Como o tom de voz determina a cultura de sala de aula - PORVIR

Inovações em Educação

Como o tom de voz determina a cultura de sala de aula

Não é uma tarefa fácil, mas desenvolver seu tom de voz pode construir confiança, reduzir conflitos e preparar o cenário para melhorar aprendizado em sua sala de aula, como mostram as pesquisas

por Youki Terada, do Edutopia ilustração relógio 13 de junho de 2023

Utilizar a voz para gerir uma sala de aula é uma das ferramentas mais poderosas que um educador tem ao seu dispor. Os professores vocalizam para transmitir informações de forma expositiva, avaliam a compreensão dos estudantes fazendo perguntas, facilitam as transições entre atividades e conseguem controlar comportamentos ao redirecionar os alunos desatentos e emitir ordens quando necessário. A voz é uma ferramenta enganosamente complexa e multifacetada, exigindo constante modulação para se adequar às mudanças de circunstâncias na sala de aula – e pode levar anos para os professores aprenderem a melhor forma de usá-la.

Em 2022, um estudo explorou como o tom de voz de um professor influencia a cultura de sala de aula. Pesquisadores das Universidades de Essex e Reading (na Inglaterra) analisaram a reação de alunos do ensino fundamental a falas habituais da gestão em classe. Exemplos incluem: “Hora de acalmar” ou “Sentem-se, a aula vai começar”. Essas mensagens variaram em tom: controlador, neutro e de apoio.

Mesmo as palavras permanecendo iguais, alterações no tom impactaram de maneira surpreendente diferentes aspectos do ambiente da sala de aula. Foram afetados o senso de pertencimento, autonomia e satisfação dos alunos, além da probabilidade de compartilharem informações pessoais importantes aos educadores, como interesses e dificuldades acadêmicas.

Os pesquisadores concluíram que tons controladores prejudicam o senso de competência dos alunos. Por outro lado, tons de apoio potencializam a conexão deles com os professores. Uma postura autoritária pode criar barreiras. Vozes controladoras desencorajam os alunos a compartilhar segredos com os professores. Isso inclui situações de intimidação, dificuldades vivenciadas ou até mesmo um trabalho do qual se orgulham. Segundo os pesquisadores, isso desgasta os laços de confiança, essenciais para o aprendizado no ambiente social da sala de aula.

Dominar o tom de voz é uma tarefa difícil, ainda mais em uma sala de aula caótica. É importante estar consciente de como a entonação, o volume e o ritmo da fala influenciam o comportamento. Essas características da voz podem ser usadas de maneira estratégica para reforçar o aprendizado.

Como um canário em uma mina de carvão*

Alterações sutis no tom de voz de um professor podem ser o primeiro sinal de que algo está errado na sala de aula. Um tom de pânico infiltrando-se nas orientações, um aumento na tonalidade ou volume da voz, ou uma saraivada de repetições podem sinalizar aos alunos que a situação está prestes a ficar incontrolável. Isso pode desencadear uma reação de luta ou fuga na sala de aula, aumentando a ansiedade e provocando explosões emocionais.

Emoções são contagiosas, como explicado em um estudo de 2021. Quando os professores demonstram entusiasmo e interesse pelo tema, é mais provável que os alunos se mantenham engajados e longe de problemas. Por outro lado, professores que reagem exageradamente a interrupções dos alunos, ou que são emocionalmente distantes, podem criar sem querer uma atmosfera de confronto ou hostilidade. 

Exibir paixão pelo tema é extremamente positivo: Professores que gostam de estar em sala de aula “mantêm suas atitudes positivas mesmo quando os alunos enfrentam dificuldades, e relatam dedicar mais tempo ao ensino”, conforme apontado pelos pesquisadores.

Entretanto, desenvolver uma postura calma e estável em um ambiente dinâmico de sala de aula leva tempo e prática, sobretudo quando os alunos sabem como desestabilizar. Faça as coisas devagar e trabalhe a partir de uma posição de empatia e compaixão. Para se preparar para os inevitáveis testes à sua paciência, simule cenários na sua mente ou com um colega. “Imagine situações possíveis na sala de aula e planeje suas respostas antes do início do ano letivo”, aconselha Emily Terwilliger, professora do ensino médio que também atua como formadora de educadores. “Isso tornará as primeiras intervenções e redirecionamentos menos assustadores.”

Como de costume, priorizar as relações é um princípio fundamental: reserve tempo para os alunos e conheça-os melhor. Essa postura pode ajudar a atenuar conflitos futuros. Por fim, é importante saber deixar certas situações para trás e recomeçar; é fácil reagir fora de tom quando um aluno continua a se mostrar desafiador. Tente encarar cada dia como um novo começo.

* Do inglês “Canary in the coal mine”. A expressão se refere a algo ou alguém que serve como indicador antecipado de perigo ou problema iminente. Em minas de carvão, canários são sensíveis à presença de gases tóxicos. Se os canários ficassem doentes ou morressem, isso alertava os mineiros sobre o perigo. A expressão é usada figurativamente para descrever um sinal antecipado de risco ou problema.

