Olhar para competências e BNCC ajuda a entender o que é importante no currículo - PORVIR
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Coronavírus

Olhar para competências e BNCC ajuda a entender o que é importante no currículo

Momento exige que instituições de ensino revisitem seus currículos, definam prioridades e conectem assuntos do mundo à sala de aula

Parceria com CLOE

por Maria Victória Oliveira / Vinícius de Oliveira ilustração relógio 6 de julho de 2020

A maioria das escolas brasileiras não chegou a completar dois meses de aulas presenciais em 2020 por conta da disseminação do novo coronavírus. Por mais que escolas e educadores tenham se esforçado para para manter alunos se desenvolvendo com atividades remotas, foi impossível manter o ritmo planejado para as aulas presenciais. Passado todo esse tempo, agora é hora de buscar soluções para lidar com a grande quantidade de conteúdos e habilidades a serem ensinados aos estudantes e a curta janela de tempo para tal.

Como o avanço do coronavírus acontece de maneira distinta, dependendo da região do país ou mesmo dentro de um mesmo estado, os prazos da rede pública e privada para a retomada variam bastante, com uma janela que vai de julho a setembro. O Ceará já anunciou a volta às aulas no final de julho, enquanto no estado de São Paulo, a retomada acontecerá, gradualmente, a partir de setembro, totalizando cerca de cinco meses de aula durante o ano todo.

Da mesma maneira que parecia difícil transpor o presencial para o online, agora é um desafio e tanto fazer caber um ano letivo inteiro em metade do tempo. No webinário “O currículo escolar em tempos de COVID-19”, promovido por Porvir, CLOE e Movimento pela Base, Charles Fadel, pesquisador francês especialista em educação global e fundador do Center for Curriculum Redesign, da Universidade de Harvard (EUA), comentou que, se antes da pandemia os currículos escolares no mundo todo estavam sobrecarregados, a chegada do novo vírus e suas consequências não-diretas, como a suspensão das aulas presenciais, chamou ainda mais atenção para a necessidade de repensar todos os milhares de conteúdos aos quais estudantes são submetidos.

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O que está na BNCC

No caso brasileiro, Fadel mencionou a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) como um farol importante para o que é essencial e que pode guiar o ensino de competências. Coragem e resiliência, frequentemente subestimadas, são de extrema importância, sobretudo em momentos como a pandemia que o mundo está vivendo. Entre redes públicas e privadas, esforços estão sendo feitos de diferentes maneiras para alcançar esse objetivo descrito pelo pesquisador.

Não há conteúdo a memorizar que faça frente à ansiedade que nos atravessa cotidianamente

Renato Nunes Dias, diretor de inovação e produto da Camino Education, pontua que as escolas devem encarar a pandemia como uma oportunidade necessária para repensar seus programas. “O momento que vivemos ressalta a importância de considerarmos, sim, o desenvolvimento de competências, em especial aquelas socioemocionais relacionadas à forma como nos relacionamos com nós mesmos e com os outros. O isolamento, a perda de referenciais de rotina aos quais estávamos acostumados e o clima geral de incertezas apresentam o desafio de nos colocarmos no mundo e em nossa vida de outra forma. Não há conteúdo a memorizar que faça frente à ansiedade que nos atravessa cotidianamente”, explica.

Para Alice Ribeiro, secretária-executiva do Movimento Pela Base, o fato de educadores terem em mãos um instrumento como a BNCC, que estabelece o conjunto de conhecimentos e habilidades que cada estudante deve aprender na educação básica, é um recurso importante para balizar o planejamento. “A BNCC e os currículos servem como norte para o replanejamento curricular que provavelmente será necessário nos próximos meses. Escolhas terão que ser feitas, o que deve acontecer a partir da BNCC e dos currículos, e não de forma aleatória”, explica Alice.

Além de orientar a retomada dos estudos presenciais, Alice considera que a Base também pode e deve ser utilizada nos diagnósticos de aprendizagem dos estudantes nesse período em casa. “A BNCC é uma régua para detectar as defasagens e promover a garantia dos direitos de aprendizagem dos estudantes nos meses seguintes à retomada gradual das aulas presenciais.”

