Por que o trabalho com robótica deve ir além da programação?
por Ana Luísa D'Maschio 27 de maio de 2022
Quem esteve na 4ª edição da Expo Movimento Inova, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo (SP), entre os dias 25 e 26 de maio, não passou despercebido pelos drones, projetos de realidade virtual e uma série de atividades mão na massa. Um caminhão maker (equipado com impressora 3D, máquinas de corte à laser e kits de robótica) também atraiu os participantes. Mas foi outra invenção que fez ainda mais sucesso.
Construído pelo professor Michael Rogério Correia da Silva, da Escola Estadual Marcelo Tulman Neto (localizada na zona leste de SP), com apoio dos alunos, o Robô Eva conta com estrutura de papelão, botões feitos de tampinhas de garrafa pet, motor de abrir vidro de carro e placa de energia solar para a movimentação. O controle, com base de capa dura de caderno, tem fios recicláveis. O mascote passou boa parte do tempo “caminhando” pelo ginásio, conforme registrou Débora Garófalo, organizadora do evento, no vídeo abaixo:
O Robô Eva é um dos tantos exemplos que mostram como a robótica vai além da programação ou de artefatos caros. Marcos André do Nascimento Cunha, professor de robótica da Creche Escola Grandini, localizada em Teresópolis (RJ), acredita que não se deve pensar que a robótica educacional só existe se as tecnologias digitais estiverem inseridas. “Pensar assim é um erro. Tudo é tecnologia! Uma folha de papel é uma tecnologia. É preciso entender o sentido da palavra. Lógico que as tecnologias digitais potencializam o trabalho com a robótica, visto que é um elemento que desperta o interesse e a motivação das crianças.”
Marcos ressalta que a robótica tem papel fundamental na aprendizagem, por visar a construção do conhecimento por meio de situações cotidianas nas quais é preciso se desdobrar para buscar soluções. “Com esse trabalho na escola, os alunos já estão sendo preparados para o futuro e seus desafios. E isso envolve também o trabalho colaborativo, já que as atividades propõem uma dinâmica diferenciada, em que os alunos são desafiados em conjunto”, conta.
Ao propor uma determinada situação-problema, comenta o professor, os alunos precisam pensar, em grupo, sobre como solucioná-la. E isso é um grande estímulo à participação. “Eu disponibilizo diferentes materiais, tecnológicos ou não, para que eles resolvam a questão por meio da construção de protótipos. Há também um momento de apresentação da solução. Com isso, consigo ver o engajamento do grupo e avaliar o trabalho realizado”, pontua.
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Interdisciplinaridade
Consultor pedagógico da APDZ – Educação e Tecnologia, Daniel de Oliveira explica que a robótica educacional é uma metodologia de ensino que incentiva os estudantes a construir, de maneira ativa, conhecimento relacionados a diferentes disciplinas, além de trabalhar habilidades interpessoais e comportamentais.
“É importante inserir a robótica no currículo para preparar os estudantes e ajudá-los a descobrir e desenvolver valores voltados para um mercado de trabalho em constante mudança. Quando estiverem prontos para ingressar nesse mercado, é possível que seja em profissões que hoje ainda não existem”, comenta.
O consultor também reforça que a formação continuada do professor é fundamental nesse cenário. “Trata-se da chave para conseguir trazer esse profissional para perto e fazer com que ele comece a ter afinidade com o mundo da robótica educacional e seus pilares: trabalho em equipe, pesquisa e prototipagem.”
Conexões
Responsável pelo primeiro Fab Lab voltado para a educação básica no Brasil, que ensina os princípios e aplicações da fabricação digital de acordo com diretrizes do MIT (Massachusetts Institute of Technology), o educador maker Anderson Pires Macorin avalia que o termo “robótica” é uma maneira “abrasileirada” de se abordar o STEAM (acrônimo em inglês para para ciências, tecnologia, artes, engenharia e matemática), comum em outros países. “Precisamos debater o termo robótica na educação e de que forma ele faz uma ‘máscara’ para a ciência, a tecnologia e outros aspectos que estão por trás do conceito”, diz.
No que se refere à programação, Anderson diz que se trata de uma das muitas frentes da robótica e não precisa afastar os educadores da prática. “A programação é uma linguagem universal, como se fosse uma língua estrangeira. Quem não tem proficiência pode ter algum receio. A programação é uma parte da robótica, do STEAM, e na equipe escolar podemos encontrar professores com essa competência.”
O professor Marcos concorda com a afirmação. “Eu também a vejo (a programação) como uma nova forma de comunicação. É como se você estivesse aprendendo uma outra língua. No começo pode parecer difícil, mas quando você compreende seus códigos, tudo se torna muito fácil e natural”, conclui.
Mais por menos
A robótica ainda pode ser vista como uma evolução do laboratório de informática ao quebrar barreiras, fazendo com que professores passassem a colocar a mão na massa. “O laboratório de informática se desatualizou. Hoje, o celular é muito mais atualizado do que o PC. Além disso, chegaram os kits de robótica, impressoras a laser e máquinas de corte 3D que transformam esse laboratório em um espaço maker”, explica Anderson, com a experiência de quem foi campeão na Categoria FIRST LEGO League na Austrália, em 2015.
“Defendo que as escolas não fiquem reféns de kits de robótica caros. Há soluções muito econômicas a fim de popularizar o ensino da ciência e da tecnologia. Precisamos tornar o acesso cada vez mais fácil. É fundamental utilizar a robótica como ponto de partida para o debate da ciência e tecnologia no sistema educacional”, ressalta o especialista.