Inglês fotografa salas de aula em 19 países
Livro lançado nesta semana traz 87 imagens que vão de uma sala de aula iemenita a uma escola pública de Belo Horizonte
por Patrícia Gomes 18 de setembro de 2012
Das meninas iemenitas de segunda série, com roupas verdes e cabeça coberta, até a classe só para meninos no Peru, todos vestidos com um uniforme que lembra o dos militares. Dos rapazes e moças ingleses de ensino médio usando gravata, passando pelos nigerianos de área rural que assistem aula em uma sala com mobiliário doado e até pelos adolescentes de uma escola pública de Belo Horizonte. Nada escapou às lentes de Julian Germain. Desde 2004, o inglês percorreu 19 países, dentre eles o Brasil, fotografando salas de aula. O resultado desse projeto se transformou em um apanhado de 87 imagens de escolas de todo o mundo, publicadas no livro classroom portraits (ou Retratos da Sala de Aula, em livre tradução), da Prestel, lançado nesta semana.
Em todas as salas de aula que visitou, disse Germain ao Porvir, ele se apresentava, contava do projeto e pedia licença para assistir à aula sentado em um canto. Quando o professor terminava, o fotógrafo posicionava seus equipamentos e tirava o retrato. O procedimento durava, no máximo, 15 minutos. Ele conta que sua preocupação era registrar uma atividade cotidiana. Por isso, pedia que o professor não apagasse o quadro e que os alunos não tirassem seus pertences de lugar. Outro cuidado que tinha era o de registrar tanto escolas rurais quanto urbanas e atividades de todas as disciplinas.
Fora esses critérios, não havia nenhum outro grande pré-requisito. “Eu não sou cientista, eu não sou sociólogo. Eu sou um artista. Eu não quero assumir a responsabilidade de dizer que isso é um fato. Eu prefiro dizer que, quando eu fui naquele dia àquele lugar, isso foi o que eu vi”, diz ele. Assim, as escolas e as classes fotografadas não foram escolhidas segundo um mapeamento rígido. Em alguns casos, a viagem foi financiada por uma instituição que lhe abria portas de certos países, especialmente no Oriente Médio. Em outros, ele viajou por conta própria ou para desenvolver um projeto paralelo e aproveitou para fotografar escolas. Nesses casos, era fundamental conhecer alguém cujo filho estudava na escola ou até conhecer alguém, que conhece alguém que pudesse intermediar sua entrada.
Foi o que aconteceu com as fotografias de Minas Gerais. Ele veio ao país para desenvolver um outro projeto e alguns conhecidos facilitaram a sua entrada nas três escolas que fotografou. Uma das fotos, a tirada na escola estadual Nossa Senhora do Belo Ramo, em Belo Horizonte, foi parar na capa do livro. “Foi uma opção muito simples de fazer”, diz ele. Segundo o fotógrafo, o fato de o país ser multicultural e conseguir reunir, em uma só imagem, características do mundo todo, facilitou a escolha. “Se eu pusesse uma foto da Nigéria na capa, as pessoa poderiam ter a impressão de que o livro era sobre pobreza ou educação rural. Nós decidimos que essa imagem em particular [a da capa] era interessante porque ela tem um toque levemente global, com crianças negras, hispânicas”, disse ele. Outro fator determinante, acrescentou, é que o menino no centro captura o olhar das pessoas e as convida a entrar na imagem.
Além das fotos, Germain levou também um questionário para cada um dos países. As perguntas não eram as mesmas –nem poderiam ser, frisa o fotógrafo – e foram feitas para ajudar a complementar as informações que as imagens traziam. Ele dá um exemplo: uma pergunta recorrente que fez foi se a criança ou o adolescente acreditava em Deus. No Oriente Médio, no entanto, não fazia sentido fazer esse tipo de questionamento porque não havia a possibilidade de as pessoas não crerem em Deus. Assim como não fazia sentido, complementa, perguntar se um aluno da Etiópia tinha iPhone. “Era muito melhor perguntar se ele tinha acesso à eletricidade em casa”, afirma.
Apesar de evitar comparações, “para não fazer julgamento de valor”, Germain aponta outra disparidade que lhe chamou a atenção: a relação dos alunos com a escola. Em instituições no Reino Unido, onde educação é um direito adquirido, 47% das crianças disseram achar que a escola era chata, enquanto 16% disseram considerá-la necessária. No entanto, em países muito pobres, como Iêmen e Bangladesh, o fotógrafo percebeu que os alunos tinham outra perspectiva.
Germain conta que, em uma das cidades que visitou, resolveu tentar procurar o caminho de uma escola iemenita um dia antes do marcado para a fotografia. Mas, como não encontrava, resolveu pedir ajuda a um menino que jogava futebol na rua. O garoto guiou o inglês por entre ruelas, subidas e descidas e, nesse percurso, Germain resolveu perguntar se ele gostava da escola. “Ele me disse: ‘claro que sim’ e me olhou como se eu tivesse feito a pergunta mais estúpida que se possa imaginar”, disse. “Pelos nossos padrões, esse menino não estava recebendo uma educação boa, mas ele sabia que ele dependia disso para melhorar de vida.”
Depois de tantos países percorridos, tantas escolas visitadas, tantas fotografias tiradas, Germain conta que ficou com um sentimento paradoxal. Por um lado, constatou que as escolas são muito parecidas em todo o mundo. “Esse sistema educacional, com um professor na frente, as crianças diante dele e o quadro negro foi inventado nos tempos medievais. Você reconhece uma escola em qualquer lugar que você vá”. Por outro lado, apesar de ainda estarem muito marcadas pelo passado, as imagens passam uma esperança. “Fotografias sempre se referem ao passado, mas esse livro traz também implícito o sentimento de futuro porque são todas de crianças e adolescentes com uma vida inteira pela frente.”
Em todas, os alunos olham para a fotografia como se conversassem com o observador. “Foi proposital”, diz o inglês. “É muito desafiador ter crianças e jovens do mundo inteiro olhando para mim. Esse olhar meio que diz para nós, adultos, que o mundo no qual eles estão entrando é nossa responsabilidade.”
Serviço:
classroom portraits 2004-2012, de Julian Germain, prefácio de Leonid Ilyushin, professor de pedagogia da Universidade do Estado de St. Petersburg, publicado pela editora Prestel na segunda-feira, 17 de setembro. Preço sugerido de £40 (e cerca de R$ 170 em livrarias brasileiras), 30.5 x 22.5cm 208 pp, 110 col. illus. (ISBN 978-3-7913-4748
*Este post foi alterado às 19h48 de 19 de setembro 2012.