‘Os três poderes têm que se unir mais pela Educação’ - PORVIR

Inovações em Educação

‘Os três poderes têm que se unir mais pela Educação’

Para Anna Helena Altenfelder, do Cenpec , municípios, estados e União precisam trabalhar de forma mais articulada

por Davi Lira ilustração relógio 3 de setembro de 2013

Dentro das estruturas de poder, muitas vezes é disseminada a ideia de que cabe apenas às secretarias de educação resolver os problemas relativos à área. Com o debate da educação integral  ganhando cada vez mais espaço na agenda pública da sociedade civil, é preciso extrapolar a ideia de que a educação é responsabilidade apenas de secretarias de governos e que ela ocorre somente dentro dos muros das escolas. Sendo assim, é fundamental propor uma articulação maior entre o trabalho desenvolvido por municípios, estados e o governo federal e entre as diversas secretarias que compõem as máquinas de poder. Tudo isso, para que o direito a uma educação de qualidade seja plenamente assegurado a todos. Isso é o que afirma a superintendente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), Anna Helena Altenfelder.

Especialista no tema, a professora Anna é uma das participantes convidadas para o 2º Congresso Educação: agenda de todos, prioridade nacional, organizado pela ONG Todos Pela Educação, que será realizado nos dias 10 e 11 de setembro em Brasília. Ela vai participar numa sessão de debates que vai discutir a articulação entre os entes da federação na garantia da educação de qualidade no país. O direito à aprendizagem, seja qual for o nível de ensino e independentemente da responsabilização das respectivas esferas de poder, também será um dos temas a serem discutidos na ocasião.

crédito africa studio / Fotolia.com

 

É justamente contra a cultura do “isso não é responsabilidade da minha esfera administrativa” que Anna se opõe. “Não faz sentindo os entes da federação se isolarem no cumprimento apenas do seus requisitos constitucionais. Sendo assim, a educação infantil não receberia nenhuma atenção da Secretaria Estadual, é isso? Não pode ser assim. É preciso uma maior articulação e um regime de colaboração mútua, mais ampla”, afirma a superintendente do Cenpec. Para ela,  a discussão sobre educação integral fortalece ainda mais o debate sobre os direitos à educação para todos e a importância de propor um ambiente cada mais intersetorial dentro das esferas de poder. “As diferentes dimensões governamentais deve se unir num mesmo projeto. Num projeto de educação entendido dentro dessa perspectiva de pensar o aprendizado de qualidade como direito de todas as crianças.”

Segundo ela, em alguns locais que propuseram essa articulação entre governo e município e também entre secretaria municipal e outras secretarias, como a de desenvolvimento social, foi possível colher bons frutos. “Em Nova Iguaçu (PR), por exemplo, fica bem evidente que o trabalho entre município e estado tem repercussão direta na melhoria da qualidade no ensino e na formação dos professores. Mas, claro, quase sempre é preciso que o secretário de educação tenha apoio do executivo e que a educação seja colocada como prioridade dentro do programa de governo”, explica Anna.

Para melhor entender a importância do trabalho coordenado entre os entes federativos, confira a seguir a entrevista:

O Mais Educação está conseguindo articular os entes da federação?
Foi ele quem pautou o debate sobre escola integral. Trata-se de um iniciativa consistente, mas ele tem um grande desafio de deixar  de ser um programa e se efetivar enquanto política pública. A proposta do Mais Educação estimula sim uma maior aproximação entre o Ministério da Educação e as escolas. Há uma interação mais nítida entre a esfera federal e os governos estaduais, e entre a união e os municípios também. O desafio maior é fazer com que a articulação ocorra de forma mais intensa entre o estado e o município.

Então, como estimular uma  aproximação maior entre secretarias estaduais e as municipais?
É preciso criar mais mecanismos de gestão compartilhada. A troca de experiências e espaços é fundamental. As secretarias municipais, por exemplo, podem dialogar mais com os governos estaduais para melhoria dos espaços e equipamentos culturais, como teatros e ginásios esportivos, que, porventura, são de responsabilidade da esfera estadual. Dessa forma, a efetivação do espaço da cidade pode ser consumida de forma mais plena, alcançando assim o que se espera de uma educação integral.

