Ensinar valores é vocação de escola municipal no Rio
Ginásio Experimental Carioca Governador Carlos Lacerda trabalha o desenvolvimento holístico dos 579 alunos
por Tatiana Klix 6 de dezembro de 2013
No Ginásio Experimental Carioca Governador Carlos Lacerda, na Taquara, zona oeste do Rio de Janeiro, ao longo do ano letivo de 2013 todos os 579 alunos participaram de uma competição diferente. Agrupados em equipes formadas por uma turma do sétimo ano, uma do oitavo e outra do nono, seus resultados somavam ou descontavam pontos do grupo a que pertenciam. Mas o que estava em jogo não eram suas habilidades esportivas ou intelectuais, e sim seus valores.
Na competição, que permeou as atividades regulares e extraclasse do colégio, como os jogos da amizade, a festa junina, as olimpíadas e a gincana, cada uma das equipes era designada por uma cor, que por sua vez estava vinculada a um valor: verdade, ação correta, paz, amor, não violência. Além de desenvolver tarefas relacionadas a esses temas, os alunos eram pontuados por suas atitudes. Por exemplo, se um estudante desrespeitava um colega ou falava um palavrão, a sua equipe perdia pontos.
“Queremos trabalhar a dimensão total do ser humano, preparar o aluno para ser; em sendo ele pode se tornar o que quiser: atleta, professor, ator, profissional liberal. A nossa preocupação é equilibrar o ser humano”, explica a diretora Mônica Pereira.
Esse projeto, chamado Corrente de Valores, foi uma das ferramentas utilizadas este ano para desenvolver o que o Carlos Lacerda se propõe, formar o indivíduo como um todo. Desde 2011, a instituição foi uma das escolhidas para o programa Ginásio Experimental Carioca, um novo modelo implantado para o segundo segmento do ensino fundamental (do 7º ao 9º ano) na rede municipal do Rio, que prevê educação em tempo integral, excelência acadêmica e incentivo a projetos de vida e protagonismo juvenil. Cada uma das 29 escolas que estão no programa adotou uma vocação, como olímpica, artística, poliglota. A do Carlos Lacerda é holística.
Segundo a diretora do colégio, para construir essa formação que vai além das habilidades cognitivas, mas se preocupa com aspectos relacionados à afetividade, moral, ética e formação cidadã, o primeiro passo é suscitar a falta no aluno. “O adolescente acha que não falta nada para ele. Dizemos que falta, sim. A partir daí, orientamos sua busca”, diz.
Desde que se tornou um ginásio experimental, o Carlos Lacerda, que já desenvolvia um trabalho focado em dar voz ao aluno e estimular o senso crítico, passou por várias modificações. Na grade curricular, além de mais tempo para matemática, português, língua estrangeira, história, geografia, ciências e educação física, entraram aulas de protagonismo juvenil, projeto de vida e disciplinas eletivas. Todos os professores passaram a se dedicar exclusivamente para a escola, que ainda deixou de atender o 6º ano.
Mas para a diretora, um dos principais desafios foi – e continua sendo – preparar a equipe. “É preciso trabalhar com todos os profissionais de forma integrada, desde o gari, que faz a limpeza da escola, porque ele tem que ser um educador também, não basta limpar, mas tem que mostrar para criança por que ela não deve sujar.”
Com esse objetivo, foram realizados centros de estudo com os professores, palestras motivacionais e dinâmicas de emoções. E muita conversa. Mônica, que também é psicopedagoga, dá consultorias individuais para seus docentes regularmente, quando procura entender o que funciona, o que cada um gosta ou não gosta e o que pode mudar. No próximo ano, em função da vocação holística, o ginásio terá um psicólogo, um psicopedagogo, um assistente social e um agente de saúde. “Isso é um sonho para todo educador. Meu objetivo é que esses profissionais atendam alunos e professores”, comemora.
Para mensurar os valores trabalhados pela escola, a diretora adjunta montou, a partir de uma pesquisa sobre assertividade, questionários que foram aplicados a professores, alunos e pais. Com base nas respostas, os dados tabulados fornecem informações valiosas à equipe do Carlos Lacerda. “Conseguimos medir os valores de cada turma, identificar onde há mais violência, afetividade, liderança, e depois saber o que precisamos trabalhar”, afirma Mônica.
Ex-alunos
Um outro parâmetro que dá convicção à equipe de que a formação está sendo bem feita é o envolvimento dos estudantes com a escola, mesmo depois que eles já saíram dela. A cada dia, pelo menos dez ex-alunos visitam o colégio e às vezes é preciso até restringir o acesso. Este ano, por exemplo, foi identificado um clima de desmotivação nas turmas de 9º ano, o assunto foi discutido na página do Facebook da escola e mobilizou quem já estava fora dela. “Eles decidiram dar um choque na turma e vieram aqui conversar, dizer que eles estavam em um ambiente privilegiado e precisavam aproveitar”, conta a diretora.
O ex-estudante mais participativo já está na faculdade, mas continua frequentando o ginásio todos os dias. Em 2011, Jefferson Gomes começou a colaborar como voluntário no acolhimento de novos alunos, uma semana de atividades promovida para recepcionar novatos no Carlos Lacerda. Atualmente, faz estágio como coordenador do acolhimento e formador de protagonistas. É ele quem escolhe e orienta os ex-alunos que vão receber os jovens que estão chegando ao ginásio. Sua gratidão pelo Lacerda é enorme e Jefferson planeja retribuir o que aprendeu se tornando também um educador.
“Quero ser professor, quero ir para sala de aula, ter contato com alunos. O Carlos Lacerda contribuiu muito para isso. Foi lá que encontrei um caminho, um diferencial e pessoas que me passassem a confiança que me faltava”, afirmou.