Estudantes do século 21, tecnologia e reforma do ensino médio. E agora? - PORVIR
Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo

Inovações em Educação

Estudantes do século 21, tecnologia e reforma do ensino médio. E agora?

Educação 360 Jovem Tech discute a reforma do ensino médio em um cenário de mudanças tecnológicas que atingem alunos, professores e escolas

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 16 de março de 2019

Os jovens vivem conectados, mas a escola ainda procura a melhor maneira de aproveitar a tecnologia para que todos aprendam mais e melhor. Na edição “Jovem Tech” da plataforma Educação 360, iniciativa dos jornais O Globo e Extra que teve o Instituto Inspirare/Porvir como um dos apoiadores, estudantes de  diferentes partes do Brasil, das redes pública e privada, tiveram a chance de subir ao palco do auditório do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (RJ), e debater frente a frente com especialistas as mudanças no ensino médio. Foram quatro sessões e um dia inteiro de debates sobre o que precisa mudar nesta etapa para que o ensino atenda a seus interesses dos alunos e a aprendizagem evolua como um todo.

Assim como nas edições anteriores, o Conselho Jovem do Porvir marcou presença. Na quinta-feira, Jaíra de Paula Lima (RO), Ana Beatriz Mota (BA), Mariana Gomes de Lima (MS), Gianluca Vilela Piccin (SP) e Ana Clara Nunes (PR), da turma de 2018, ganharam a companhia dos novos conselheiros Daniel Felipe Jesus (SP), Marina Ribeiro Reis (DF), José Cauan Meneses (CE) e Armando Jose Varajas (AM).

Conselho Jovem do Porvir posa em frente ao Museu do Amanhã, na Praça Mauá, RJPorvir

A turma de 2019 do Conselho Jovem com Larissa Alves, mobilizadora social do Porvir (ao fundo, centro)

Na sede do jornal O Globo, eles puderam conhecer e trocar experiências com outros 70 estudantes do colégio PH, do NAVE Rio/Colégio Estadual José Leite Lopes, da Fundação Roberto Marinho e de diferentes colégios do SESI em uma jornada de debates e afinamento das ideias que seriam levadas ao Museu do Amanhã no dia seguinte. Apesar das críticas à reforma do ensino médio, as reuniões representaram uma oportunidade de esclarecer dúvidas sobre os itinerários formativos previstos na reforma (e de expressar certa apreensão com essa escolha) e entender como a tecnologia está envolvida e pode beneficiar cada momento da vida escolar.

Na sexta-feira, dia do Educação 360 “pra valer”, após uma parada para fotos na entrada do Museu do Amanhã, a abertura dos painéis ficou por conta de Todd Ensign, professor-assistente na Fairmount Station University, nos Estados Unidos, que também trabalha em uma das sedes da NASA (agência espacial americana) onde recebe cerca de 1.000 professores por ano para formação em atividades mão na massa relacionadas à área de STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Há oito anos ele também apoia a FIRST, uma organização sem fins lucrativos, que promove programas de robótica nos EUA e também no Brasil. Ao mencionar a importância da robótica dentro das escolas, Ensign disse que sua adoção é importante para atrair crianças para a programação e ajuda a resolver problemas de maneira colaborativa, algo importante para qualquer profissão no futuro. “Quando você coloca a robótica na mão das crianças, o único problema é que na hora do almoço você precisa pedir para elas darem um tempo”.

Papel da tecnologia na educação

Na sequência, os estudantes Juliana Amaral, Mariana Meireles e Giovanni Hora, todos do RJ, foram ao palco para discutir com Lucia Dellagnelo diretora-presidente do CIEB (Centro para Inovação da Educação Brasileira) e Lee Magpili, designer da LEGO, como tornar as tecnologias disponíveis realmente efetivas para o desempenho do aprendizado. Em sua apresentação, Lucia comentou que, tanto no Brasil quanto no exterior, ainda existem poucas respostas sobre a maneira mais efetiva de fazer isso na educação. No entanto, esforços precisam ser feitos e a diretora do CIEB resgatou as Competências Gerais da BNCC, mais precisamente a que trata de cultura digital, para mostrar que é preciso dar um passo além em relação a compreensão e uso e abrir espaço nas escolas para a criação de projetos com  base tecnológica. Ela também detalhou a proposta de currículo de referência em tecnologia criado pelo CIEB para apoiar professores. “O professor precisa aprender a ensinar com tecnologia e desenvolver a cidadania digital”, disse, lembrando que a última pesquisa TIC Educação registrou que mais de 50% dos professores tiveram que tratar de cyberbullying em sala de aula, mas não se sentiam preparados.