E essa parceria entre município e estado tem impacto direto na qualidade da educação dos alunos?
Certamente, basta ver o que o Estado do Ceará conseguiu fazer em parceria com as redes municipais. Lá, a aproximação repercutiu diretamente nos indicadores de qualidade e de aprendizado nos alunos. O programa de alfabetização do estado é um bom exemplo de como essa articulação é bem vinda. De tão eficiente, ele serviu de inspiração para o Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) do governo federal. Para o desenvolvimento do projeto no Ceará foi preciso promover uma série de ações articuladas com os municípios, especialmente no que se refere ao treinamento dos gestores e na formação de todos os professores. O grande desafio é que são poucos os casos em que essa articulação se efetiva e traz ganhos concretos. Em quase todas as regiões do país, incluindo o sudeste, observamos essa falta de articulação.

A coloração partidária de prefeitos, governadores e presidente impede um diálogo maior entre as esferas?
Infelizmente a questão política, de que partido é o governante ou alianças de poder que criam, ainda impacta no relacionamento. Mas ela não é o único impeditivo de um maior diálogo entre eles. A questão cultural é outro ponto que explica a ausência de uma articulação ampla e efetiva. Os gestores precisam perceber que dá para compartilhar ideias, projetos e softwares de gestão. Se queremos pensar no avanço da educação, temos que pensar em políticas de estados e não de governos. Infelizmente, a descontinuidade de políticas ainda é uma questão latente. As políticas públicas em educação devem sobreviver às transições de governos. O Plano Nacional de Educação (PNE) busca exatamente isso. Mas infelizmente ele está há 2 anos e 8 meses à espera de uma aprovação em definitivo no congresso nacional. Isso traduz um pouco a importância que a educação tem na agenda política do país, por mais presente que ela esteja na pauta de discussão atual.

Os conselhos de educação podem contribuir para uma maior integração não só dos poderes mais da própria comunidade na escola?
É de fundamental importância a existência desses órgãos. Eles existem justamente para fortalecer o trabalho de efetivação do direito à educação de qualidade a todos. As secretarias estaduais, no entanto, precisam criar mais ações de fortalecimento desses órgãos, especialmente em municípios que ainda não implantaram o seus conselhos locais. Para que dessa forma eles possam atuar no sentido de incentivar ainda mais a participação cidadã, dos pais e de toda a comunidade dentro do ambiente escolar. É preciso sempre ter em mente que a gente precisa pensar a educação além dos espaços das secretarias de educação.

Além dos conselhos, as organizações sociais servem também como elo aglutinador das esferas de poder?
As ONGs têm um papel muito importante. Não só elas, como as fundações, institutos e outros movimentos e instâncias sociais envolvidas no debate. A própria existência delas incita um ampliação do espaço democrático e do controle social das iniciativas dos governos constituídos. Mas a existência delas não pressupõe uma substituição do Estado. Não é papel das organizações formular políticas públicas, mas elas podem contribuir trazendo algumas questões de como pensar determinadas problemáticas, contribuindo assim com a formulação das políticas. É sempre importante que elas tenham uma articulação com o poder público, pois assim elas se tornam mais legítimas.

O Brasil ainda precisa caminhar para o discurso da co-responsabilização nos níveis de ensino? Ou seja, os estados também devem se sentir responsáveis pela educação infantil, mantida pelo município?
Os governantes têm que ter em mente que a criança é uma cidadão não apenas do município, mas do estado também. Não dá para os estados brasileiros se eximirem em apoiar os mais de 5 mil municípios do país. O sistema de entes federados, que delega, de forma geral, o ensino médio aos estados, o infantil e o anos iniciais do fundamental aos municípios, deve ser repensado. Deveria ter uma preocupação mais explícita de apoio dos estados aos municípios.

E o Judiciário, como ele se pode contribuir com essa articulação?
Vejo, claramente, o Poder Judiciário como componente desse debate. Ele já vem atuando em ações que sempre buscam garantir ao cidadão reclamante o pleno acesso à educação. É importante esse movimento do cidadão em busca dos seus direitos, mas o judiciário precisa melhor compreender a dimensão das reclamações. Em algumas situações, a justiça impõe uma decisão sem compreender a realidade e as deficiências das estruturas de educação do local. É importante que esse poder se aproxime mais dos sistemas de ensino para que fique estabelecido um diálogo mais propositivo entre as instâncias e que ambos busquem encontrar meios para resolver as demandas da população.


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