O momento reforça a necessidade de ir além da aula expositiva, diz Jon Bergmann
Pioneiro do método de sala de aula invertida analisa o impacto da pandemia na educação e como professores vão lidar com aulas online e presenciais. De uma forma ou de outra, é preciso ensinar alunos a aprender
por Vinícius de Oliveira 26 de agosto de 2020
Jon (Jonathan) Bergmann também ficou cansado com as aulas remotas. Incentivador do uso da tecnologia para melhorar a aprendizagem por meio do modelo de sala de aula invertida, ele reconhece que a pandemia do coronavírus (COVID-19) abalou a educação e dificultou muito a vida de professores. Entretanto, entende que o momento reforça a necessidade de ir além da aula expositiva e da simples transmissão de informações.
Aprendendo Sempre: Ferramentas e orientações para suas aulas remotas
A conversa que você lê abaixo foi realizada em julho, pouco antes da participação de Bergmann no HUB, evento online promovido pelo programa bilíngue para escolas Edify. Entre outros temas, o desenvolvedor do método de sala de aula invertida e professor de química da Houston Christian High School, em Houston, no Texas (EUA), discute os impactos da pandemia na educação, equidade e como aprender a aprender.
Bergmann também traz orientações para professores que terão que conviver com um cenário híbrido, em que nem todos os alunos estarão presentes ao mesmo tempo na escola, seja lá quando as aulas voltarem. Em síntese: menos conteúdo, mais relacionamento.
Porvir – Como o atual momento de aulas remotas mudou sua visão sobre educação?
Jon Bergmann – Uma coisa que aconteceu com todos os professores que passaram a dar aula online foi uma percepção da importância do contato pessoal para a aprendizagem. Estou sentado agora na sala de aula da minha escola, cujos alunos não vejo desde 15 de março quando tivemos que parar tudo. Eu sinto falta dos meus alunos. Quando pensamos em sala de aula invertida, o que precisamos levar em consideração é como fazer o melhor uso do tempo quando você está com seus alunos em sala de aula. O que aconteceu desde o início da pandemia é que todo mundo descobriu que ensinar não é dar uma aula expositiva, não é transferência de informações.
Se tivermos algum tempo com nossos alunos neste ano, a resposta sobre o que deve ser feito em uma situação presencial não deve ser transferência de conteúdo. Todos perceberam que é muito fácil criar conteúdo para os níveis mais baixos de cognição, ao qual os alunos são apresentados para que possam se aprofundar. No meu caso, em química, eles podem fazer experiências em sala de aula. Isso valida completamente o modelo de sala de aula invertida.
Porvir – O que fazer diante do acesso limitado à tecnologia?
Bergmann – Não existe uma resposta fácil. Honestamente, é aqui que os governos e todos nós temos que atuar e fazer disso uma grande prioridade. É prover equidade para que crianças como as que frequentam a minha escola, que possuem recursos e têm acesso à tecnologia, não saiam em vantagem em relação a quem mora em outra parte da cidade. É aqui que um governo precisa atuar e resolver isso muito rapidamente. Eu já vi estudos que dizem que em comunidades afluentes o ensino online funcionou bem, o que não se repetiu em outras, mais pobres. Isso está errado porque existem muitos fatores. Não se trata apenas de acesso à tecnologia. Existe a estrutura familiar. Durante aulas síncronas, eu posso dizer quais alunos estavam em desvantagem porque podia ver suas casas, eu estava em seus quartos, em suas salas de estar. Ao fundo, muitas pessoas conversando e eles se distraíam. Um dos estudantes, por outro lado, tinha uma casa próxima ao lago e fazia a lição sentado à varanda. Essas são as desigualdades que vi em minhas próprias turmas e penso que precisamos resolvê-las.
Porvir – Como você vê o modelo de sala de aula invertida neste cenário?