Em suas falas, os estudantes destacaram o ganho de autonomia, de protagonismo e a maior interatividade durante as aulas quando a tecnologia se faz presente. “A tecnologia aumenta o engajamento e permite uma maior participação do aluno”, disse Juliana Amaral. Uma das marcas do evento, as perguntas enviadas pela plateia ajudaram a esquentar as discussões. Ao ser perguntada sobre o copiar/colar cada vez mais comum e fácil de fazer, Lucia comentou que é importante levar novas perguntas à sala de aula para evitar as armadilhas de filtros e seleções realizadas por buscadores como o Google ou resumos automatizados tirados de aplicativos. “O mais importante não é a pesquisa em si, mas a capacidade crítica de interpretar como o conteúdo chega e como chegar a outras fontes”, disse. Nesse cenário, em que informações estão a um toque de distância, a pergunta “qual é a resposta correta?” pode ser trocada por “por que esta é a resposta correta?”, recomendou a representante do CIEB.

Lee, que desenvolve novos criaturas articuladas para a LEGO, ampliou o raciocínio ao mencionar que que quem lida com tecnologia precisa sempre estar atento à capacidade de contar histórias. “Engenheiros passam mais tempo falando como um robô funciona do que propriamente fazendo com que ele se mexa”, comparou. “A tecnologia por si só, não vale nada. O mais importante é saber como você construiu o modelo do que o resultado da prova”, disse o consultor.

Educação profissional

O painel seguinte, sobre formação para o trabalho, começou com Ana Inoue, assessora de educação do Itaú BBA, mostrando dados sobre evasão e baixo índice de aprendizagem que fizeram com que a situação do ensino médio fosse classificada como “caso de UTI”. Em apresentação que fazia a plateia levantar os celulares para fotografar gráficos cada vez mais negativos, Ana citou que, ao fim do ensino médio 40% não se formam no ensino médio com 18 anos; somente 17% dos alunos chegam à universidade; e apenas outros 8% fazem curso técnico após concluírem o ensino médio. Diante disso, segundo ela, a reforma do ensino médio cumpre um importante papel ao trazer o itinerário profissionalizante para dentro do ensino médio porque esta é a última etapa com política universal, ou seja, capaz de atingir a todos os estudantes.

Rafael Lucchesi, diretor geral do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), fez um panorama do impacto da tecnologia para personalizar a educação e ampliar a maneira de avaliar o conhecimento graças ao maior uso de dados. Ele também criticou a “visão atrasada” que promove a hierarquização entre ensino técnico e ensino superior, com privilégio para este último, ao lembrar que países desenvolvidos conseguem levar muitos de seus jovens ao mercado de trabalho de ponta graças ao viés vocacional e empreendedor de suas escolas vocacionais.

Enquanto as estudantes Vanessa Santos e Karina Gomes, da Fundação Roberto Marinho, ressaltaram a importância de orientação e de igualdade de oportunidades na oferta do ensino técnico, José Cauan lembrou que muitos dos problemas do ensino médio são provenientes dos primeiros anos da vida escolar. “Se lá no começo da educação infantil e do ensino fundamental o aluno não tem estrutura, como ele vai ter incentivo para estudar?”, indagou o novo conselheiro do Porvir. Ana Clara Nunes, outra conselheira, pediu a palavra para criticar a visão “a educação mercantil” da reforma. “A gente não pode discutir a educação pensando apenas em aumentar a produtividade”, disse.

Ana Inoue sustentou que a nova lei busca tirar o ensino médio da UTI e que, por isso, são necessárias grandes mudanças. Entre elas, cita como exemplos medidas que começam a ser tomadas na Bahia que preveem o aproveitamento, no ensino superior, de créditos obtidos com atividades no ensino médio profissionalizante. “É construir uma proposta de um itinerário contínuo que valida tudo o que o estudante sabe”.

Itinerários do ensino médio

A discussão sobre a nova divisão do ensino médio em itinerários não parou por aí. No período da tarde, os estudantes Abner dos Santos, Carolina Rosa e Daniel Jesus dividiram as discussões com Anna Penido, diretora do instituto Inspirare, e Priscila Cruz, presidente-executiva do Movimento Todos pela Educação.

