Projeto usa ligações telefônicas para restabelecer vínculos entre alunos e professores
LigAção do Bem, promovido por educadores ligados ao Ensina Brasil, propõe que professores liguem para alunos para criar vínculos durante o isolamento social e oferecer apoio
por Beatriz Cavallin 4 de agosto de 2020
As conversas de corredor e ao final das aulas deixaram de fazer parte das rotinas de alunos e professores. Com a pandemia de coronavírus e as aulas sendo ministradas de forma remota, quase não sobra tempo e disposição para conversar e restabelecer vínculos com os alunos.
O Projeto LigAção do Bem, idealizado por professores ligados ao Programa Ensina Brasil, surge como uma ação para contornar essa falta de contato físico e garantir que alunos e professores continuem criando vínculos durante o período de isolamento social. O ponto de partida é uma ligação de mais ou menos 20 minutos que tem como objetivo entender como os alunos estão se sentindo, e não cobrar o cumprimento – ou não – das tarefas escolares. Essa ligação humaniza a relação professor-aluno, amplia a sensação de pertencimento e faz com que o estudante se enxergue como parte de uma comunidade escolar, e não como um indivíduo isolado.
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Mas por que uma ligação e não uma mensagem de texto? De acordo com a fonoaudióloga Laura Rezende, através da fala é possível expressar emoções, o ouvir da voz aproxima as pessoas e a fala é algo essencial para uma comunicação efetiva. Além disso, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 92% dos lares brasileiros contam com pelo menos um aparelho celular em seus domicílios, a ligação é a forma mais simples de atingir os alunos.
O site do projeto foi pensado para auxiliar o professor nessa ligação. Cada seção direciona uma parte do processo; em “A conversa”, é possível encontrar um passo a passo de como se preparar para ligar para o aluno; O “Mapa de temas” auxilia na hora de escolher um tópico inicial – ou para evitar o silêncio constrangedor de quando o assunto acaba, e oferece sugestões como relações interpessoais e construção e manutenção da rotina; o “Guia de cuidados” auxilia os professores sobre como reagir diante de temas delicados como violência doméstica, drogas e suicídio. É importante entender que a o projeto não é um acompanhamento terapêutico, mas sim uma maneira de dizer para o estudante que ele não está sozinho neste momento.
Os criadores do projeto consideram as ligações como o início de uma conversa que deve continuar em sala de aula, com o retorno das aulas presenciais. Ele continua em um próximo momento conectando pessoas na vida real. Além disso, os comentários avaliativos deixados no site também funcionam como forma de repensar o projeto para um futuro sem coronavírus.
Na prática
A professora Elineide Alves, de Cabrobó (PE), enxerga o projeto como uma forma de estreitar os laços com seus alunos. “Eu moro em uma cidade no interior de mais ou menos 34 mil habitantes, mas temos uma área rural extensa. Ali moram 90% dos meus estudantes e muitos deles não têm acesso à internet. O LigAção do Bem surgiu como uma saída para esse momento” , diz a professora, que conta ter conhecido melhor os estudantes por meio das ligações.
Em Paracatu (MG), a relação da professora Evile Macedo com o projeto é parecida. A educadora sempre buscou manter um contato direto com os alunos, e para ela a ligação surge como uma oportunidade de não perder o carinho, o respeito e a confiança que foi construída durante as aulas presenciais, “O que podemos fazer é acolher e confortar, antes a gente fazia isso com abraços, no olho a olho, mas hoje não é mais possível”, reflete.
Ambas as professoras sentem seus alunos dispostos e animados com as conversas, e explicam que os temas que mais surgem tem a ver com saúde mental e angústia trazida pelo isolamento social. Mas os assuntos são variados, e vão desde como se manter ocupado no dia a dia, até o término de relacionamentos.
Além de entender melhor como ajudar os alunos, as educadoras também se sentem acolhidos pelos estudantes, “A gente aprende muito todos os dias. Nesse período, eles me ensinaram a ver a vida de outra forma e dar valor as pequenas coisas. Eles tem muito mais a ensinar do que a gente”, diz Evile.