Livro reúne experiências de gestores que transformaram suas escolas- PORVIR
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Inovações em Educação

Livro gratuito reúne experiências de 10 gestores que transformaram suas escolas

Sua escola enfrenta conflitos, violência ou baixa autoestima? Saiba como diretores de escolas públicas criaram ambientes seguros e acolhedores com estratégias de gestão interpessoal comprovadas

por Ana Luísa D'Maschio / Vinícius de Oliveira ilustração relógio 26 de novembro de 2025

Definida nos dicionários como o ato de estar junto com frequência, em um relacionamento contínuo e harmonioso, a convivência é uma das palavras mais precisas quando se pensa no espaço escolar. Mas como garantir que ela aconteça de forma prática e respeitosa, partindo de soluções pensadas na sala da direção? Essa é a questão central respondida pelo mais recente lançamento do Instituto Unibanco: o livro “Relações Interpessoais e Convivência Escolar: 10 Práticas de Gestores Brasileiros”.

Com 320 páginas e disponível gratuitamente na versão digital, a publicação reúne 10 projetos inspiradores, escritos pelos próprios diretores de escolas localizadas no Ceará, Minas Gerais, Tocantins, Maranhão e Rio Grande do Norte. A parceria técnica é do Porvir, que coordenou a parte editorial, e da Baobá Educação, que gerenciou o processo de implementação do projeto.

Apesar das diferentes realidades de cada profissional, todos enfrentam problemas cotidianos comuns entre seus estudantes, como bullying (intimidação sistemática e constante), violência, baixa autoestima, além do clima institucional negativo e distanciamento da comunidade escolar. Em cada capítulo, os diretores compartilham as soluções encontradas para restaurar o clima e cuidar dos atores envolvidos no dia a dia escolar. Os textos são acompanhados de infográficos e sugestões de oficinas, facilmente adaptáveis a diferentes contextos.

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A obra é, acima de tudo, um convite de educador para educador. Cada capítulo traz a voz de gestores que têm transformado suas escolas em espaços mais democráticos e acolhedores, provando que é possível aplicar essas práticas em outras instituições de ensino que desejem adotá-las.

“Este material não é apenas um registro de práticas, mas um chamado à ação. Ele mostra que a escola é um espaço profundamente humano, onde a convivência e o cuidado precisam orientar cada decisão. Ele expressa o compromisso de construir uma educação que acolhe, transforma e coloca as pessoas no centro”, afirma Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco.

Espaço de transformação

A publicação é resultado do Edital de Práticas Gestoras, um projeto-piloto do Instituto Unibanco realizado ao longo de 2024 e 2025. O objetivo desse edital foi selecionar práticas em andamento em escolas públicas de ensino médio, com ênfase na gestão das relações interpessoais e na criação de ambientes escolares seguros e acolhedores.

Para isso, um júri avaliou as experiências e desafios enfrentados pelos gestores, buscando compreender as dificuldades, avanços e aprendizagens ao longo do processo de gestão. As práticas selecionadas foram sistematizadas e registradas neste livro, com o intuito de compartilhar essas soluções com gestores de todo o Brasil.

Valquíria Allis Nantes Parlagreco, coordenadora-geral do projeto, explicou o processo e a filosofia por trás da iniciativa: “O objetivo foi, desde o início, valorizar a prática do gestor como um agente de transformação. Nosso foco era garantir que o conhecimento gerado a partir das experiências dos gestores fosse reconhecido e compartilhado com outros profissionais da educação.”

A inspiração metodológica por trás da iniciativa vem de fontes como as comunidades de práticas de gestão do Instituto Unibanco e estudos sobre a troca entre pares e a aprendizagem colaborativa, baseados em autores que discutem práticas cooperativas no desenvolvimento profissional dos educadores.

João Vitor de Souza Lopes explica seus desafios na EJA
Divulgação João Vitor de Souza Lopes contou como estabeleceu parcerias para melhorar o atendimento a estudantes da EJA em São João del-Rei (MG).

