Jogo de tabuleiro com assistente virtual apoia o ensino de arte e autoestima das crianças
Em Piraju, interior de São Paulo, estudantes de 5 a 10 anos brincam com jogo de tabuleiro que estimula o aprendizado de história da arte e o protagonismo da infância
por Alberto Rodrigues dos Santos 15 de dezembro de 2022
Certo dia, um aluno me disse que queria aprender a ser sensacional. Seu pai não acreditava que ele era capaz de realizar coisas incríveis, e queria levá-lo ao psicólogo para tratamento. Entendi que uma escuta atenta e afetiva poderia ajudar a compreender o que estava acontecendo com esse menino. E resolvi conversar também com as outras crianças para entender como se sentiam.
Notei, então, que suas vozes não eram ouvidas pelos adultos, dentro e fora das escolas. Embora os professores se esforcem em estabelecer metodologias que possibilitem uma escolha dos estudantes, elas quase sempre partem do olhar do professor, do olhar do adulto. Como escolher um tema de aula que não conhecem? Como dizer o que querem aprender sem ter tido contato com o assunto?
Fiquei pensando no que fazer para lidar com essa “invisibilidade infantil” em minhas aulas, a fim de despertar o protagonismo e as potencialidades de cada um, bem como construir coletivamente o currículo do ensino fundamental 1 da rede municipal de Piraju, interior de São Paulo, onde atuo nas escolas Emeief Gilberto Bonafé, Emeief Camilo Golfieri e Emeief Yolanda Marinho Lessa, com as turmas do 3º, 4º e 5º anos.
Para tentar solucionar este problema e provocar a comunidade a olhar para as crianças de forma mais sensível, minha ideia foi criar um projeto chamado “Eu sou sensacional – uma abordagem em ensino de artes”. Ele é composto por um jogo de tabuleiro de perguntas e respostas sobre diferentes movimentos artísticos, para que a turma tenha repertório cultural e possa escolher o que querem aprender durante o semestre.
O que é o jogo?
Para abordar a ideia de territorialidade e rizoma (caules subterrâneos), criei o tabuleiro em formato circular, com ilustrações de rizomas. O objetivo do jogo é plantar no território das artes o maior número de sementes.
Chamado de RizomArte, o jogo possui cartões com perguntas e respostas ligadas às TICs (Tecnologias de Informação e da Comunicação), ilustrações diversas sobre arte, um globo terrestre, uma linha do tempo, regadores em miniatura que são movidos entre os rizomas, folhas de plantas que valem pontos, mudas de plantas, sementes que possuem dentro uma mensagem. A Alexa, assistente virtual, localiza-se estrategicamente no centro do tabuleiro, para responder a alternativa correta e lançar desafios aos alunos.
Um dos aspectos trabalhados no RizomArte é o de territorialidade: busco dialogar com outros conceitos como: o conceito do agricultor (aluno agricultor), o conceito de rizoma (conexões) e, por fim, o conceito de nuvem (ciberespaço).
As ideias de John Dewey são norteadoras da metodologia aqui apresentada. No livro “Democracia e educação”, Dewey usou como exemplo o trabalho do agricultor para comparar com o do professor e dizer que ambos encontram recursos e obstáculos semelhantes no seu percurso.
O agricultor precisa lidar com condições estruturais, como o cuidado com as sementes que brotam, a chuva que cai, o sol que aquece e as estações que mudam. Ele precisa levar todos esses fatores em consideração ao traçar seus objetivos. Em nosso caso, o agricultor é o próprio aluno que precisa cultivar a terra, plantar, cuidar, colher e partilhar.
No jogo RizomArte, também dialogamos com o conceito de territorialidade no ensino de arte, proposto pelas autoras Mirian Celeste Martins, Gira Picosque e Maria Terezinha Telles Guerra no livro “Teoria e prática do ensino de arte: a língua do mundo”.
O conceito de nuvem e ciberespaço é inspirado nas palestras da Dra. Lucia Santaella e na reflexão sobre tecnologia e globalização, em que temos “o mundo na palma da mão”. Desta forma, trazemos para dentro da sala de aula uma assistente virtual como mais uma ferramenta no processo de ensino e de aprendizado. Tudo isso é conectado pela ideia de rizomas de Gilles Deleuze e Félix Guattari, no livro “Mil platôs”.
Ao final, voltamos ao conceito de experiência de Dewey no livro “Arte como experiência”, que nos convida a pensar formas de propor e vivenciar experiências em Arte.
O projeto foi pensado de maneira a criar conexões com as diversas expressões artísticas, possibilitando a utilização das novas tecnologias propostas pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular), no eixo temático Artes Integradas.
Confira a proposta na prática, nesta matéria veiculada pela TV TEM.
Como jogar?
Para iniciar o jogo, as equipes são divididas por cores e escolhem qualquer ponto do tabuleiro para começar. A ideia é estabelecer uma relação do conhecimento que pode ser iniciado de qualquer ponto do território das artes, como a ideia de rizoma que também pode se conectar em qualquer ponto de suas ramificações.
A primeira equipe começa sorteando uma semente. É preciso abrir a semente e ler a mensagem. Se a mensagem for: “A terra está seca! Aguarde a próxima estação!”, a equipe deverá passar a vez. Se a mensagem for: “A terra está fértil! É tempo de plantar! Responda a uma pergunta”, a equipe precisa retirar um cartão e ler a pergunta.
