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Tecnologia sustentável: turma inova ao desenvolver forno solar alinhado aos ODS

Multidisciplinar, projeto de escola pública no município de Tutóia, no Maranhão, engloba construção de forno solar, testes de eficiência e abre caminho para projetos científicos ligados à sustentabilidade

por Lute Rafael de Souza ilustração relógio 24 de novembro de 2023

Tutóia é um município localizado no litoral norte maranhense, entre o Delta do Parnaíba e os Lençóis Maranhenses. Costumamos debater os impactos da poluição ambiental e dos problemas climáticos durante nossas aulas no Instituto Estadual de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão (IEMA Pleno Casemiro de Abreu). Com a turma do 1º ano do ensino médio, na disciplina eletiva “Sustentando Ideias”, com foco na sustentabilidade e no sobrevivencialismo, tratamos sobre vários problemas do município, como a fome, a pobreza e o desperdício de alimentos, bem como técnicas de sobrevivência em casos de eventuais catástrofes.

Os alunos propuseram a construção de um forno solar, aproveitando a radiação solar abundante na região, conhecida por suas belezas naturais e clima quente. Esse forno tem como base a energia solar, renovável e abundante, e pode ser usado em várias preparações em substituição ao gás de cozinha que, além de não ser renovável, tem seu preço aumentado constantemente. Inclusive, esse é um fator que ameaça a segurança alimentar de muitas famílias.

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O projeto “Construção e teste de fornos solares como alternativa de combate à pobreza” tem a intenção de promover práticas sustentáveis e atender aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU): erradicação da pobreza, fome zero e agricultura sustentável, energia acessível e limpa. E também o ODS 13, que trata da ação contra a mudança global do clima.

Tecnologia sustentável

Em 2022, construímos e testamos dois fornos solares: um com carcaça de papelão (primeiro protótipo) e outro com carcaça de madeira (protótipo melhorado). Em ambos os casos, utilizamos os seguintes materiais para a construção: tampa de vidro, superfície refletora recoberta com papel alumínio, isopor recoberto com papel alumínio para revestimento interno e chapa metálica pintada de preto. 

Fizemos quatro testes de eficiência no forno solar de madeira: o preparo de um almoço contendo arroz, asas de frango, calabresa e batata inglesa; o preparo de um bolo convencional; desidratação de uma amostra contendo 33 gramas de pimentão verde em função do tempo; medição da temperatura interna do forno com uso de um termômetro de mercúrio.

Os dados em função do tempo foram tratados no Excel para a construção de gráficos de dispersão, obtenção da equação da reta e avaliação do valor de R² (um parâmetro extremamente importante para a verificação da correspondência de um determinado conjunto de dados para determinado tipo de função). Trocando em miúdos, isso significa que foi feito um tratamento estatístico dos dados, para verificar qual a temperatura da chapa metálica em função da exposição ao sol. Inclusive, esse é um dos pontos fortes do projeto, pois ele permite o trabalho com diferentes disciplinas:

  • Em matemática, a estatística é essencial para organizar e tabular dados, construir gráficos e estimar valores futuros através de regressão linear, gerando equações de reta e valores de R² para analisar a adequação dos dados a determinados tipos de função.
  • Em física, a termologia é usada para estudar a capacidade calorífica dos possíveis materiais que podem ser usados na chapa metálica do forno; a ondulatória serve para a compreensão da radiação solar infravermelha que é uma onda que é convertida em calor; a óptica serve para a compreensão do porquê de a chapa metálica ser pintada de preto através do estudo de absorção de calor das cores.
  • Em química, a físico-química é importante porque a cinética justifica o fato de que os alimentos cortados em pedaços menores têm seu preparo mais rápido; a química orgânica e a bioquímica elucidam a utilidade do forno como desidratador de alimentos, aumentando sua durabilidade.
  • Em biologia, a microbiologia fornece explicações para a conservação dos alimentos mediante a remoção de água dos mesmos – evitando crescimento de microrganismos que promovem a degradação.