Bergmann – O interesse sobre sala de aula invertida explodiu desde que essa pandemia atingiu o mundo. Eu disse em minha palestra no TED que sonho com o dia em que não usaremos o termo aprendizagem invertida, mas apenas aprendizagem. E eu me pergunto se esse sonho está começando a se tornar realidade. Essas pessoas estão começando a perceber que podemos repensar como é a educação. Por mais horrível que tenha sido a pandemia, e conheci pessoas que foram afetadas por isso de maneiras significativas. Do ponto de vista da saúde, é uma coisa horrível. Mas talvez seja realmente um salto inicial como a educação pode, e honestamente e acredito que deveria ser. O cerne da aprendizagem invertida sempre foi a relação professor-aluno. Eu percebi isso com minhas próprias turmas e também no Brasil, na Argentina, na China. Você conhece melhor seus alunos quando tem mais tempo com eles e não está fazendo uma aula expositiva. Pela manhã, eu estava editando vídeos para o próximo ano (que nos EUA tem início em setembro) que vão servir para quando os alunos estiverem estudando sozinho.
Por outro lado, tive que mudar meus grupos para o Zoom porque eu ainda tenho aulas síncronas com os meus alunos. Eu sei bem que nem todos os professores têm esse luxo. Minha própria filha, que é professora aqui nos Estados Unidos, dá aulas de inglês para o ensino médio. Ela não tinha nenhuma aula síncrona com seus alunos. Eles não se encontravam regularmente durante a crise da COVID-19, e seus alunos realmente tiveram dificuldade por conta disso.
De minha parte, passei a ver meus alunos pela metade do tempo de antes. Então passei a buscar estratégias para construir relacionamentos quando não podemos ficar na mesma sala. Isso também mostrou a loucura que é planejar aula. É uma maneira totalmente diferente de ensinar. Lembro que depois de cerca de duas semanas, eu estava tão exausto, pensei, ‘Oh, meu Deus, isso é muito, muito difícil’. E eu postei isso no Facebook e as pessoas diziam “Se o cara que desenhou o modelo de sala de aula invertida está assim, olha..”. É muito difícil. E não consigo imaginar o que pode estar sendo as pessoas que nunca tiveram esse contato com a tecnologia.
Porvir – Como lidar com as dificuldades dos alunos em autogerenciar o aprendizado? Como ensiná-los a aprender?
Bergmann – Esse é realmente um dos maiores erros quando fazemos as formações com professores. Você tem que ensinar os alunos e não pode simplesmente dizer para que eles assistam a um vídeo. Você tem que mostrar a eles como fazer isso ou como ler o texto durante o tempo que tiver uma conversa cara a cara com eles. Todo início de ano letivo, seja pelo Zoom, como agora, ou em uma turma presencial, eu dedico três aulas para que os alunos aprendam como aprender no modelo de sala de aula invertida. Eles assistem aos vídeos e leem textos em sala de aula e eu vou ver como fazem anotações. Se não estiverem fazendo certo, consigo fazer intervenções. O mesmo vale para as aulas pelo Zoom. Um segundo problema é que é importante que você inclua interatividade. Não deixe os alunos lerem um texto ou assistir a um vídeo de forma passiva. Peça para que façam algo a partir desse material. Eu uso o Método Cornell e peço que os alunos escrevam perguntas para me mostrar ou fazer atividades em grupos. E isso funciona de forma parecida durante as videoconferências.
Porvir – Como professores podem se organizar melhor para o momento de volta às aulas, quando apenas uma parte dos alunos estará em sala de aula e os restantes ainda online?
Bergmann – O que vai acontecer em muitos lugares é uma espécie de modelo híbrido, em que você tem uma quantidade limitada de tempo com seus alunos de forma presencial e a maior parte do tempo continuará sendo de ensino remoto. Eu desenvolvi com Dan Jones (consultor educacional) uma sugestão de como fazer a sala de aula online. Quanto menos tempo síncrono online ou presencial com seus alunos, maior é o tempo necessário de apoio para as tarefas com maior complexidade cognitiva. Um professor que ensina matemática na Austrália me deu um exemplo do que faz quando passa uma tarefa com exercícios complexos que o aluno precisa fazer sozinho, em modo assíncrono. Se houver dúvida, existe um link para um vídeo com explicação do professor. Se você só contar um terço dos alunos por dia, é interessante olhar para a Taxonomia de Bloom e criar suporte para as atividades mais complexas que eles terão de fazer quando estiverem sozinhos.
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