Mentoria qualificada

Responsável pela gestão técnica em comunicação e produção editorial do livro, o Porvir realizou a mentoria especializada para apoiar os diretores na escrita e na sistematização de suas práticas. O trabalho foi conduzido pelos jornalistas Ana Luísa D’Maschio, Ruam Oliveira, Tatiana Klix e Vinícius de Oliveira. 

“O papel da mentoria foi atuar como interlocutor, promovendo um espaço de escuta ativa e reflexão crítica. Queríamos garantir que a escrita dos gestores refletisse a estratégia por trás de suas práticas, sem perder a autenticidade e a individualidade de cada história”, diz Vinicius de Oliveira, diretor do Porvir. Ele também destacou a importância do retorno avaliativo, contínuo, que resultou em múltiplas reescritas e ajustes até que os relatos estivessem prontos para publicação.

Enquanto o Porvir cuidou da parte técnica, a Baobá Educação fez a gestão geral do edital, acompanhando de perto o processo formativo, com suporte emocional e logístico.

Claudio Eduardo Lima dos Santos, um dos gestores que participou do projeto, comentou: “A equipe foi muito acolhedora. Quando enfrentei um problema pessoal grave, senti que todos estavam genuinamente preocupados com o meu bem-estar, o que fez toda a diferença para continuar com o trabalho”.

O projeto também se destaca pela liberdade narrativa, permitindo que cada gestor contasse sua história à sua maneira. Isso resultou em um livro com diferentes perspectivas sobre a gestão escolar, mas com o mesmo propósito de melhorar a convivência na escola e apoiar o desenvolvimento dos estudantes.

Evento de lançamento do livro "Relações Interpessoais e Convivência Escolar: 10 Práticas de Gestores Brasileiros”
Divulgação Diretores durante debate sobre desenvolvimento profissional e reflexão sobre prática.

Parceria e formação

Durante oito meses, os gestores selecionados no projeto-piloto do Instituto Unibanco foram acompanhados por meio de uma bolsa, que também incluía mentoria e encontros regulares. O Instituto ofereceu oficinas online com especialistas, com o objetivo de fortalecer as habilidades dos gestores e aprimorar suas propostas.

Os encontros foram dedicados a temas como a construção de um ambiente respeitoso, a qualidade da gestão e o impacto das decisões no desenvolvimento dos alunos. Além disso, os participantes aprenderam a contar suas histórias de forma estratégica, a utilizar a escrita criativa e a infografia, e a aplicar a produção fotográfica e audiovisual para fortalecer suas narrativas. O último encontro destacou a importância do feedback institucional e o papel das lideranças transformadoras na escola.

Conheça as escolas participantes de cada estado

Ceará: escuta ativa e participação

Na Escola Maria Thomásia, em Fortaleza, Francisca Moreira utilizou a mediação de conflitos e a escuta ativa para reconstruir o clima escolar após uma crise envolvendo denúncias de assédio sexual e protestos estudantis. “Eu me inscrevi no edital no último dia, com medo, mas depois veio um mundo de conhecimento”, disse Francisca, destacando a importância da prevenção: “A gestão da convivência deve ser como vacina, e não como remédio”, enfatizando a necessidade de intervir antes que os problemas se tornem insustentáveis.

Também em Fortaleza, na Escola Dragão do Mar, Breno Marques focou no redesenho da cultura escolar para combater a evasão e o baixo desempenho. “Convivência é uma estratégia pedagógica”, afirmou, explicando que o pertencimento dos alunos à escola, assim como a relação com os professores, foi fundamental para a melhoria do ambiente escolar. 

Em Morrinhos, a Escola Maria José Magalhães, sob a direção de Kiana Santos, implementou o Radar das Emoções para lidar com as emoções pós-pandemia dos alunos e professores. “Equidade não pode ser só um discurso, tem que ser prática”, sublinhou Kiana, destacando a importância de criar um ambiente de acolhimento e escuta.

Já na Escola José Correia Lima, em Várzea Alegre, Pedro Lima baseou seu projeto na “revolução silenciosa” para fortalecer a segurança, o protagonismo estudantil e a comunicação, restaurando o senso de pertencimento na escola. “Hoje, a gente tem uma escola extremamente atuante, os estudantes têm vontade de participar das coisas”, destacou o gestor.

