Política é, sim, assunto de criança, sugere projeto do fundamental 1 - PORVIR
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Diário de Inovações

Política é, sim, assunto de criança, sugere projeto do fundamental 1

Professora da cidade de Timóteo (MG) cria projeto para que os alunos, desde cedo, entendam a importância da política e dos valores democráticos para formar cidadãos críticos*

Parceria com Instituto Significare

por Karina Letícia Júlio Pinto ilustração relógio 26 de julho de 2022

Quem disse que política não é assunto para criança? Saber o processo de criação das leis para o convívio na sociedade, os valores democráticos, os direitos e deveres dos cidadãos e a importância dos Três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) foi o foco do Projeto Câmara Mirim, que realizei com os alunos do 5º ano do ensino fundamental da Escola Estadual José Ferreira Maia, em Timóteo (MG). 

Em 2019, a sociedade brasileira ainda dividia opiniões sobre as eleições de 2018. O calor das discussões familiares também chegava à escola por meio das crianças. Era perceptível a dificuldade dos alunos em dialogar respeitando diferentes opiniões. Assim, com o projeto, tivemos a oportunidade de descobrir juntos que o diálogo, o respeito e a tolerância são o caminho para uma sociedade mais justa. 

Mas, até chegarmos aos resultados satisfatórios, trilhamos um longo percurso. No início, a proposta gerou insegurança, pois quando se aborda algo sobre política, as pessoas geralmente pensam em política partidária. Então, primeiramente esclareci aos alunos e suas famílias no que a proposta se baseava: o entendimento sobre o que é política, democracia e escolha cidadã. 

Foram muitas ações durante o desenvolvimento do projeto. Inicialmente, tivemos o estudo sobre os valores democráticos e de coletividade por meio da metodologia world café (na qual é possível criar uma rede de diálogo colaborativo). É preciso criar um espaço acolhedor, estruturar perguntas de acordo com a temática e estimular a participação e colaboração de todos. 

Em seguida, abordei a representação política e os alunos realizaram uma pesquisa sobre os vereadores e o prefeito do município de Timóteo, bem como suas atribuições. Trabalhamos o papel das leis para a convivência na sociedade. Durante as atividades, questões como corrupção vieram à tona a partir do cotidiano dos alunos. 

Fizemos um jogo de aprovação de uma lei, disponível no site Plenarinho. Esse jogo emite diferentes propostas (exemplos: a escola comprará novos livros para o acervo da biblioteca, ou aumentará o número de aulas de educação física, etc.). Cada aluno votava e a lei com a maior quantidade de votos era aprovada. Alguns até relatavam a compra de voto dos colegas, por meio da oferta de merenda pessoal que levavam de casa, ou a compra de votos por troca de favores. 

Coletivamente, também participamos da eleição do líder de turma. Os alunos tiveram a oportunidade de se candidatar, fazer discurso e propaganda para a classe. Após a posse dos eleitos, redigimos uma carta coletiva convidando o prefeito da cidade para uma entrevista: na época, ele estava visitando bairros com um projeto intitulado “conversa com o prefeito”. Um aluno, escolhido pela sala, foi a uma das reuniões e leu a carta para a comunidade. 

Pouco tempo depois, fomos visitar a Câmara Municipal de Timóteo para fazer a entrevista. Por lá, também fomos convidados a simular a aprovação de um projeto de lei sobre o direito gratuito à vacina contra a gripe H1N1. 

A culminância do projeto Câmara Mirim foi a visita ao Congresso Nacional, em Brasília, alguns meses depois. A viagem foi um grande incentivo para os alunos e famílias: mesmo antes de embarcarmos, todos se envolveram com os estudos ainda mais. 

Durante o planejamento, consegui alinhar algumas habilidades a serem analisadas de acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Em língua portuguesa, trabalhamos com gêneros textuais diversos como cartas, entrevistas, crônicas e poemas que retrataram o assunto estudado, além da oralidade e argumentação nas rodas de conversas, debates e jogos. Na matemática, fizemos análises de gráficos da última eleição, quais partidos e candidatos foram mais votados. 

Para poder viajar até Brasília, contamos com ações coletivas: fizemos feijão tropeiro e doces para vender nas festas da escola, pedi ajuda para políticos da nossa região, para a Secretaria Municipal de Educação e o Sindicato da Educação. As famílias e algumas pessoas da comunidade nos ajudaram a arrecadar itens para o lanche durante a viagem. Não foi nada fácil, mas valeu a pena! 

Com os valores, conseguimos levar uma turma de 22 alunos, 12 pais e 5 funcionários da escola. Ficamos dois dias em Brasília.

No primeiro dia, os estudantes participaram da comissão de debate das propostas de lei, e,  no segundo dia, aconteceu votação no plenário Ulysses Guimarães. 