A equipe deverá responder uma das 3 alternativas contidas no cartão e, em seguida, perguntar para a Nuvem/Alexa (localizada no centro do tabuleiro) qual a resposta correta. Se a equipe acertar, recebe uma folha que vale 1 ponto.
A equipe ainda tem chances de conseguir novos pontos. A Alexa irá propor desafios para a equipe de acordo com a pergunta. Tais desafios podem ser: localizar na linha do tempo o período do movimento artístico em questão, localizar no globo o país onde o movimento se originou ou a nacionalidade do artista. Desafios de dança, teatro e música também podem ser solicitados.
A ideia é localizar o aluno no tempo (linha do tempo) e espaço (globo terrestre) sobre o movimento artístico em questão. E também proporcionar uma experiência sensorial com desafios que envolvem movimentos ou sons.
Após o término dos desafios, a equipe ainda deverá pedir à Alexa para falar mais sobre o assunto abordado. Desta forma, a assistente virtual buscará informações sobre o assunto em questão na internet.
A equipe que acertar a pergunta, planta uma muda frutífera no local e avança uma casa. A equipe que conseguir o maior número de pontos é a vencedora.
Metodologia para além do jogo
Para implementar essa abordagem do ensino em artes, eu me inspirei na meteorologia e nas estações do ano: Primavera, Verão, Outono e Inverno. Esta divisão pode nos ajudar a compreender o processo de ensino e aprendizagem de forma analógica, uma vez que, cada estação tem uma característica própria com climas diferentes.
Estação Primavera
Na Estação Primavera, a ideia é realizar atividades e ações que despertem o interesse dos alunos em conhecer sobre determinados assuntos. Nesta estação, utilizamos o Jogo RizomArte para apresentar diferentes conteúdos dos territórios das artes. Ao final do jogo, criamos uma cartografia com as sementes (assuntos) abordados durante o jogo e conectamos os temas por afinidade. Em seguida, os alunos escolhem 3 ou 4 sementes que irão cultivar durante o semestre.
O objetivo dessa etapa é colocar os alunos como protagonistas do processo de ensino e aprendizagem, uma vez que o jogo e a construção do mapa cartográfico possibilitam aos alunos a escolha do que querem aprender.
Assim que decidem os temas, as sementes escolhidas são substituídas por uma flor. A flor simboliza o desabrochar por um novo conhecimento que será iniciado na Estação Verão.
Estação Verão
Em seguida, começo as pesquisas sobre os assuntos que os alunos escolheram e preparo minhas aulas. Elas abordam as mais variadas expressões artísticas, autores e movimentos artísticos e culturais, escolhidos pelos alunos.
Ao final de cada assunto estudado, sempre realizamos alguma produção artística (frutos): maquetes, cartazes, mosaicos, apresentação teatral ou de dança, curta metragem ou vídeos.
Estação Outono
É a etapa da colheita dos frutos (conhecimento) cultivados (construídos) durante o processo. É época de refletirmos sobre o que produzimos, sobre o conhecimento construído durante todo o percurso. Formamos uma roda de conversa na qual os alunos têm a oportunidade de expor suas impressões e experiências individuais e coletivas – dizendo o que mudou, o que poderia ser mudado ou se houve transformação durante o projeto.
Estação Inverno
Para finalizar o projeto, a Estação Inverno representa o período da partilha. É o momento em que todo o conhecimento produzido durante o projeto é compartilhado com o outro por meio de exposições e apresentações dentro ou fora da escola. Em nosso caso, criamos o I Festival Estudantil de Artes Integradas da cidade, realizado em praça pública.
Para o festival, os estudantes se inspiraram nas obras de Claude Monet e Van Gogh, criando luminárias.
Concomitantemente a esta forma de abordagem, também conectei as expressões artísticas com o tema inicial do projeto: “a invisibilidade infantil” e a ideia de que todas as crianças são sensacionais, com pensamentos e vontades próprias que precisam ser ouvidas, vistas e respeitadas por toda a sociedade.
O que é preciso para replicar esse jogo?
– Um tabuleiro de madeira revestido com uma lona ou papel contendo o desenho/design/ilustração do jogo
– Uma Assistente Virtual (Alexa/Echo Dot)
– Um globo terrestre
– Uma linha do tempo da História da Arte (pode ser impressa e colada em uma superfície)
– Pequenas peças para mover o jogo (regador em miniatura ou algo semelhante)
– Folhas de plantas artificiais (para a pontuação)
– Miniaturas de mudas artificiais (Podem ser pedaços de ramos de plantas artificiais coladas em botões de roupas)
– Cartões impressos com as perguntas
– Bolinhas com aberturas (bolinhas para colocar lembranças de festas)
– Conexão com a internet
Alberto Rodrigues dos Santos
Mestre em artes pelo Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista), graduação em artes pelas Faculdades Integradas Regionais de Avaré e professor efetivo de Arte da Rede Municipal de ensino de Piraju. É vencedor do Prêmio Professor Transformador 2020, com o projeto "Códigos da cidade", do Prêmio Arte na Escola Cidadã, em 2013, com o Projeto "Curta Folclore" e duas vezes finalista do Prêmio Educador Nota 10.