Professora usa caixa de sapatos para recriar cenas literárias e desenvolver autonomia
Que tal criar um cenário dentro de uma caixa de sapatos, com base no livro que a turma está lendo? A proposta de uma professora do ensino fundamental 2, que ganhou até exposição na escola, desenvolve a formação leitora
por Ruam Oliveira 7 de outubro de 2022
Uma caixa de sapatos que deve ser preenchida com elementos encontrados em um livro. Supondo que este livro seja “O Diário de Anne Frank”, que traz a experiência de uma menina judia que viveu escondida durante a Segunda Guerra Mundial, essa caixa pode simular um quarto, contendo uma cama e outros objetos representativos.
Foi assim que uma das alunas da professora Taila Jesus, que dá aulas de língua portuguesa no Colégio Villa Global Education, em Camaçari (BA), marcou sua participação no projeto “Leitura em Caixa”, desenvolvido pela docente com suas turmas de 6º e 7º ano do ensino fundamental.
A tarefa, que, segundo a professora, engajou toda a turma, virou até exposição na biblioteca da escola e contou com a confecção de cartazes anunciando as “obras”. “O trabalho foi feito em sala e as famílias abraçaram muito a ideia de levar os materiais para escola, providenciar a caixa de sapatos… Os estudantes se colocaram de forma muito autônoma na construção dessa exposição”, conta Taila.
Autonomia e leitura
A leitura pode fazer emergir diversas facetas humanas. Com ela, é possível não apenas conhecer e nomear emoções, como também compreender diferentes aspectos pessoais. Além disso, é por meio dela que muitas pessoas se descobrem como seres autônomos.
“A autonomia ainda é um desafio escolar cotidiano e seu exercício é estimulado a partir de pequenos momentos do dia a dia. A leitura é um exercício de autoconhecimento dos próprios gostos, que possibilita a autorregulação da aprendizagem, a percepção de como se aprende permite a construção de um exercício de autonomia a partir da formação leitora”, aponta a analista de conteúdo pedagógico da Árvore, Tatiana Lemos.
A autorregulação da aprendizagem pode ocorrer em diferentes cenários. Um ponto chave é proporcionar aos estudantes certa liberdade para que se conheçam ou explorem seus gostos, como fez a professora Taila.
Além de produzir as caixas que ficariam expostas na biblioteca, o projeto da professora baiana previa que os estudantes apresentassem para a turma o que mais gostaram da leitura e os motivos de diferentes elementos estavam ali presentes, dentro da caixa de sapatos.
Um de seus alunos, por exemplo, além de incluir um boneco na caixa, colocou um galho de laranja lima para identificar que o livro lido era “Meu pé de Laranja Lima”, romance de José Mauro de Vasconcelos publicado em 1968.
A professora explica que a apresentação também serviu para ajudar os estudantes a serem multiplicadores de ideias, apresentando-se para turmas de idades menores – alunos do 6º ano mostrando suas obras aos do 5º, por exemplo.
Outro fator destacado por Taila é que o projeto de formação de leitores fez com que ela própria tivesse contato com livros que não conhecia, criando uma relação mútua de aprendizagem com os alunos.
Construir essa caixa de leitura na escola, para Taila, é também uma forma de entender que os estudantes estão sendo 100% autônomos e que não há interferência de outras pessoas no processo criativo deles.
Explorando possibilidades de leitura
Muitas vezes diversos projetos ficam focados apenas em língua portuguesa, quando na verdade é possível expandi-los, incluindo diferentes áreas do conhecimento. Essas áreas podem, inclusive, trabalhar em conjunto por meio de projetos inter e transdisciplinares.
Tatiana sugere que a transversalidade da leitura ainda é um elemento pouco explorado por professoras e professores para o estímulo ao exercício da autonomia.
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“Muitas vezes, a leitura ainda é vista como elemento estruturante das aulas de língua portuguesa, mas seu potencial para o processo de formação autônoma do indivíduo não é restrito a algumas áreas do conhecimento. A partir da leitura é possível estimular a pesquisa e a conexão entre os textos literários e o cotidiano, sempre a partir da ideia de que as ciências humanas, exatas e da natureza podem ser mobilizadas pela leitura em busca da autonomia estudantil”, avalia.
Nesse sentido, outro ponto do debate é a inclusão de projetos de leitura que dialoguem com diferentes campos de atuação na escola. Até mesmo porque bons leitores podem surgir a partir de leituras não relacionadas à literatura especificamente, mas às ciências ou áreas de exatas.
Formação leitora
Formar bons leitores é uma tarefa que deve ser feita com bastante atenção e intencionalidade. Dentro desse cenário, o desenvolvimento da autonomia pode ocorrer tanto por meio de indicações de leitura, quanto por uma abertura para que eles sozinhos façam suas escolhas.
“Os diferentes tipos de leitura mobilizam habilidades que levam ao desenvolvimento autônomo dos estudantes. Por exemplo, ao iniciar uma leitura, o estudante precisa mobilizar habilidades como a gestão do próprio tempo, identificação do seu gosto literário e criação das próprias estratégias metacognitivas. Por isso, tanto a leitura por fruição quanto a leitura por indicação podem refletir no processo de desenvolvimento autônomo do estudante”, explica Tatiana.
Taila fez assim. A partir dos títulos disponíveis na plataforma Árvore, ela ofereceu indicações aos seus alunos, mas também possibilitou que eles encontrassem o livro que mais gostariam de ler.
Desde o início do projeto, Taila nunca quis que a leitura fosse balizada pelo que já havia sido proposto pelo programa escolar, priorizando o o máximo de temas possíveis na proposta.
Para Tatiana, esses projetos de leitura já indicam caminhos para a formação leitora. Nesse sentido, ela destaca que é necessária uma aproximação dos gostos dos estudantes para criar propostas.
“Um bom ponto de partida é permitir a exploração de títulos e capas que mais chamam atenção, proporcionando ao estudante o interesse pela leitura. Outro ponto importante é a continuidade do estímulo à leitura ao longo do processo escolar, mostrando as diferentes possibilidades de leitura e tipos de leitores, para que os estudantes sejam capazes de criar suas próprias estratégias, exercitando a autonomia no processo de formação leitora e de regulação da aprendizagem”, diz a analista de conteúdo pedagógico da Árvore.
Outros desdobramentos
Projetos de leitura podem começar de uma forma e seguir dando outros frutos. A proposta da professora Taila se desdobrou em outras ações, como a criação de um selo para os “líderes de leitura” durante o período do projeto. Além de um certificado, a “premiação” contou com a participação de familiares dos alunos mais leitores.
“O interessante é que depois desse projeto os alunos agora chegam toda semana falando: ‘Professora, estou lendo mais um livro’ ou ‘Eu quero continuar participando do projeto da Leitura em Caixa, quero estar entre os alunos que mais estão lendo'”, comenta Taila.
Ter um objetivo como construir uma caixa de leitura ou receber um selo de melhor leitor são ferramentas que, de certa forma, trabalham gamificando o aprendizado. A professora relatou que percebeu nesses desafios um aumento de interesse da turma em continuar na leitura.
“Percebi, com a atividade, que os alunos queriam concluir as leituras porque tinha um desafio envolvido. Ao final, teriam uma premiação e não seria por nota, mas sim em relação à notoriedade, ao reconhecimento e prestígio que teriam com a realização da tarefa”, conclui a docente.