Professora mobiliza turma em projeto sobre indígenas em contextos urbanos
Atividade desenvolvida com alunos do ensino fundamental deu origem a debate sobre migração, demarcação e homologação de terras
por Manuela Machado Ribeiro Venancio 12 de dezembro de 2018
Com o objetivo de estimular o olhar crítico e romper visões do senso comum associadas aos povos indígenas brasileiros, idealizei e desenvolvi com meus alunos do 7º ano do ensino fundamental o projeto “Povos indígenas em contextos urbanos”.
De modo geral, as escolas e seus materiais didáticos transmitem aos alunos uma “imagem romântica” e/ou “primitiva” dos indígenas, como aqueles que vivem isolados e nus nas florestas, reiterando estereótipos que não dialogam em nada com o cenário contemporâneo desses povos, já que muitos deles hoje vivem em áreas urbanas. Isto era, inclusive, algo desconhecido pelos meus alunos.
O fato da Escola Terra Brasil estar localizada no estado de São Paulo fez com que eu direcionasse este projeto de modo mais atento ao povos indígenas que moram na capital paulista e/ou em cidades do interior.
Dividi o projeto em diversas etapas: exibi uma série de vídeos produzida pelo Museu do Índio, a exemplo da produção visual “Povos indígenas: conhecer para valorizar”; acessei com os alunos a página eletrônica do ISA (Instituto Socioambiental); selecionei textos disponíveis no site da Comissão Pró-Índio de São Paulo para os alunos lerem e resenharem, bem como reportagens referentes a indígenas nordestinos (Pankararu e Kariri-Xocó) que migraram de Pernambuco e Alagoas à cidade de São Paulo.
O assunto da migração possibilitou aos meus alunos terem conhecimento de uma problemática central aos povos indígenas do Brasil, isto é, a demarcação e homologação das terras. O deslocamento de indígenas do Nordeste a São Paulo tem como uma de suas motivações a ocupação das terras indígenas por parte dos não-indígenas, o que acarreta uma série de consequências a esses povos, como por exemplo, a procura de emprego fora de suas aldeias.
No decorrer do projeto, preocupei-me em possibilitar aos alunos vivências pedagógicas de fato, ou seja, que pudessem ter contato direto com alguns indígenas e aprender pelo diálogo interpessoal. Para isto, convidei a indígena Tamikuã Pataxó, que mora no interior de São Paulo, a ir na Escola Terra Brasil conversar com os alunos. Os mesmos puderam conhecê-la pessoalmente e ouvir o seu relato em torno do preconceito que sofre pelo fato de se autodenominar “índia”.
Na roda de conversa com Tamikuã, os alunos aprenderam que o fato de os indígenas morarem em centros urbanos, de fazerem uso de celulares, da internet e das redes sociais não anula seu pertencimento étnico. Assim, procurei ensinar aos alunos que os indígenas estão conectados a era digital. Para tanto, realizei duas atividades via Messenger do Facebook. Ambas as atividades foram realizadas em sala de aula, com o uso do computador.
Os alunos entrevistaram dois indígenas de etnias diferentes e que moram em áreas urbanas distintas. Deixei que eles formulassem suas próprias perguntas, estimulando assim, a construção do pensamento crítico.
Na primeira entrevista, conversaram com Wiryçar Kariri-Xocó, que mora em São Paulo. A segunda entrevista se deu com Anápuáka Tupinambá Hã hã hãe, que mora no Rio de Janeiro, e é um dos idealizadores da Rádio Yandê, uma web rádio indígena brasileira. Além da entrevista, os alunos acessaram o Facebook e o site oficial da Rádio para ouvirem a programação feita por indígenas.
Cito algumas perguntas feitas pelos alunos: “Por que você saiu da sua aldeia para vir para São Paulo?”; “O que você acha de quando os portugueses vieram para o Brasil?”; “Por que vocês não gostam que pintem os rostos das crianças com canetinha no Dia do Índio?”; “Se você sofre muito preconceito e como enfrenta o preconceito? Dê um exemplo do preconceito sofrido?”; “O que você acha de São Paulo? E quais são as diferenças de se viver na aldeia?”; “Como surgiu a Rádio Yandê?”; “De onde veio o nome da Rádio Yandê?”; “Qual é a importância da Rádio Yandê?”; “Onde vocês fazem a Rádio Yandê?”; “Tem samba indígena?”; “Vocês têm funk indígena? Se sim, qual?”.
Durante o projeto, apresentei aos alunos letras de rap indígenas, tendo sido uma ferramenta mobilizadora dos interesses e das emoções deles. Todas as aulas eles pediam que eu passasse os clipes dos cantores indígenas de rap. As letras apresentaram-se como importante material didático, uma vez que referem-se às demarcações indígenas e às lutas dos povos indígenas.
Dentre os cantores indígenas, os alunos ouviram o jovem Kunumi MC (Guarani), morador da aldeia Krukutu. Desse modo, o ponto alto do projeto, foi a visita pedagógica justamente à aldeia Krukutu, do povo Guarani (Mbya), na região de Parelheiros, na região sul da cidade deSão Paulo. Nesse dia, os alunos puderam conhecer a aldeia, conversar com os indígenas, entre eles, o escritor indígena Olívio Jekupé, além de conhecer pessoalmente o Kunumi MC, que cantou ao vivo para nós. Os alunos fizeram questão de registrar as imagens em seus celulares e solicitar autógrafo ao Kunumi.
Por fim, considero que o conhecimento produzido em uma disciplina, com uma turma específica, deve ser transmitido por toda a escola para que os demais possam também aprender. Assim, como atividade final, solicitei aos alunos do 7º ano que elaborassem dois cartazes com fotos, mapas e breves descrições a respeito daquilo que vivenciaram por meio deste projeto pedagógico.
Manuela Machado Ribeiro Venancio
Graduada em ciências sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestra em antropologia pela Universidade Federal da Bahia e doutora em antropologia pela Universidade Federal Fluminense. Graduanda em pedagogia pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo.