Projeto na educação infantil mobiliza contra o plástico no mar- PORVIR
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Diário de Inovações

Projeto na educação infantil mobiliza crianças e comunidade contra o plástico no mar

A partir da observação do território, as crianças de São Francisco do Sul (SC) mobilizaram famílias e pescadores para reduzir o lixo e cuidar do mar que as cerca

por Grazieli Chiquito / Bruna Brieman / Paula Mayaya Batista Oliveira ilustração relógio 14 de novembro de 2025

São Francisco do Sul é a cidade mais antiga de Santa Catarina e a terceira do Brasil. As primeiras colônias se estabeleceram em 1553, mas há registros de historiadores que indicam uma expedição ainda anterior, datada de 1504, quando o navegador francês Binot de Gonneville teria aportado na Baía da Babitonga.

A cidade é uma ilha de biomas riquíssimos, marcada pela pesca artesanal, pelos saberes ancestrais e por paisagens que encantam moradores e visitantes. Mas, ao mesmo tempo, convivemos diariamente com um problema que nos preocupa profundamente: o excesso de lixo, especialmente plástico, espalhado pelas ruas, córregos, rios e pelo mar que nos cerca.

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A ideia do projeto “Menos plástico, mais vida”, desenvolvido com a turma de 4 anos do Pré 1 da EBM (Escola Básica Municipal) Ida Beatriz Brunato de Camargo, nasceu dessa urgência de sensibilizar desde cedo as crianças sobre a preservação dos biomas e dos animais marinhos.

Como educadoras, eu e minhas colegas Bruna Brieman e Paula Mayaya Batista Oliveira percebíamos a necessidade de ajudar as crianças a compreender o impacto do lixo no território onde vivem. Queríamos envolver a comunidade, fortalecer as tradições locais e valorizar a cultura da pesca, que faz parte da identidade da cidade. Durante a execução do projeto, contamos com a valiosa e acolhedora colaboração da professora Rosilene Maria, presença essencial em todas as etapas.

A pergunta que orientou nosso trabalho desde o início foi simples e profunda: como conscientizar a comunidade escolar e local sobre o plástico e os microplásticos, envolvendo os pescadores da região e mobilizando toda a escola?

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Leitura de mundo

Começamos com conversas, leituras e materiais sobre o descarte incorreto de resíduos. Logo percebemos que não poderíamos ficar apenas na teoria: era preciso observar o problema diretamente. Assim, organizamos uma caminhada ecológica pelas ruas próximas, incluindo a beira-mar.

Solicitamos autorização às famílias e apenas as crianças com consentimento participaram da atividade. Naquele dia, enquanto caminhávamos, elas observavam tudo com grande atenção. Viram entulhos acumulados no córrego que corta o bairro, lixo espalhado na areia e embalagens trazidas pela maré. Notaram a ausência de lixeiras e descreveram oralmente os resíduos encontrados, revelando curiosidade e sensibilidade diante do que viam.

Essa experiência abriu espaço para discutirmos como os povos originários utilizam técnicas ancestrais de pesca  redes, arcos e flechas, arpões, cestos e armadilhas — de forma sustentável, respeitando a natureza e preservando os ecossistemas. Essas práticas revelam um profundo conhecimento do território e uma relação equilibrada com rios e mares. Historicamente, esses povos têm sido guardiões da biodiversidade.

Buscamos então relacionar essa ancestralidade com os impactos do lixo plástico nos ecossistemas locais. A poluição marinha afeta diretamente povos originários e comunidades tradicionais, que dependem dos recursos naturais para sua subsistência, cultura e saúde, tornando-as vulneráveis à contaminação por plásticos e microplásticos.

Durante a caminhada, as crianças, mediadas pelas professoras, utilizaram os celulares para fotografar principalmente resíduos plásticos, embora tenhamos recolhido todos os tipos de materiais para catalogar depois. 

— Como os coletores conseguem limpar áreas tão extensas?, questionaram.

Entrevistas e aprendizados

Com esse repertório, entendemos que era o momento de ouvir quem vive diariamente a relação com o mar. Trabalhamos o gênero entrevista em sala e construímos, com as crianças, um roteiro de perguntas. Fomos ao mercado do peixe, local onde os pescadores costumam atracar, e ali, na beira do mar, as crianças perguntaram a eles:

— Onde vocês jogam o lixo quando estão pescando?
— O que fazem quando encontram animais mortos no mar?
— O que fazem com o lixo encontrado no mar?

Os pescadores relataram que recolhem resíduos encontrados em alto-mar e trazem até a costa para descartar corretamente. Contaram histórias de garrafas PET, sacolas, pedaços de rede e plásticos boiando pelo caminho. 

As crianças ouviam com atenção, encantadas e curiosas. Esse contato reforçou a necessidade de transformar conhecimento em ação. Criamos, então, o Cantinho da Conscientização do Plástico dentro da escola, com a participação das famílias.


Um espaço para refletir

Instalamos um grande garrafão para arrecadar garrafas, que logo foi preenchido. Organizamos um mutirão envolvendo pais, mães, responsáveis, professores e alunos, e passamos um dia inteiro furando garrafas, amarrando estruturas, reaproveitando restos de madeira e trazendo mudas de flores, chás e plantas para formar nossa horta e jardim.

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Em equipe, construímos uma casinha feita inteiramente de garrafas PET e criamos, ao lado dela, um pequeno lago artificial aproveitando uma caixa d’água. Esses espaços simbolizaram cuidado, responsabilidade e pertencimento.

A mobilização da comunidade foi emocionante: vimos laços se fortalecendo, crianças e adultos trabalhando lado a lado e pequenas ações se transformando em conquistas reais.