Minas Gerais: protagonismo e pertencimento

Em Minas Gerais, três escolas mostraram como a escuta ativa e a integração comunitária podem transformar o ambiente escolar. 

O CESEC (Centro de Estadual de Educação Continuada) José Américo da Costa, em São João del-Rei, único estabelecimento de EJA (Educação de Jovens e Adultos) na rede, recorreu à escuta ativa e ao mapeamento de parcerias para que os alunos se apropriem dos espaços públicos e culturais da cidade. João Vitor de Souza Lopes, gestor da escola, também comentou sobre a importância da valorização da EJA e a urgência de um assunto comum entre os educadores: “cuidar de quem cuida da escola”. “A escola é a cara do gestor, mas os gestores estão muito doentes”, refletindo sobre os desafios emocionais enfrentados pelos profissionais da educação e a importância de um cuidado integral.

Em Caratinga, na Escola Estadual Sinfrônio Fernandes, o Projeto Escuta Viva foi criado para solucionar a falta de informações sistematizadas sobre os estudantes. Emanuel Dias, gestor da escola, afirmou: “Eu me sentia ‘o único doido’ por parar para ouvir cada aluno, mas o edital me mostrou que esse tipo de sensibilidade é necessário”. O projeto também implementou um sistema digital de gestão de dados, respeitando a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Já na Escola Estadual Guilhermino de Oliveira, em Contagem, o Projeto Diga Não ao Bullying: Porque Amar é Possível, trabalhou para reduzir o bullying, a evasão e os conflitos internos. Wellington José Campos, gestor da escola, explicou o conceito de afeto rigoroso, que envolve acolhimento com cobrança. “Você não vai somente beijar e abraçar, você tem que cobrar também”, disse Wellington, enfatizando a importância da responsabilização dos pais e a mudança cultural na escola.

Tocantins: diálogo e empatia

No Tocantins, o Colégio Estadual Floresta, em Paranã (distrito com apenas mil habitantes), criou o Projeto Conciliar, Eu Posso! para enfrentar o aumento dos casos de bullying e conflitos pós-pandemia. A gestora Edileuza Araújo de Souza destacou que a gestão democrática começa no portão, com o bom dia e o abraço: “A gestão começa no portão, com o bom dia e o abraço, conhecendo todos pelo nome”, afirmou, ressaltando a importância dessas ações iniciais para o fortalecimento da resolução de conflitos.

Maranhão: protagonismo estudantil e diversidade

Em São Luís, o Centro de Ensino Santa Teresa enfrentou a baixa participação dos estudantes e os conflitos interpessoais, transformando esses desafios em oportunidades de protagonismo estudantil. Paula Regina Oliveira, gestora da escola, afirmou: “A escola pública não precisa de egos, ela precisa de pessoas que acreditam nela”. Com a criação dos Comitês Estudantis, a escola se tornou um espaço de escuta, corresponsabilidade e ação coletiva, fortalecendo a gestão democrática e valorizando a diversidade.

Rio Grande do Norte: reconstrução de vínculos

Cláudio Eduardo Lima dos Santos, da Escola Estadual Djalma Aranha Marinho, descreveu sua prática de forma humilde, destacando o valor dos gestos simples e fundamentais no cotidiano escolar. Ele afirmou: “A minha prática, desculpem essas expressões, a minha prática é uma prática fuleira. É basicamente reconhecer o outro, dar um bom dia, saber como é que o outro está, perguntar pela vida do outro pra gente construir junto”. Essa abordagem enfatiza a importância do reconhecimento e da atenção mútua como pilares para a construção de um ambiente escolar saudável e colaborativo, onde cada indivíduo se sente valorizado e parte de um todo.