Ambos os fornos, tanto com carcaça de papelão quanto de madeira, contam com os seguintes itens: 

1 – carcaça – parte externa do forno; 2- superfície refletora – recoberta com papel alumínio, com função de direcionar raios solares para o interior do forno; 3 – tampa – com moldura (no forno de madeira) para isolar o ar interno, e vidro para permitir a entrada de raios solares que contribuirão para um “efeito estufa” no interior do sistema; 4 – isolamento térmico – feito com isopor recoberto com papel alumínio para impedir a perda de calor para o meio externo e direcionar os raios solares através de reflexão para a chapa metálica; 5 – chapa metálica – feita de zinco porque dentre os metais com boa condução térmica é o que apresenta menor preço: essa placa é pintada de preto devido à maior absorção de calor dessa cor.

Os dois modelos podem ser usados em substituição ao gás de cozinha em uma gama de preparações alimentícias. No forno de papelão, por exemplo, foi preparada carne de gado cortada em tiras finas, enquanto que no de madeira foi feito um almoço completo e outras preparações. No forno de papelão também foram realizadas algumas preparações e desidratações.

Alcance do projeto

Aqui é importante salientar que, além da gama de conhecimentos que é envolvida, o projeto estimula o protagonismo dos alunos e a matética – ou seja, a arte de aprender. Os estudantes se sentem autores do trabalho e, de fato, estão contribuindo para melhorar a vida das pessoas com uma ação que tem como seu ponto forte a abordagem dos ODS, em especial o 1 e o 2 (combate à fome e à pobreza, respectivamente).

Uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2023 com 242 alunos revelou um forte interesse no forno solar como substituto do fogão a gás. Os resultados mostram que a maioria dos entrevistados acredita no potencial do forno solar como um substituto do fogão a gás convencional, compraria o aparato para usar em casa e tem interesse em aprender mais sobre a proposta.

Isso demonstra a demanda real pelo uso do forno solar. Inclusive, boa parte dos entrevistados estaria disposta a pagar mais de R$ 200 para adquirir um forno solar – dado particularmente interessante, pois o valor gasto para a confecção do protótipo com carcaça de madeira foi de R$ 170.

Agora estamos na expectativa da construção de um protótipo com carcaça metálica. Esse protótipo passará pelos mesmos testes do forno com carcaça de madeira e, a partir dessa premissa, será possível fazer outros tratamentos matemáticos com critérios estatísticos mais refinados. Também queremos monitorar a temperatura interna do forno com um termopar tipo k acoplado a um amplificador de temperatura MAX6675 programado com arduíno (os resultados serão modelados com Excel).

Aprendizado coletivo com o forno solar

A princípio, muitos membros da comunidade escolar (alunos, funcionários, professores…) mostraram-se incrédulos quanto à eficácia do aparato. Os primeiros resultados positivos com o protótipo, porém, transformaram a desconfiança em admiração e apoio. Posteriormente, construímos um protótipo de madeira, cuja performance se mostrou incrível.

Os alunos entenderam com mais facilidade alguns conceitos de química, física e matemática aplicados na proposta e, principalmente, adquiriram protagonismo para, inclusive, encabeçar novas ideias de projetos científicos.

Depois da construção dos fornos solares, chegam tantas ideias que o esforço com orientação de trabalhos científicos atingiu uma dimensão que, nem nos melhores sonhos, eu pensei alcançar. Novas práticas estão sendo desenvolvidas, e o legado que o projeto deixou é de uma escola que tem por vocação a aprendizagem baseada em projetos, a abordagem STEM, e a preocupação com os 17 ODS. Os demais professores abraçaram fortemente a causa, e hoje o IEMA de Tutóia é “a escola dos projetos”. Para todos nós, é gratificante ser reconhecido por algo que tem potencial de mudar a vida das pessoas.


Lute Rafael de Souza

Graduado em química, com licenciatura plena pela Universidade Estadual do Ceará, é especialista em gestão escolar, metodologia do ensino de química e administração financeira pela UNIASSELVI. Possui também mestrado em química pela Universidade Federal do Ceará. Atua como funcionário efetivo da Secretaria de Educação do Maranhão desde 2016 e tem experiência docente desde 2008.

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ensino médio, Finalista Prêmio Professor Porvir, Prêmio Professor Porvir, sustentabilidade, tecnologia

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