Projeto político-pedagógico deve ser revisto para se adequar à educação inclusiva - PORVIR
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Inovações em Educação

Projeto político-pedagógico deve ser revisto para se adequar à educação inclusiva

É importante entender as características dos estudantes e envolver a comunidade em um planejamento conjunto para promover a inclusão na escola, fortalecendo assim a equidade

Parceria com Editora Moderna

por Ruam Oliveira ilustração relógio 29 de junho de 2023

Desde 1994, a professora Lúcia Santos atua como diretora escolar. Uma de suas aventuras foi ter saído do Rio Grande do Norte e firmado residência em Manaus (AM), onde atua como gestora na Escola Municipal Waldir Garcia há 18 anos. 

Ao chegar à escola em 2005, percebeu altos índices de abandono escolar e reprovação. A educadora conta que a escola está localizada em uma região com desafios socioeconômicos variados, que incluíam tráfico de drogas e até problemas de habitação. Havia uma necessidade urgente de estabelecer uma educação focada nos estudantes, para que todos se sentissem incluídos no ambiente escolar. 

No entanto, a mudança só aconteceu de fato em 2015. A gestora reuniu a comunidade escolar para, juntos, planejarem um programa pedagógico inclusivo em diferentes etapas, ambientes e abordagens. A própria Lúcia se surpreendeu com o tempo necessário para tirar a ideia do papel.

A escola tinha uma sala de educação especial, que foi dissolvida. Lúcia assumiu a tarefa de integrar todos os estudantes com deficiência nas salas regulares. “Tivemos que incluir dois ou três alunos com deficiência no ensino regular”, relembra a gestora. 

Mas não só com as crianças com deficiência que a docente devia se preocupar. O processo de inclusão também se dirigia a migrantes haitianos que vieram morar no Brasil após o terremoto em 2010. “É uma escola com muitos desafios. No primeiro Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) ficamos com 3.9, depois 3.7, 3.5 e só caindo. A escola precisava rever seu modelo pedagógico”, conta a docente. 

E então começou uma missão que envolveu toda a comunidade escolar. “A gente começa, junto com os pais, a reescrever e a repensar a proposta pedagógica da escola. Sabíamos que, do jeito que estava, não funcionava”, disse. 

“O colégio era muito organizado, e eu era uma pessoa muito centralizadora, que adorava disciplina”, lembra. No entanto, toda essa rigidez não ajudava a combater a evasão, o desinteresse dos estudantes e a falta de inclusão. “Muitos dos erros que eu, como gestora, os professores e a equipe escolar cometíamos estavam ligados a essa rigidez e inflexibilidade”, diz. 

O que fazer para incluir?

Lúcia afirma que o passo fundamental para pensar e planejar um PPP (Projeto Político-Pedagógico) inclusivo em diferentes perspectivas foi estudar. Ela entrou em contato com diversas instituições e passou a se familiarizar mais com o conceito de educação integral. “A maioria de nós pensava que isso significava apenas tempo integral, mas não é bem assim”, afirma.

Nós começamos a ver que escola queríamos. Uma que fosse humanizada, que valorizasse as pessoas, promovesse a inclusão e que coloca o estudante na centralidade do processo

Lúcia Santos, gestora

Ao enxergar o estudante em sua totalidade, a escola deu um importante passo em direção à inclusão. Com um projeto político-pedagógico feito a “muitas mãos”, a Waldir Garcia entrou em uma completa transformação. 

Ao se referir aos estudos como uma ferramenta de mudança, Lúcia também pontua que a escola é um espaço privilegiado de formação e que a comunidade escolar deve tirar proveito disso. 

“Isso foi fundamental para a gente se enxergar como professor pesquisador, investigar o que é empatia, protagonismo e práticas que já existiam a partir da nossa realidade e do nosso território. Não é receita de bolo”, diz a docente. 

Conheça mais sobre a escola neste episódio do programa “Destino Educação – Escolas Inovadoras”

Parte de um processo

A mudança não foi fácil. Além da necessidade de estudar e se atualizar sobre muitos temas para promover a inclusão e modificar a dinâmica da escola, a gestora precisou lidar com desistências de parte do corpo docente no meio do caminho.

“A Waldir Garcia avançou muito porque a gente começou a ter um olhar de que a responsabilidade da inclusão e da aprendizagem das crianças não era só do professor que estava em sala de aula, mas de todos que faziam parte da escola. Todos precisavam estudar: a diretora, a secretária, a pedagoga, o professor, a merendeira, a equipe de serviços gerais, o porteiro… Todos”, conta.

Esse esforço em aprender se materializou de diversas maneiras. Uma delas foi firmando uma parceria com a UFAM (Universidade Estadual do Amazonas), que oferecia um curso sobre inclusão para estudantes de pedagogia.

Muitos dos professores não se viam capazes de mudar algumas práticas para poder trabalhar com crianças com deficiência, por exemplo. A educação inclusiva, na perspectiva do atendimento educacional especializado, ainda é um dos grandes desafios para gestores, pois requer formação e preparação e um trabalho conjunto com a equipe regular, o que pode ocasionar embates.

A nova cara da escola passou pela abolição das cadeiras enfileiradas e carteiras, substituídas por mesas redondas. Parte do orçamento foi destinado a mudanças físicas nos espaços: banheiros adaptados, rampas etc. 

Atualmente a escola possui mais de 20 estudantes com deficiência integrados nas salas regulares, entre alunos com TEA (Transtorno do Espectro Autista), Síndrome de Down, deficiências motoras e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). A sala de recursos virou um espaço de convivência.