Gestão escolar democrática

Um dos idealizadores do edital, João Marcelo Borges, ex-gerente de Pesquisa e Inovação em Políticas no Instituto Unibanco e atualmente especialista em políticas educacionais na FGV DGPE, explicou que a iniciativa foi concebida como uma estratégia de desenvolvimento e valorização dos profissionais da gestão, tanto nas regionais quanto nas secretarias. Ele contou que havia uma preocupação especial com os diretores, pois, por se tratar de uma organização privada e sem fins lucrativos, não seria possível promover qualquer tipo de valorização por meio de progressão na carreira, aumento salarial ou outros benefícios.

A alternativa encontrada foi oferecer reconhecimento a partir das práticas e da capacidade demonstrada no exercício do trabalho. Para isso, a equipe formulou a ideia de um edital em que professores poderiam se candidatar voluntariamente, caso julgassem ter experiências relevantes de melhoria das relações interpessoais e da convivência escolar. Os selecionados receberiam uma pequena bolsa e o apoio de um jornalista ou profissional experiente para sistematizar suas práticas.

João destacou que o objetivo não era apenas premiar os participantes. Reconhecê-los era importante, mas, mais do que isso, buscava-se desenvolver a capacidade de refletirem sobre o próprio fazer. A sistematização, segundo ele, permitiria que os participantes aprofundassem as razões de suas ações e, eventualmente, aprimorassem suas práticas.

Ele lembrou que, ao sistematizar, os diretores e professores “passam a ser autores de capítulos de livros reconhecidos por seus pares”, o que gera não apenas reconhecimento individual, mas também um produto útil para outras escolas. “Não é apenas o reconhecimento de uma prática singular, mas a transformação dessa prática em conhecimento, que ajudará no desenvolvimento profissional de outros diretores e diretoras pelo país afora”, afirmou.

A escolha do tema do livro também reflete as demandas do pós-pandemia, momento em que educadores passaram a perceber mais claramente como a interrupção da convivência escolar afetou a socialização dos estudantes, exigindo novas estratégias para reconstruir vínculos e fortalecer interações saudáveis.

Jane Reolo Silva, coordenadora do Instituto Unibanco, moderadora do evento e ex-diretora na rede municipal de São Paulo, analisou o papel das práticas de convivência escolar na construção de uma gestão democrática nas escolas. Ela destacou que, embora a gestão democrática tenha sido formalmente estabelecida pela Constituição de 1988, essa prática ainda é recente e desafiadora na realidade educacional brasileira.

“A gestão na escola democrática é de 1988”, lembrou Jane, destacando que, antes dessa mudança, as escolas eram estruturadas de maneira autoritária, com práticas como punições físicas e estratégias de mando e obediência. Ela recordou uma época em que métodos como o uso de “ajoelhar no milho” ou palmatórias eram comuns. “Quem já não ouviu ‘no meu tempo era assim’?”, perguntou, refletindo sobre o quanto essas práticas punitivas marcaram gerações.

Jane também abordou um ponto fundamental: “Sabemos que 70% do tempo de um diretor é dedicado à gestão das relações interpessoais e à convivência na escola.” No entanto, ela observou que essas ações nem sempre são reconhecidas como parte da gestão escolar, uma vez que a raiz educacional ainda carrega marcas autoritárias. Para ela, a gestão democrática deve ser construída com base em práticas que envolvam escuta ativa, acolhimento e construção de um ambiente de respeito e empatia.

Ela defendeu que, para superar as raízes autoritárias nas escolas, é essencial que as práticas sistematizadas de convivência escolar se tornem parte da bibliografia dos cursos de pedagogia. 

Sobre o período do edital, Jane revelou: “Essa formação foi desafiadora, mas extremamente relevante, pois os gestores encontraram sentido no processo de transformação da convivência escolar”. Ela também os incentiva a perseverar, pois muitas vezes, os gestores são os únicos agentes de mudança nas escolas. 

“A humanização das relações beneficia a todos e reduz o adoecimento dos profissionais. As práticas (reunidas no livro) não são apenas modelos a serem seguidos, elas são uma base teórica sólida que será fundamental para a formação de novos educadores e gestores”, concluiu.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, clima escolar, ensino médio, gestão democrática, gestão escolar

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