Na Câmara dos Deputados, por meio do programa Plenarinho, de caráter educativo, os alunos foram deputados mirins. A comissão que integraram era formada por alunos de outras escolas, que também realizaram atividades envolvendo a educação para a democracia. O aluno da nossa escola, Tiago Naamã Silva Santos, foi o relator do plenário amarelo, que foi presidido por Luis Eduardo Marquardt, da Associação das Câmaras e Vereadores do Vale do Itapocu, em Santa Catarina. A comissão debateu o projeto de lei de Eduarda Cadorin de Souza, 13 anos, estudante do Colégio Machado de Assis, em Joinville (SC). 

Inicialmente, a proposta debatida foi a mesma que discutimos na Câmara Municipal de Timóteo, prevendo o direito ao acesso gratuito à vacina contra a gripe H1N1 nos postos de saúde de todo o Brasil. Durante os debates, vieram algumas alterações. O ponto que mais levantou polêmica foi a forma de fiscalizar o direito ao acesso gratuito às vacinas e o fornecimento, em vez da vacina trivalente, oferecer a vacina quadrivalente.

Tivemos, também, alguns momentos de passeio pela cidade, fizemos com os pais e alunos o turismo cívico. Foi uma experiência marcante para os alunos: a grande maioria nunca tinha saído de Minas Gerais. Todos ficaram deslumbrados com as construções de Brasília! Visitamos a Praça dos Três poderes, a catedral de Brasília, passamos pela Esplanada dos Ministérios e outros pontos que nos encantaram.

Foram oito meses de atividades. No saldo negativo, registrei alguns problemas de intolerância e agressividade na fala, mas a proposta objetivava a melhora dos alunos nesses pontos. Assim, quando os debates se intensificavam, havia minha interferência, remetíamos novamente ao diálogo e buscávamos um ponto em comum, para um acordo.

Contudo, os resultados positivos ganharam destaque: a visão crítica dos alunos, a tolerância em meio às ideias diferentes, o respeito ao outro e a resolução de problemas por meio do diálogo. A presença e o acompanhamento das famílias junto à escola resultou no aumento do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) da escola.

As rodas de conversa, os debates, as entrevistas e o diálogo aberto com os alunos e dos alunos com os colegas, potencializaram a ação educativa, permitindo a liberdade de expressão e o respeito ao diferente. Algo que me chamou bastante atenção foi a mudança de percepção desses estudantes. Eles perceberam que respeitar a opinião do outro não é se desfazer da sua. 

Foi uma experiência incrível para a vida cidadã das crianças e de toda a comunidade escolar que acompanhou o desenvolvimento da proposta. 

O que é preciso para replicar esse projeto?

Primeiramente, o professor deverá se informar sobre a temática. Confesso que aprendi mais sobre o assunto realizando um curso a distância, com foco no legislativo brasileiro. Uma sugestão é a plataforma ELEVE, ambiente de aprendizagem dos cursos a distância da Câmara dos Deputados. Nele, podemos fazer cursos sobre o legislativo gratuitamente. 

A pesquisa e os estudos constantes não saem da rotina de um professor, mesmo com muito trabalho. Após conhecer melhor os Três Poderes, principalmente o legislativo, percebi o quanto era importante levar isso aos alunos para compreendermos melhor a sociedade em que vivemos.

Acredito que o professor poderá se organizar pensando em atividades que permitam introduzir a temática com os alunos. É importante conhecer a realidade dos estudantes, sondar o que eles conhecem sobre o assunto por meio de um diagnóstico inicial oral. No meu contexto, percebi que muitos alunos pensavam que somente o presidente era responsável pelo país – conheciam alguns políticos, mas não mais do que isso. Então, começamos o estudo sobre democracia, representatividade e os Três Poderes.

Para o desenvolvimento do projeto, sugiro planejar ações concretas que permitam o protagonismo dos alunos: acreditem no potencial deles, pois sempre nos surpreendem. 

Não existe uma receita pronta. Mesmo planejando a proposta, algumas alterações irão acontecer durante o desenvolvimento. O importante é manter sempre a sua dedicação e persistência. É preciso coragem.

*O projeto Câmara Mirim foi vencedor da categoria ensino fundamental do Prêmio Professor Transformador 2022, promovido pelo Instituto Significare. 

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Instituto Significare

Karina Letícia Júlio Pinto

Possui graduação em pedagogia pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (2012), especialização em psicopedagogia e supervisão escolar pela Universidade Cândido Mendes (2015), especialização em produção de material didático utilizando o Linux Educacional (2015) pela Universidade Federal de Lavras e mestrado profissional em informática na educação (2018) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Atua como professora dos anos iniciais do ensino fundamental na Rede Estadual de Educação de Minas Gerais e, atualmente, no município de Coronel Fabriciano.

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aprendizagem baseada em projetos, ensino fundamental

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