Microscópio de papel aumenta o interesse pela ciência
Em Lençóis (BA), educador desenvolveu projeto para trazer visibilidade ao mundo microscópico e levar experimentação para a escola
por Filipe Oliveira da Silva 28 de junho de 2017
Quando cheguei à escola Inova Educação, percebi que não existia um laboratório de ciências e o único microscópio disponível era de baixíssima qualidade. Por isso, comecei a buscar soluções para que os estudantes pudessem compreender o mundo microscópico nas imediações do Parque Nacional da Chapada Diamantina, em Lençóis (BA). A ideia era trabalhar nos moldes da ciência cidadã, em que o cidadão exerce um papel central na produção do conhecimento científico.
Durante a minha busca, uma amiga, a Vicky Santos, que é doutoranda na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), indicou usar um microscópio feito de papel e de baixo custo. O Foldscope é dobrável como um origami, possui micro lentes de alta resolução e uma fonte de luz acoplável.
Entrei em contato com os fabricantes na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e eles nos enviaram dois exemplares que estavam sendo testados mundialmente. Desse processo, surgiu o projeto “O Mundo Invisível”, com o qual buscamos trazer visibilidade para o mundo microscópico que cercava as crianças e os jovens.
Partindo do micro para o macro, o projeto também tinha a intenção de lidar com a invisibilidade das ciências em muitas partes do país, já que a maioria das escolas nacionais não possuem laboratórios. A falta de experimentação científica sistemática afeta dramaticamente os índices educacionais brasileiros e o potencial inovador dessas gerações.
Para que pudéssemos construir esse projeto, em parceria com diversos professores da escola, convidamos membros voluntários da comunidade local: um jornalista e cineasta, uma produtora de filmes e um designer gráfico. Os estudantes participariam propondo, escrevendo e executando seus próprios projetos científicos com foco na microscopia. Tudo isso alinhado com a metodologia da Aprendizagem Baseada em Projetos.
Na primeira etapa, nós buscamos entender o que os estudantes já sabiam. Eles não conheciam o conceito geral de microscopia, mas tinham a visão emblemática do microscópio, embora a maioria nunca tivesse utilizado um equipamento de boa qualidade.
Junto com a educadora Débora Daltro, os estudantes assistiram a alguns vídeos que mostravam dimensões microscópicas. Nesse momento, surgiram questionamentos sobre a natureza patogênica dos organismos na água, e um dos estudantes disse que não tomaria mais água da torneira. Outra estudante disse até que não tomaria banho dali para frente. As discussões convergiram no aprofundamento de diversos conceitos, doenças, histórico da microscopia e práticas de higiene.
Em uma terceira etapa do projeto, o educador Luciano Fernandes liderou o trabalho com o manual do Foldscope, que ainda estava em inglês. Os estudantes não gostaram da ideia de ter um manual e não conseguiam visualizar um microscópio dobrável como um origami. Eles entendiam o equipamento com um outro formato e ainda não estavam cientes da sua importância.
Quando percebemos isso, sugerimos que eles criassem os seus próprios protótipos de microscópios com papelão, papel, plástico, e fita adesiva. Diversas formas e ideias surgiram, uma delas era o próprio Foldscope. Pedimos que eles usassem os protótipos e, assim, perceberam que faltava algo. Independente da forma, as lentes eram o ponto fundamental da microscopia.
Na quarta etapa, os estudante foram confrontados com os Foldscopes na mesa e tiveram que montá-los por meio da tentativa e erro. Para isso, eles contaram apenas com o suporte de um manual traduzido em português. Depois de alguns testes, conseguiram construir o microscópio e visualizaram diversos materiais biológicos disponíveis na escola ou no pátio. Nós interferimos muito pouco no processo de montagem, mas discutimos as etapas e coletamos as impressões deles.
Todo o processo de montagem foi filmado, inclusive algumas crianças tinham uma câmera Go-Pro, acoplada em um capacete, para que pudéssemos entender melhor como elas estavam visualizando o processo. O vídeo, produzido pela Renata Matos e Juca Badaró, pode ser visto aqui:
Na quinta etapa, os estudantes desenvolveram seus projetos, e fomos juntos com outros professores para uma coleta de campo, que foi seguida por preparação de lâminas e elaboração de um relatório.
O projeto foi tão bem sucedido, que os estudantes continuaram seu interesse por microscopia e agora a escola discute a possibilidade de criação de um laboratório de ciências com tecnologia de baixo custo. Com o sucesso do projeto, recebemos mais dez exemplares do Foldscope e fomos referenciados pelos desenvolvedores da tecnologia para outros projetos na Ásia. Outras escolas e ONGs pediram que levássemos a ferramenta, e foi um sucesso!
Confira a narrativa e compilação audiovisual desenvolvida por mim e o designer Tuomas Saikkonen: http://www.conecien.com/o-mundo-invisivel.html.
Filipe Oliveira da Silva
Comunicador de ciência cidadã com experiência na elaboração e execução de projetos científicos e educacionais nas escolas e universidades. Formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa e Mestre em Biologia Evolutiva pela Uppsala University (Suécia) e LMU-Munich (Alemanha). Desenvolvi minha tese de mestrado na Harvard University (US) e trabalhei na University of Helsinki (Finlândia) como pesquisador Nível II. Fundei a iniciativa educacional Conector Ciência.