Será preciso pensar não apenas na formação acadêmica, mas na formação integral do indivíduo, que acaba de passar por um período difícil, de perdas, de estresse, de autoconhecimento

Por outro lado, essa análise interna de cada escola e cada secretaria imposta pelo COVID-19 acabará levando a um processo de reflexão sobre o modelo de ensino. “Será preciso pensar não apenas na formação acadêmica, mas na formação integral do indivíduo, que acaba de passar por um período difícil, de perdas, de estresse, de autoconhecimento. O que será que de fato importa desenvolver nesses alunos para que recuperem ou mantenham sua saúde mental, até para continuarem aprendendo? Essas habilidades, como empatia, resiliência, prontidão, o olhar para o outro, estão lá na BNCC”, explica.

Alice pontua que, apesar de não ter avançado da forma como se previa nas redes públicas de ensino brasileiras, a implementação da BNCC não parou em razão do enfrentamento da pandemia. A especialista cita a pesquisa “A Educação não Pode Esperar”, realizada por Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB) e 26 Tribunais de Contas brasileiros, que analisou 249 redes de ensino de todas as regiões do país, sendo 232 municipais e 17 estaduais.

“No ensino médio, etapa que está na fase de alinhamento de seus currículos à BNCC e ao Novo Ensino Médio, os trabalhos não foram interrompidos, e 15 estados já colocaram ou estão em processo de consulta pública desses currículos. No ensino fundamental, a BNCC e os currículos estão mais próximos dos estudantes do que nunca. Uma pesquisa recente mostrou que 82% das redes municipais e 17 redes estaduais possuem alguma estratégia para oferecer aulas ou conteúdos pedagógicos aos estudantes durante a pandemia e, dessas, 93% utilizam a BNCC como referência para o planejamento dos conteúdos; e 87%, o currículo de referência.”

O que mexer no currículo

No caso da plataforma digital CLOE, o currículo é baseado na aprendizagem ativa, formação integral, portfólio de registros, formação de professores, flexibilidade e consultoria pedagógica. Segundo Renato,  inspiração veio de currículos estrangeiros (como o documento australiano, norueguês e o esloveno) para definir suas práticas e uma matriz de habilidades que também se alinha à BNCC.

O currículo é formado por unidades de aprendizagem ativa separadas em expedições. “Esses itens são vinculados aula a aula, atividade a atividade, e avaliados ao longo de toda a trajetória do aluno”, afirma. “Assim, garantimos que a visão de desenvolvimento humano seja refletida em no conteúdo e avaliada na prática.”

O processo de reflexão sobre as habilidades e a conexão com a BNCC foi feito para cada disciplina e cada ano escolar, da educação infantil ao fim do fundamental 2, de forma que a escola conte com um mapa linear das expectativas de aprendizagem para cada idade, explica Renato.

Manter o currículo vivo, independente da retomada das aulas presenciais, também tem sido a tarefa da secretaria de educação de Tremembé (SP). “Estamos fazendo algo híbrido, de acordo com as necessidades de cada um”, diz a secretária de educação Cristiana Berthoud.

“Pegamos o currículo que iríamos trabalhar esse ano e decidimos fazer um trabalho em rede. Por exemplo, todos os professores de geografia da rede se reúnem para fazer o planejamento semana por semana, priorizando o que acham fundamental dentro das habilidades”, diz. Além disso, a rede promove HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) online o que, segundo Crisitiana, tem ajudado os docentes em início de carreira.

Temos que discutir com os alunos as questões globais

Em Tremembé, alunos realizam autoavaliação semanal para que a gestão escolar trabalhe de maneira responsiva. “A gente não pode seguir o currículo como se 2020 fosse um ano normal. Temos que discutir com os alunos as questões globais: saúde, meio ambiente, saúde, solidariedade, economia e racismo, como surgiram agora nas manifestações”.

Dentro dessa nova proposta, surgiram debates online com alunos de todas as idades, também foi realizada uma semana de escuta de alunos, famílias e professores para entender se o volume de atividades estava adequado. “A nossa prioridade não é fixar nos organizadores curriculares que havíamos planejado no começo do ano, mas sim levar em conta as habilidades, o contexto que estamos vivendo e o território de cada aluno”, disse Cristiana, que prefere não falar em mudança de estratégia ou retomada, porque em um primeiro momento, apenas um terço dos alunos teria aula presencial e o município precisaria de mais recursos financeiros e humanos para atender aqueles que ficaram em casa.

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avaliação, educação online, ensino fundamental, socioemocionais, tecnologia

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