Uma gestão escolar democrática deve dar vez, e voz, aos estudantes - PORVIR

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Uma gestão escolar democrática deve dar vez, e voz, aos estudantes

Diretora da escola Clóvis Borges Miguel, em Serra (ES), Elaíse Soneghetti conta como a criação de comitês e do Colegiado Estudantil ampliou a participação dos alunos nas decisões e melhorou significativamente o clima escolar

Parceria com isaac

por Elaíse Soneghetti ilustração relógio 19 de outubro de 2023

O cotidiano escolar é um local rico em oportunidades e, para que isso se torne realidade, sempre considerei muito importante focar no trabalho que envolve toda a comunidade escolar. Como gestora, entendo que a participação de todos os atores faz da escola pública um espaço democrático, e garante aos estudantes o direito de usufruir ativamente da construção do seu conhecimento, criando propostas e alternativas para superação de problemas. Esse movimento é crucial para o sucesso e a permanência do aluno na escola.

Ampliar a atuação dos jovens nas decisões e aproximá-los do dia a dia da gestão escolar deu origem ao Colegiado Estudantil aqui na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Clóvis Borges Miguel, localizada na cidade de Serra (ES). À época de sua criação, elevadas taxas de reprovação no ensino médio, principalmente nas primeiras séries desse segmento, quadro que sempre exige bastante atenção. 

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Percebemos a origem dessa reprovação a  partir de diferentes perspectivas: a primeira, busca explicações nos fatores externos à escola, como o trabalho, as desigualdades sociais, a família; a segunda, olha para os fatores internos, ou seja, são apontados como motivadores a própria escola, o professor e as práticas pedagógicas desenvolvidas. Assim, muitos jovens chegam a essa etapa já em uma situação de defasagem de aprendizado, mesmo estando na série adequada à sua idade. 

Tudo isso causava inquietação. Nós, direção e equipe escolar, queríamos construir um novo cenário, que impactasse positivamente as vidas dos nossos alunos – afinal, a conquista de melhores condições de vida está associada a níveis de escolaridade mais elevados, o que também impacta em melhores resultados de aprendizagem. E decidimos ouvir o que as turmas tinham a dizer.

No vídeo a seguir, publicado pelo Instituto Unibanco, eu conto, ao lado da coordenadora de turno Karina Alencar da Silva, como a criação de comitês ampliou a participação dos estudantes na gestão escolar Clóvis Borges Miguel.


Abrindo as portas da direção

Não é só uma expressão dizer que as portas da diretoria passaram a ficar sempre abertas (e eu contei isso ao Porvir em uma reportagem de 2022): mesmo quando há reunião, pendura-se um aviso, mas não se tranca a maçaneta. O acesso, livre e organizado, é algo que se tornou marca da gestão, que partilha o gerenciamento com a família e chama os alunos de parceiros.

Garantir a participação dos estudantes é elemento determinante de sua identidade com a escola, por meio, inclusive, da construção de um projeto de vida. Quando o espaço para o debate é aberto e as opiniões são acolhidas, cria-se maior sentimento de pertencimento e corresponsabilização com a aprendizagem, sem contar a busca por bons resultados na escola e na vida.

No diálogo entre os pares, nos planejamentos e nas reuniões de fluxo, as reflexões sobre as práticas cotidianas da escola e a observação da atuação proativa dos estudantes nas atividades se tornaram elementos inspiradores. Mas talvez você se pergunte: É possível desenvolver uma prática educativa, de caráter formativo, que conduza ao exercício efetivo de habilidades de liderança, representatividade, valores e atitudes? Como essa formação pode apoiar a inserção dos estudantes no processo de fortalecimento da gestão democrática? Optei por buscar essas respostas junto às turmas.


Vez e voz dos estudantes

Um dos primeiros passos foi observar o trabalho dos representantes de classe, que sempre dialogavam com os coordenadores, propondo novas ideias para o funcionamento do ambiente escolar. Percebi que a colaboração desses alunos ia além da da função do “líder de turma” e poderia ultrapassar o limite da sala de aula, com intervenções positivas em toda a escola. Essa parceria entre coordenação/colegiado de turmas se estreitou quando os alunos assumiram o controle da frequência de suas respectivas turmas, auxiliando a coordenação nesse processo.

Assim nasceu o Colegiado Estudantil. Os representantes de turmas passaram a propor outras ideias que surtiram efeitos positivos na organização das ações escolares, tais como: auxiliar os professores nas comunicações gerais, intervir em situações de conflitos surgidos em sala de aula antes mesmo da ação da coordenação (evitando que cheguem a níveis mais graves), propor reuniões com os colegas de turmas para organizar grupos de estudos (entre outras demandas do professor); participar ativamente em todos os eventos desenvolvidos na escola, oferecendo apoio operacional e estrutural.

Divulgação Lenin, Ian, Gustavo, Jennifer, Daniela, Elaíse e Magda Luiza, da EEEFM Clóvis Borges Miguel


Plano de ação coletivo

Juntos, decidimos institucionalizar e sistematizar as pequenas ações em um conjunto de atividades organizadas, alinhadas e integradas ao Plano de Ação da escola. No acolhimento realizado pelos jovens no início das atividades letivas, por exemplo, há uma interação dos estudantes ingressantes e são tecidas as primeiras impressões do que é o Colegiado, bem como as possibilidades de participação.

Em um segundo momento, os integrantes da comissão organizadora (composta pela equipe técnica, professores e estudantes) divulgam o edital de convocação de determinado comitê técnico por meio de reuniões, nas quais são apresentadas as atribuições, o funcionamento e o perfil propício à atuação no respectivo comitê, para que o aluno se certifique de seu interesse na ação. 

No comitê técnico da biblioteca, os estudantes escrevem suas motivações e expectativas para atuarem nesse espaço. No comitê do laboratório de informática e auditório, é realizada uma entrevista por meio de bate papo, a fim de se perceber o nível e diversidade de conhecimento de TIs (Tecnologias de informática) que os alunos apresentam, para citar dois exemplos. Quando o número de candidatos é superior às vagas ofertadas, apresentamos outros instrumentos complementares para a seleção.

Também são realizados encontros formativos periódicos com a equipe pedagógica, professores, integrantes veteranos e egressos do Colegiado. Nós nos reunimos para orientar as atividades, bem como proporcionar formação por meio de estudos, reflexões e oficinas (oferecidas por meio de parcerias externas).

Tais atividades estimulam os estudantes a exercitar a democracia e a representatividade: quando assumem um papel ativo na vida da escola, ganham responsabilidades coletivas, voltadas ao bem-estar de todos. Compreendem, também, a importância da participação como forma de organização social, de forma a expressar o ideal da juventude na escola – com destaque para as lideranças juvenis.

É preciso considerar que não educamos nossos alunos apenas na sala de aula: as formas de organização e as práticas de gestão, incluindo o ambiente, o clima afetivo, a cultura organizacional, as formas de relacionamento, os modos de resolver problemas e solucionar conflitos, também ensinam e educam. Dessa forma, o nosso cotidiano escolar é organizado em função da garantia de aprendizagem, do sucesso escolar e permanência do aluno, que se concretiza com base em diferentes práticas educativas decorrentes da proposta pedagógica coletiva da escola.

Ouça o episódio Juventudes no Centro, do podcast “O Futuro se Equilibra”:

Resultados alcançados

Orgulho. Essa é a palavra que define a satisfação, visível no olhar, de cada estudante participante do projeto. Inclusive, já não o chamamos de projeto, pois a ação instituída se transformou em concepção de relação intraescolar que se enreda e se entrelaça ao clima organizacional. Nossas bases se sustentam no diálogo, no respeito mútuo, na interação e na participação.

Não há rivalidades, não há 1ª, 2ª e 3ª séries do ensino médio ou curso técnico, não há turnos de estudo. O que percebemos são grupos de jovens protagonistas, com idades e ideias variadas que atuam com um objetivo comum: compartilhar aprendizados e zelar pelo bom funcionamento de sua escola. 

A receptividade com o projeto tem sido muito satisfatória. Como frutos colhidos, temos a ampliação do diálogo entre os alunos, professores, equipe técnica, o cuidado e o respeito com o ambiente escolar, o aprofundamento de competências e habilidades. A motivação dos alunos para auxiliar e participar das ações desenvolvidas na escola também se ampliou, como a vontade em participar e ser útil. 

O crescimento pessoal, intelectual e crítico dos estudantes, bem como seu crescente protagonismo, são razões que nos impulsionam a seguir em frente, pois os valores adquiridos nas vivências são provas fundamentais de que estamos no caminho certo. Quando acreditamos que todos são capazes de aprender e atingir os níveis de aprendizagem, geramos um clima de confiança e valorização que estimula o estabelecimento de um projeto de vida, de metas, de dedicação e de esforço, o que impacta nos resultados de aprendizagem– o centro de nossa ação educativa.

Não é possível construirmos aprendizagens significativas e alcançar o sucesso escolar sem que tenhamos os estudantes como protagonistas. Ao compartilhar esta experiência, é nosso desejo que a reflexão possa ser aprofundada e partilhada. Aos que acreditam na educação pública, deixo uma recomendação: procurem seguir exemplos daqueles que, com muito trabalho e força de vontade, conseguiram imprimir qualidade e eficiência à ação pedagógica. Desejamos que nossos estudantes, professores e demais servidores, venham à escola e se sintam felizes. 

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isaac

Elaíse Soneghetti

Especialista em Coordenação Pedagógica pela Universidade Federal do Espírito Santo (2016), Supervisão Escolar (1997), Planejamento Educacional (1995) e graduação em Pedagogia pela Faculdade de Ciências Aplicadas Sagrado Coração (1994). Atualmente, é diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Clóvis Borges Miguel, na cidade de Serra (ES).

TAGS

ensino fundamental, ensino médio, gestão democrática, gestão escolar, participação dos estudantes

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