Ligação com a BNCC

O projeto também permitiu trabalhar de forma interdisciplinar, envolvendo todos os campos de experiência da BNCC. Observamos avanços que dialogam diretamente com os códigos de aprendizagem previstos. As crianças demonstraram mais confiança ao enfrentar desafios (EI02E002), comunicaram-se com mais clareza com colegas e adultos (EI02E004 e EI02CG01) e se apropriaram de gestos e movimentos da cultura local (EI02CG05).

Desenvolveram habilidades manuais ao desenhar, pintar, rasgar e folhear diferentes materiais (EI02EFO1), expressaram desejos, sentimentos e opiniões (EI02EFO4) e formularam perguntas sobre histórias trabalhadas em sala (EI02EF06). Criaram narrativas a partir de imagens (EI02EF08) e ampliaram o contato com diferentes gêneros textuais (EI02EF09).

Manusearam instrumentos de escrita (EI02ET02), observaram fenômenos naturais como sol, vento e chuva (EI02ET03), dividiram responsabilidades no cuidado com o jardim, o lago e o Cantinho da Conscientização (EI02ET06) e utilizaram conceitos básicos de tempo (EI02ET07).

Cada etapa ajudou as crianças a explorar, criar, comunicar e investigar, dando vida às propostas da BNCC e fortalecendo o sentido do aprendizado na educação infantil.


Passeio, pesquisa e mão na massa

Para ampliar a compreensão científica do impacto dos resíduos plásticos, visitamos o PMP (Projeto de Monitoramento de Praias), ligado à Univille. As crianças assistiram a uma palestra sobre prevenção, conheceram animais empalhados utilizados em processos educativos e ficaram impressionadas com os danos causados por plásticos e microplásticos.

Com esse repertório, iniciamos a fase de prototipação. Pesquisamos juntas, na lousa digital, como os povos indígenas confeccionam seus artefatos de pesca, e refletimos sobre como criar uma engenhoca capaz de resgatar plásticos na beira do mar.

Como crianças pequenas aprendem muito por referências visuais, trabalhamos com imagens que ajudaram na interpretação e na inspiração para o protótipo.

Reunimos redes rasgadas, cipós e varas de pesca danificadas e construímos a Peneira Rede, um dispositivo de baixo custo, manual e inspirado na simplicidade sustentável das técnicas tradicionais de pesca. A escolha por um mecanismo sem motor veio das próprias crianças, que queriam manipulá-lo com as mãos, como os pescadores que haviam conhecido.

Ao longo da construção, trabalharam coordenação motora, imaginação, observação científica, raciocínio tecnológico e expressão artística — tudo de forma integrada.

Trabalho STEAM

A abordagem STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) permeou todo o projeto. As crianças não apenas identificaram um problema real, mas criaram soluções possíveis, refletindo, discutindo e produzindo coletivamente.

Quando chegou o momento de compartilhar tudo com a comunidade, criamos uma esquete teatral. Em sala, exploramos texto, rubricas, cenário, personagens e falas. As crianças confeccionaram animais marinhos com garrafas PET e criaram pequenas cenas sobre o impacto do lixo nos oceanos.

Para representar o projeto, escolhemos como mascote a Toninha, um cetáceo presente na região. Tentamos construir um robô inspirado nela, mas algumas crianças demonstraram receio dos motores. Optamos, então, por apresentar a estrutura sem movimento, garantindo o conforto e a participação de todas.

A apresentação para as famílias e demais turmas foi um momento especial. As crianças mostraram o Cantinho da Conscientização, o lago, o garrafão, a Peneira Rede e explicaram, com suas próprias palavras, o que aprenderam sobre o plástico, os microplásticos e os pescadores locais. Muitas famílias relataram mudanças em casa, como a adoção de separação de resíduos orientada pelas próprias crianças.

Também participamos do desfile de 7 de setembro, levando faixas com materiais recicláveis e camisetas do projeto. Foi gratificante ver nosso trabalho alcançar a comunidade e despertar curiosidade por onde passava.

Impacto e aprendizado

O projeto impactou profundamente os alunos, suas famílias e toda a comunidade escolar. A partir de uma pergunta simples, construímos um processo de aprendizagem que envolveu cultura digital, repertório cultural, expressão artística, comunicação, pensamento científico, responsabilidade, cidadania e vínculo com as raízes e o território.

Hoje, quando vejo crianças brincando no Cantinho da Conscientização ou quando escuto relatos das famílias dizendo que passaram a separar melhor o lixo em casa, tenho certeza de que plantamos uma semente poderosa. Elas foram protagonistas em todas as etapas: observaram, investigaram, questionaram, criaram, produziram, construíram e ensinaram.

A Peneira Rede, a casinha de PET, o lago artificial, a esquete, a visita ao PMP, o mutirão com as famílias, as rodas de conversa e todas as pequenas grandes descobertas transformaram-se em uma experiência marcante que uniu ciência, arte, tecnologia, ancestralidade, sustentabilidade e afeto.

E o mais bonito é que tudo começou com o olhar atento e a pergunta feita por crianças de 4 anos que querem cuidar do lugar onde vivem. Seguimos assim: com menos plástico, mais consciência e muito mais vida.


Grazieli Chiquito

Professora efetiva do município de São Francisco do Sul (SC), Formada em artes visuais, com ênfase em computação gráfica, pós-graduada em história da arte e também em gestão e educação infantil.

Bruna Brieman

Diretora escolar, formada em pedagogia e especialização em orientação escolar e gestão. 

Paula Mayaya Batista Oliveira

Formada em pedagogia, com especialização em educação especial

TAGS

3ª edição - Prêmio Professor Porvir, educação ambiental, educação infantil, steam

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