Pesquisa identifica as preocupações dos professores para a volta às aulas presenciais
Estudo do Instituto Península aponta caminhos para o bom planejamento das atividades presenciais nas escolas
por Maria Victória Oliveira 5 de outubro de 2020
Apesar de governos estaduais e municipais brasileiros autorizarem a retomada gradual das aulas presenciais com a adoção de protocolos de distanciamento e turmas reduzidas, os professores estão longe de se sentirem seguros. É o que mostra a terceira onda da pesquisa Sentimentos e Percepção dos Professores Brasileiros nos Diferentes Estágios do Coronavírus no Brasil, do Instituto Península.
A terceira etapa da pesquisa, que corresponde ao período de quatro a seis semanas antes do retorno às aulas presenciais (realizada entre julho e agosto), se dedicou a compreender como professores estão se sentindo diante do trabalho remoto, do uso de tecnologia e, principalmente, do retorno à escola.
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Numa escala de 0 a 5, em que zero é nada confortável e cinco muito confortável, a média do nível de conforto de professores das redes privada, estadual e municipal em relação a volta às aulas é de 1,07. Para Helena Singer, consultora em projetos de pesquisa e formação em educação e inovação social e líder da Estratégia de Juventude América Latina na Ashoka, esse desconforto é compreensível porque todo o ambiente escolar, desde os prédios, espaços, as turmas e salas de aula, o currículo e o trabalho realizado pelos professores, promove o que hoje é tido como aglomeração.
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Segundo a especialista, além de os protocolos de saúde irem contra a estrutura própria das unidades escolares, o distanciamento também tem um efeito sobre o desenvolvimento dos estudantes. “Ter crianças sem poderem se tocar e interagir, sem que os professores possam tocar nelas, sem que haja o contato humano no prédio da escola, é algo absolutamente contrário às necessidades de desenvolvimento da criança. Então não é para nos acostumarmos ao retorno, mas para reinventar uma escola que garanta as condições saudáveis nesta fase de pandemia que não está encerrada.”
As maiores preocupações
No ranking das preocupações dos professores diante do retorno às aulas presenciais, estão: o funcionamento escolar em condições sanitárias adequadas para que se evite a disseminação do coronavírus (86%), lidar com o receio da contaminação do coronavírus (83%) e recuperar a aprendizagem perdida dos estudantes com a retomada das aulas presenciais (67%).
Helena explica que é natural que os professores tentem recuperar o planejamento realizado para o ano letivo de 2020. Entretanto, a possibilidade de frustração é grande, uma vez que não será possível ensinar todo o conteúdo programado nos dois meses que restam ainda esse ano. Por isso, ela defende a importância de equipe pedagógica e corpo docente se unirem para rever os objetivos gerais do projeto pedagógico da escola e das aprendizagens essenciais que estudantes precisam ter e, a partir disso, elaborar um novo planejamento.
“Deve-se realmente abrir mão de tudo o que havia sido pensado no início do ano, porque, se houver retorno, ele não será nas mesmas condições. Por isso, é preciso mesmo um novo planejamento que leve em consideração as aprendizagens essenciais, tudo o que os estudantes aprenderam sobre a vida e o mundo a partir dessa experiência da pandemia, o que os professores aprenderam e quais novos recursos começaram a utilizar. Há uma série de possibilidades que se abriram, que devem alimentar um novo planejamento praticamente do zero e não uma retomada”, reforça Helena.
Marina Ferreira, professora de ensino fundamental em uma escola privada no Rio de Janeiro (RJ), conta que tem sido difícil realizar as propostas lúdicas semelhantes àquelas que costumava desenvolver nas aulas presenciais. Além disso, ela também identifica o mesmo desafio em colegas da profissão.
“O horário da minha aula é o mesmo da aula do meu filho e eu percebo a dificuldade da professora em trazer dinâmicas e fazer algo novo para eles. Fica muito massante para os estudantes e eu estou com as mesmas questões”, disse Marina, que também vê situações em que é impossível saber se é a criança ou o responsável quem está fazendo a atividade.
“No retorno, vou ter que fazer uma avaliação diagnóstica para saber onde eu posso avançar ou precisarei retroceder”. Pelo lado pessoal, ressalta: “Eu não me sinto confortável em voltar agora, por mais que a escola diga que exista uma estrutura”.
Apoio emocional para todos
Entre os apoios que mais gostariam de receber na volta às aulas está orientações para lidar com os protocolos de retorno e questões de saúde (73%), assim como apoio para dar suporte emocional para os alunos (68%). Curioso notar que a demanda por apoios para que auxiliem os estudantes aparece antes da demanda por apoios para eles próprios, com 56%.
O apoio emocional, entretanto, deve se estender a todos os integrantes da comunidade escolar. Helena argumenta que deve ser desenvolvido um trabalho coletivo, para que professores, estudantes, famílias, funcionários e a comunidade possam encontrar elaborar toda a experiência vivida, que deve ser o foco principal das ações e atenções nesse momento.
“Devemos ter consciência sobre o quanto a estrutura da escola baseada em aulas e em currículos pré-determinados sempre foi pouco aberta às questões emocionais, que não encontram espaço, tempo e atenção necessária seja de professores, estudantes, funcionários ou famílias. Então, é importante que, nesse momento, isso seja o centro das atenções de todos, porque sem elaborarmos todo esse processo violentíssimo que está sendo a pandemia, não teremos como reassumir nossos lugares de professor, de estudante, de gestor e de funcionário da escola.”
Insegurança e incerteza marcam rotina dos professores
Diante de todo o processo de suspensão das aulas presenciais, aprendizagem para lidar com tecnologia e sobrecarga e alta demanda de trabalho, a carga emocional sobre os professores não foi leve. A psicóloga Daniele Pioli conta que também precisou se reinventar durante a pandemia e, quando o Conselho de Psicologia liberou a realização de atendimentos online, ela decidiu dedicar integrar o projeto Apoio Emocional, criado pelo Quero na Escola e Fundação SM.
“A partir das pessoas com as quais tive contato, notei que todos os professores estão com dificuldade de se organizar. Há uma insegurança em não saber o que vai acontecer em termos profissionais, se têm o emprego garantido”, comenta Daniele. Isso se soma a preocupações relacionadas às condições de segurança ao retorno, o que está diretamente conectado a questões práticas como haverá espaço suficiente para fazer distanciamento social considerando que as turmas de estudantes são grandes? “Grande parte dos professores com quem conversei ainda não têm uma diretriz sobre como será o retorno. Eles sabem que isso vai acontecer, mas não sabem como. Então é um dilema muito grande de ‘estou louco para voltar a trabalhar mas, ao mesmo tempo, estou com medo’.”
Para apoiar os docentes, Daniele conta o passo principal adotado por ela foi ouvir as demandas e aflições dos professores. Um ponto comum mencionado por eles foi a alta demanda de trabalho. Por isso, a psicóloga propôs que eles realizassem conversas com colegas e em suas escolas para avaliar quais estratégias de ensino à distância realmente funcionam.
“Depois desse momento de sentar, respirar fundo, olhar para as coisas que estão acontecendo, compreender os próprios sentimentos e pensar em quais recursos estão disponíveis para lidar com tudo isso, 99% dos professores disseram que conseguiram se organizar muito melhor e começaram a ver outras maneiras de fazer seu trabalho. Eles também compreenderam que não poderão dar conta da pandemia sozinhos e que, se tem coisas que podem fazer, tem outras que não são possíveis e, nesses casos, é necessário acomodar um pouco esses sentimentos”, completa a psicóloga.