Secretarias são transatlânticos cheios de alunos, diz gestora do Rio
Em evento do CIEB, Julia Sant'Anna, representante da secretaria fluminense, recomenda mudança de postura de empreendedores na negociação de soluções digitais
por Vinícius de Oliveira 2 de junho de 2016
Empreendedores que costumam reclamar da estrutura impenetrável das secretarias de educação precisam aprender a dar um passo atrás e controlar o ímpeto antes de passar pela porta do prédio para oferecer suas soluções digitais. No primeiro encontro da série CONECTE-C, iniciativa do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) que busca reunir os diferentes atores do ecossistema de inovação na educação, empreendedores e representantes do setor público buscaram afinar o discurso e reconhecer as peculiaridades do “transatlântico”.
A comparação foi usada por Julia Sant’Anna, assessora especial da subsecretaria de infraestrutura e tecnologia da Secretaria de Estado e Educação do Rio de Janeiro, para explicar o comportamento do setor público diante do apetite de empreendedores por contratos que garantam o acesso de seus produtos digitais às salas de aula da rede. “Secretarias de educação são transatlânticos lentos que carregam centenas de milhares de alunos. Vamos em velocidade lenta, muito lenta, mas com uma escala per capita absurdamente grande. Se a gente conseguir planejar em longo prazo, é possível que a gente consiga se aproximar de vocês”, disse em fala endereçada aos empreendedores presentes ao Cubo, espaço de coworking na zona sul de São Paulo (SP).
Para Julia, os criadores de soluções seriam “jet-skis que fazem piruetas” ao redor do poder público para impressioná-lo. “Nosso esforço é ser cada vez mais leve e estar com planejamento cada vez mais de longo prazo para conseguir receber jet-skis. Ao mesmo tempo, é muito importante que a outra parte consiga reduzir um pouco a velocidade quando vai conversar com o transatlântico”.
Para exemplificar o que queria dizer, Julia relembrou uma cena vista em uma reunião entre a área técnica da secretaria e um grupo de startups, que ela classifica como evento “muito curioso”. “No fim, deu tudo certo, mas eu vi que quem mais dialogou com a gente foi o cara que não era o gênio e nem a liderança do grupo, mas o que tinha mais sensibilidade. Muitas vezes, quando os colegas diziam ‘qual a velocidade do servidor?’, ele já sabia nossos nomes e dizia ‘qual o principal problema de vocês agora?'”.
Segundo Julia, faltam perguntas e sobram intenções de venda nas reuniões com empreendedores, o que comprovaria a distância entre os discursos. “E aí é muito difícil. A gente não pode abrir mão do que a gente tem [funcionando] mais ou menos porque senão o Ministério Público questiona, o Tribunal de Contas Estadual questiona, o Tribunal de Contas da União questiona, a Defensoria Pública questiona, o sindicato questiona… Como é tudo mais ou menos, ou o sujeito vai querer me ouvir ou eu vou querer me afastar dele, porque vai dar problema comprar algo que eu já tenho”, explicou.
Para garantir a harmonia e facilitar as negociações, a representante da secretaria do Rio de Janeiro recomenda que empreendedores leiam atentamente a legislação que rege os processos de compras governamentais, que atende por Lei 8.666. Além disso, diz que é útil ainda fazer buscas por editais com termos de referência semelhantes ao produto que está sendo ofertado e conhecer contratos, para que o consiga se precaver de eventuais riscos.
Anna Helena Altenfelder, superintendente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) falou sobre alguns mitos que envolvem a educação, como: todas as práticas pedagógicas escolares são analógicas e tradicionais; recursos tecnológicos são uma ameaça ao professor; e tecnologia estimula a impessoalidade nas relações. Ana ressaltou que o principal papel da tecnologia é ajudar a mudar as práticas pedagógicas, e não substituir cópia da lousa por cópia da tela, como acontecia em um colégio no qual a instituição desenvolveu um projeto.
Para trazer o lado do empreendedor, Felipe Rezende, fundador e diretor executivo da EvoBooks, plataforma de conteúdos interativos, comentou sua experiência na captação de recursos e na relação com educadores. Em primeiro lugar, destacou a importância de se ter ao lado cofundadores com habilidades diferentes, inclusive professores — e não apenas especialistas em gestão e tecnologia.
“Ter um cofundador professor no setor de Edtech é uma coisa que nos Estados Unidos está ficando cada vez mais forte”, disse. Quando criou a Evooboks, Rezende não contava com essa figura e conta ter “apanhado muito” em razão disso. Nessas situações, explica, é preciso olhar para o item visão do plano de negócios e avaliar o quanto é possível flexibilizar o produto para adequá-lo à realidade de escolas e professores. “Em 2013, a gente deu uma pivotada [mudança radical na estratégia] para melhorar pedagogicamente. Fiz um novo plano de negócios, levantei mais capital e contratamos 60 pessoas da área de educação”. Como resultado, Rezende avalia que hoje sua plataforma evoluiu e passou a ter um alcance maior, que contempla desde o livro analógico até conteúdos interativos que envolvem realidade virtual.
Mais tarde, em um trabalho que uniu os palestrantes aos grupos formados por empreendedores, professores e representantes de institutos de educação, foram feitas sugestões para melhorar a conexão entre poder público e empreendedores. Listamos algumas delas abaixo:
1) Mapeamento dos problemas e soluções tecnológicas das secretarias de educação
2) Definição de padrões e integração de soluções que apoiem o diálogo e a entrada de inovação em redes
3) Criação de uma plataforma com catálogo dos produtos educacionais de base tecnológica para governo
4) Criação de parâmetros para avaliação e escolha das soluções digitais