Todos os anos, o projeto político-pedagógico é atualizado. Esse trabalho é feito em conjunto com a comunidade – anteriormente, o PPP era basicamente copiado de um ano para outro, sem levar em consideração os estudantes que ingressavam e suas particularidades. 

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Por onde começar?

Juliana Amorina, presidente do Instituto ABCD, ressalta que uma estratégia de mudança do PPP com vistas à inclusão deve partir de um entendimento de que a escola é um espaço de aprendizagem e o olhar deve estar em quem aprende, e não no diagnóstico que essa pessoa possa ter. 

“Se a gente entender que a escola é um lugar para todos, independentemente de qual seja a condição, e que todos são capazes de aprender, acho que é um excelente ponto de partida. É entender que ali todas as crianças que estão naquela escola têm capacidade de aprender e estão ali para isso”, diz Juliana.

Ela também pontua que um ponto forte é a formação. “Quando a gente olha para formação, normalmente os gestores vão buscar formações específicas. Ou seja, como lidar com a criança que tem autismo, com a criança que tem dislexia ou síndrome de Down. E o que acaba acontecendo é que não existe uma receita de bolo porque não existe uma única criança. Acho que essa é uma barreira que a gente tem que vencer, sabe?”, comenta. 

Entender sobre a diversidade humana, afirma Juliana, é uma necessidade no momento de repensar as estratégias de inclusão nas escolas. Ao retirar o foco dos diagnósticos, ela acrescenta que os processos podem se tornar até mesmo mais fáceis, sem que haja a necessidade de um retrabalho ou de rever estratégias. “O ideal quando se prepara uma aula é que esse planejamento já abarque um olhar inclusivo desde o ponto de partida.”

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Conheça seus alunos 

Assim como a professora Lúcia identificou quem fazia parte da escola, quais eram os alunos com deficiência e o que era necessário fazer para garantir a inclusão, igualmente qualquer gestor deve fazer essa leitura no momento de planejar e pensar uma escola mais inclusiva. 

“É fundamental que toda a equipe escolar, incluindo direção, professores, funcionários e pais, tenha uma compreensão clara do que é a educação inclusiva e de como que essa unidade escolas veja a inclusão e a diversidade. É importante entender a diferença entre o cuidar e o incluir para que as escolhas didático-pedagógicas sejam tomadas”, destaca Doug Alvoroçado, pedagogo, professor e palestrante, que atua na Coordenação de Inovação e Tecnologia da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (RJ).

Ao perceber que havia a necessidade de qualificação, a equipe da escola Waldir Garcia entendeu que existiam conhecimentos necessários e fundamentais para colocar o PPP inclusivo em prática. 

Doug reforça a importância de a gestão conhecer as legislações vigentes sobre inclusão e que exerçam uma liderança inclusiva, além de separar recursos para que mudanças em infraestrutura possam ser feitas. 

“É importante que os gestores valorizem a formação contínua e continuada sobre a inclusão. Eles devem estabelecer uma comunicação clara e aberta com os pais, alunos e a comunidade em geral e garantir que haja canais de comunicação eficazes para compartilhar informações, obter feedback (retorno avaliativo) e envolver as partes interessadas na tomada de decisões relacionadas à inclusão”, adverte. 

Virgínia Gonçalves de Oliveira, mestre em políticas públicas e educação especial e assessora na área de educação inclusiva, afirma que o gestor preocupado com a inclusão “é um grande ouvidor”. É alguém que escuta diferentes atores da comunidade escolar a fim de tornar a escola um lugar de todas e todos. 

“É o princípio para entender as fragilidades e ir observando em quais momentos da rotina a gente precisa conversar mais com a equipe e o que precisa estudar mais”, diz. 

Para ela, a formação de qualquer docente – seja de atendimento educacional especializado ou não – deve ser contínua. Compreender aspectos do desenvolvimento humano faz com que os professores estejam preparados para lidar com diferentes situações, incluindo as de educação especial em uma perspectiva inclusiva. 

Um bom PPP que preza pela inclusão também se preocupa com a eliminação de barreiras. Virgínia destaca que uma barreira necessária para ser transposta é a atitudinal, que diz respeito à maneira como as pessoas se comportam frente a uma criança ou adolescente com deficiência. 

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Treinando o olhar 

Todos os esforços feitos visando a reestruturação ou a modificação do projeto político pedagógico das escolas podem ruir caso a gestão não tenha um olhar sensível e atento, sugere Virgínia.

“Quando a gente fala de treinar o olhar, isso significa acreditar que, se estamos vivos, podemos aprender. Todas as pessoas aprendem, cada uma no seu tempo, no seu jeito, com as suas peculiaridades. Toda criança, todo jovem, todo adulto que entra na escola é digno de aprendizado e esse acho que é o primeiro olhar que a gente tem que ter”, afirma a assessora.

Virgínia sugere, ainda, que uma das atitudes principais que a escola deve ter é mudar como trata o estudante. “A gente tem que sair do olhar da deficiência, da dificuldade e da falta e olhar para a potência do ser humano”. 

A professora Lúcia, ao identificar as características dos estudantes e convidar a comunidade para um planejamento conjunto, que envolvia estudos sobre como a escola poderia tornar-se mais inclusiva, ajustou seu olhar para o objetivo específico da inclusão. Desde então, ela tem obtido bons resultados. 

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educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, gestão escolar, inclusão, Série Desafios da Educação Inclusiva

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