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Diário de Inovações

Projeto com desenhos faz alunos questionarem apostila de ciências

Em Imperatriz (MA), a estratégia foi usada para despertar a curiosidade das crianças e promover a alfabetização científica

por Aline Borges ilustração relógio 14 de agosto de 2019

Nem sempre o que um professor ensina é o que o aluno necessariamente aprende. Paulo Freire em seu livro “Pedagogia da Autonomia” já dizia que ensinar não é meramente transferir conhecimento. E essa foi a minha motivação para desenvolver o projeto “Desenhando a Ciência”. A atividade foi desenvolvida com as turmas dos quartos anos do Colégio Dom Bosco, em Imperatriz (MA). Minha intenção foi fazer com que os alunos parassem de absorver e memorizar os textos da apostila de ciências, passando a construir de forma crítica seu conhecimento.

Durante as aulas de ciências sobre biomas, notei que não estava conseguindo êxito em minha função de professora, porque meus alunos me diziam que estavam entendendo toda a aula, mas quase sempre davam respostas idênticas às explicações das apostilas. Na minha cabeça, eram como mini robôs, sempre repetindo o programa, nunca pensando ou questionando.

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Foi então que decidi mudar minha metodologia em sala de aula. Em vez de somente atividades escritas, comecei a trabalhar com desenhos. Para iniciar, elaborei um pequeno projetos com a intenção de mostrar aos alunos que os desenhos também são produções científicas.

A primeira ação foi explicar que existiam várias formas de textos, os que usavam palavras (textos verbais) e os que não usavam palavras (textos não-verbais). Trouxe vários exemplos, discutimos sobre esse e outros colocados pelas próprias crianças em aula. Houve estranhamento no início, porque diziam que eu estava dando aula de português, e não de ciências.

O segundo passo foi explicar a função do desenho em várias áreas do conhecimento. Falei sobre a diferença dos desenhos na matéria de Artes para outras matérias, por exemplo, matemática. Para isso, usei o exemplo das plantas baixas que estávamos aprendendo em matemática. Mostrei a eles/as que em um desenho artístico de uma casa, pode-se usar toda a imaginação, mas em um desenho de planta baixa não, porque a função deste é dar informações sobre a casa. Expliquei que os desenhos de ciências, tinham que ser lindos e caprichados, contudo o mais importante eram as informações científicas que apresentavam ao leitor.

Depois das aulas introdutórias sobre os tipos de textos e a função dos desenhos em ciências, partimos para a produção. O tema era o “Bioma Deserto”. Cada um produziu seu próprio desenho, porém era permitido ficarem em grupos para discutirem sobre o assunto e partilharem material, como lápis de cor e canetinhas. Eu ia de grupo em grupo avaliar os desenhos. As correções e as sugestões de melhorias eram feitas dentro dos grupos. Durante a atividade, notei uma grande diferença, várias dúvidas e perguntas surgiram!

Foram tantas perguntas: Se não chove, então não existe arco-íris no deserto, tia? Por que os cactos não tem folhas iguais outras árvores? De onde os animais do deserto tiram a água para sobreviver? De onde vem a água dos oásis? É mesmo verdade que nunca chove no deserto? Algumas situações interessantes nos grupos me deixaram feliz…

Uma das alunas, por exemplo, mostrou-me seu desenho e perguntou se estava bonito. Ele continha elementos como flores, pássaros no céu e uma árvore frutífera. Quando perguntei a ela por que aqueles seres vivos não poderiam estar no desenho, ela me falou que não sabia a resposta. Então me perguntou se poderia pesquisar na apostila. Além das perguntas, essa foi outra vitória que consegui: a iniciativa de ler e reler a matéria estava partindo deles. Não era uma imposição minha!

Um grupo de meninas me perguntou se existiam nuvens no deserto. De início eu não entendi a pergunta, depois elas me explicaram que era o ciclo da água que formava as nuvens. Como deserto tem pouca água, por que nas imagens da apostila tinham muitas nuvens? Disseram que estava debatendo sobre esse assunto e que a apostila não falava nada sobre isso. A pergunta foi colocada para a classe responder. Levantou-se muitas hipóteses: a imagem estava errada; as nuvens se formaram da água dos oásis; as nuvens poderiam ter vindo trazidas pelo vento; o dia que a foto foi tirada tinha chovido… Porém não se chegou a um consenso. Por isso ficou para que se pesquisasse em casa. Alguns disseram que ia perguntar aos pais outros que iam pesquisar no celular ou computador. Mais duas vitórias! Eles questionaram o próprio material de estudo. Estavam pensando e não só reproduzindo informações. O desenho serviu também para que entendessem que o computador e o celular são ferramentas de estudo, não só de lazer.

Para encerrar, combinei com outra professora uma pequena apresentação dos desenhos. Levei a classe do 4º ano para mostrar e explicar seus desenhos aos colegas dos terceiros anos. A maioria quis apresentar. Não era obrigatório falar. O que me deixou mais contente nessa fase foi a espontaneidade com a qual foram apresentados os desenhos. Nenhuma fala foi decorada da apostila.

O desenho na educação infantil é frequente, todavia direcionado ao lúdico. No fundamental, além desse propósito, o projeto mostrou que pode servir para o início da alfabetização científica.

Nem sempre posso levar meus alunos para fora da classe ou realizar experimentos, o que penso ser também um problema para grande parte dos professores de ciências do Brasil. Assim, acredito que o desenho é uma ferramenta útil para a construção do conhecimento e grande motivador do pensamento científico, desde que as atividades sejam conduzidas com atenção e rigorosidade científica. É uma proposta simples, mas eficaz.


Aline Borges

Professora há cinco anos do ensino fundamental 1 e 2. Formada em pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Pós-graduada em metodologia do ensino de biologia.

TAGS

aprendizagem colaborativa, ciências, ensino fundamental, personalização

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