Rio de Janeiro, Brasil - 2 de julho de 2015: Professor em foco, vista de costas, com uma sala de aula cheia de jovens estudantes uniformizados, sentados no chão, desfocados ao fundo.
Crédito: Maarten Zeehandelaar/DepositPhotos Desenvolver uma postura calma e estável em um ambiente dinâmico de sala de aula leva tempo e prática

Cuidado e empatia com quem mais precisa

Administrar uma sala de aula com a sua voz requer habilidade – use um tom demasiado rígido e exigente, e a pesquisa ao longo de décadas é clara: os alunos mais velhos em particular interpretarão isso como um desafio e vão se rebelar. Se for muito permissivo com os alunos, eles passarão muito tempo testando os limites do que podem fazer.

O tom ideal, segundo a professora de ensino fundamental Kristine Napper, é uma mistura de ambas as abordagens. “Nem altas expectativas nem corações gentis podem fazer o trabalho sozinhos”, diz. Ela aconselha a adotar um tom de “exigente afetuoso” que se concentra primeiramente em “construir fortes relações com os alunos” e depois “utiliza essa confiança adquirida para manter os alunos em altos padrões de engajamento com o conteúdo do curso.”

Quando os alunos se comportam mal na sala de aula, Nina Parrish, professora, vê isso como uma oportunidade para fazer perguntas criteriosas e procurar padrões. Algo desencadeou o transtorno? Os alunos estão buscando a atenção dos colegas, ou estão entediados? “Os comportamentos ajudam os alunos a conseguir algo desejável ou a evitar algo indesejável”, ela esclarece. Em vez de exigir conformidade imediata, encontre seus alunos no meio do caminho: estabeleça altas expectativas, mas também dedique tempo para entender o que os motiva.

Inquestionavelmente, haverá momentos em que você precisará aumentar o volume da sua voz ou falar de maneira mais incisiva com um estudante, mas essa estratégia deve ser usada com moderação. “Desenvolver uma voz calma, neutra e assertiva faz parte da autorregulação do professor, permitindo-lhes auxiliar os alunos a se autorregularem e proporcionando a segurança de que o professor será receptivo, mas também estará no controle”, diz Linda Darling-Hammond, presidente e CEO do Learning Policy Institute.

Salvador, bahia, brasil - 24 de julho de 2019: as crianças são atendidas em uma creche da Polícia Militar da Bahia, na cidade de Salvador.
Crédito: joasouza/DepositPhotos Prrofessora conversa com crianças em uma creche de Salvador

Uma dose do não-verbal

Administrar uma sala de aula não envolve apenas o tom de voz. Expressões faciais, gestos e postura corporal também comunicam, “auxiliando na facilitação do aprendizado do aluno”, destaca Lisa Gurley, professora da Samford University, em estudo de 2018. Os professores costumam adotar uma postura formal em sala, imitando um ambiente profissional. Entretanto, a distinção entre ser excessivamente autoritário e adequadamente controlador muitas vezes não depende do verbalizado, mas dos sinais não verbais que podem suavizar as percepções.

Você tem franzido a testa ou parecido irritado quando um aluno fala, sem se dar conta? Parece desdenhoso? Pesquisas sobre rastreamento ocular indicam que professores tendem a fazer contato visual com alunos da primeira fila e do centro. Portanto, considere circular pela sala e se esforçar para reconhecer os alunos sentados ao fundo e nas laterais.

Mesmo sendo naturalmente formal na fala e no comportamento, ainda é possível se conectar com os alunos. Eles são capazes de perceber e valorizar a autenticidade do ensino de diversas formas, segundo pesquisas recentes. Além disso, geralmente respondem de maneira positiva a professores que os tratam com dignidade e parecem acessíveis, mesmo que sejam mais formais em suas atitudes e discursos, comenta Amber Dickinson, professora de ciências políticas na Oklahoma State University, em estudo de 2017. Reconhecer os alunos com contato visual ou um aceno de cabeça pode “diminuir a distância psicológica” e ajudar a construir um relacionamento de confiança sem precisar verbalizar nada.

O caso da voz indireta

Vocalizar não é a única maneira de expressar o tom; a nossa voz influencia mesmo na ausência da presença física. Ao dar feedback (retorno avaliativo) sobre um trabalho, escrever e-mails ou interagir online, definir o tom adequado pode ser mais desafiador, mas ainda é essencial na comunicação com os alunos.

“Na sala de aula, um professor pode dar instruções curtas que os alunos compreendem e valorizam, mas um e-mail sucinto pode ser interpretado como frio ou indiferente”, observa Amber. Em seu estudo, ela percebeu que tentativas de comunicação eficiente e precisa, como passar instruções claras para enviar um trabalho, eram muitas vezes interpretadas pelos alunos como ríspidas. Sem os sinais não verbais que normalmente acompanham uma conversa presencial, sua persona online se tornou austera e distante, levando a um desengajamento dos estudantes.

Ao escrever para os alunos, é importante incluir toques pessoais, sugere. Isso não apenas os deixa mais à vontade, mas também pode promover uma cultura de sala de aula mais positiva e incentivar os alunos a pedir ajuda. “Por exemplo, eu incluí mensagens de encorajamento geral, como ‘Não desista, o semestre está quase acabando, e o seu esforço vai dar frutos’, ou lembrei os alunos de que estava à disposição para ajudá-los de qualquer forma”, ela relata.

* Publicado originalmente em Edutopia e traduzido mediante autorização
© Edutopia.org; George Lucas Educational Foundation


TAGS

educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, socioemocionais

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