Priscila Cruz lembrou que não há dúvidas que formato do ensino médio atual não consegue atender às necessidades da sociedade e do mundo do trabalho. “O ensino médio foi criado como um ‘puxadinho’ do fundamental 2, que já não dá certo, quando foi feita a expansão de matrículas do país”, afirmou. “É uma estrutura de disciplinas estanques, em que um professor diferente vai entrando e dá uma aula que não tem nada a ver com o contexto que vivemos”. Por mais que o desinteresse dos alunos já seja conhecido e os dados apoiem a mudança, segundo Priscila Cruz, essa situação foi tolerada por muito tempo.

Com uma apresentação para explicar o que dizem os documentos oficiais da reforma, Anna Penido reforçou que as mudanças buscam combater índices de abandono e a falta de sentido no ensino atual. Com isso, a lei propõe que o estudante seja colocado no centro do processo educativo, com maior carga horária, currículo flexível, novas práticas pedagógicas (“não adianta flexibilizar o currículo para oferecer mais do mesmo”) e o Enem dividido em duas etapas, para dar conta da nova organização em itinerários.

Anna também aproveitou para mencionar que a lei prevê que todos os alunos vão ter que fazer português, matemática, história, geografia, sociologia e filosofia. A diferença, explicou, é que esses conceitos não necessariamente  devem ser apresentados em disciplinas, podendo aparecer por áreas ou ao longo do desenvolvimento de projetos. “É direito. Se não conhecer tudo, não tem como escolher. ”.

Na fala dos estudantes, Carolina, aluna da Fundação Roberto Marinho, retomou o tema do ensino técnico ao questionar se o ensino técnico vai continuar sendo oferecido apenas às camadas menos favorecidas, enquanto a elite nem cogita tal possibilidade.

Logo em seguida, vendo que dúvidas se acumulavam, Eduardo Deschamps, integrante do CNE (Conselho Nacional de Educação) que estava na plateia, foi ao palco. Entre outros pontos, destacou que:

– mesmo entre as melhores escolas, a aprendizagem no ensino médio é insuficiente;
– ainda que limitados, os espaços de escuta dos jovens foram criados;
– o grande nó é que o processo de reforma foi feito sem que houvesse um documento oficial para esclarecimentos. Tal conceito está sendo construído ao longo do tempo e não é fechado.

Educação 360 Jovem Tech, no Museu do AmanhãFoto: Adriana Lorete / Agência O Globo

O professor do novo ensino médio

Na última mesa, sobre o professor do ensino médio, participaram os estudantes Valesca Mendes, Guilherme Marcondes e Suélem Castro. Miguel Thompson, diretor do Instituto Singularidades, procurou olhar a reforma como uma oportunidade traz o caos, sob domínio da cultura digital, para por fim a um modelo de ensino que já se provou ineficaz. “O novo professor precisa aprender a desenvolver linguagens, conhecer as linguagens do jovem, construir processos de forma coletiva e saber imaginar”, disse.

Thompson trouxe exemplos para comparar o momento atual com aquele vivido durante a transição entre a pintura e a descoberta da fotografia e, desta, com a chegada do cinema. Tudo parece virar de cabeça para baixo a um primeiro olhar, mas novas linguagens surgem inspiradas nas anteriores. Neste sentido, o professor de hoje precisa entender que são necessárias habilidades que permitam lidar com o mundo não-linear, tais como comunicação, conhecimento, criatividade, cooperação e crítica (“escolas sem pensamento crítico, vamos formar só robô”).

Jessé Castilho, escritor e professor do pH, considera que o professor não pode desistir de experimentar, por mais que o sistema ainda cobre uma aula tradicional. “Professores e alunos precisam bater o pé e fazer diferente para ver uma sala transformada e uma coisa mágica acontecer”, disse.

Ao avaliar as mudanças que a reforma do ensino médio propõe, Suélem Castro, aluna da Fundação Roberto Marinho, diz que é preciso lutar para que o relacionamento entre professor e aluno seja preservado. “As mudanças não podem nos afastar do professor e nos levarem somente para a tecnologia”. Ao citar a imensa maioria de alunos que não aprendem o suficiente de matemática, ela propõe que professores busquem estratégias para despertar a curiosidade dos alunos, por mais que não demonstrem gostar da disciplina. Da plateia, coube a Mariana Lima, conselheira do Porvir, fazer uma mea culpa dos estudantes: “A formação é importante, mas não podemos creditar toda a mudança na conta do professor, que muitas vezes deu a mesma aula a vida toda. Não é só o professor, existe toda uma conjuntura”.


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competências para o século 21, educação mão na massa, ensino médio, formação continuada, tecnologia

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