutar gente nas faculdades de ponta – que nem tão de ponta assim são.
– Não faça propaganda enganosa. Só se venda como empresa moderna se no dia a dia o ambiente for descolado mesmo e o trabalho, divertido. Se não for, ache outro jeito de atrair gente boa. Só diga que o horário é flexível se for. Que o chefe é humano se for.
– Esqueça o conceito de “horário do expediente”. Pelo menos no que diz respeito ao uso de redes sociais, bermudas e regras de conduta, respeitado o bom senso.
Lembre que os hippies não foram enquadrados. Parte do seu comportamento foi assimilada pela sociedade e incorporada ao mainstream. Parte se perdeu numa onda de maconha. O movimento atual no mundo do trabalho provavelmente vai ter um desfecho parecido.
Quem tiver estômago para lidar com os hipsters de hoje, vai se sair melhor nos próximos dez anos. Lembre: Steve Jobs era um hippie sujo e descalço quando foi contratado pela Atari.
Alexandre Teixeira
É jornalista e autor do livro Felicidade S.A. No momento, promove uma campanha de crowdfunding para lançar uma publicação digital sobre felicidade no trabalho: http://catarse.me/pt/felicidadesa.