Transformações pedagógicas dependem de uma gestão atenta a boas práticas
Seminário internacional em São Paulo reúne especialistas para debater o impacto das evidências e do uso de dados para a gestão pedagógica
por Ana Luísa D'Maschio 21 de junho de 2024
A ampla sala de cinema do Cine Marquise, um dos mais tradicionais de São Paulo (SP), transformou-se em uma reunião entre gestores escolares e de secretarias, especialistas e pesquisadores em educação nos dias 19 e 20 de junho, paraa quarta edição do Seminário Internacional de Gestão Educacional, realizado pelo Instituto Unibanco. A programação foi voltada ao debate de dados e evidências nas práticas administrativas, e como isso influencia o acompanhamento e a formulação de políticas públicas.
A expectativa de que as lideranças implementem transformações pedagógicas a partir de um grande volume de informações, muitas vezes apresentadas como receitas de bolo, tem se mostrado ineficaz e não leva em consideração a complexidade do sistema educacional, destacou Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, na abertura do encontro.
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“Gestores devem ser vistos como protagonistas deste processo. Juntamente com a comunidade escolar, eles formulam as perguntas essenciais que precisam ser respondidas: questões sobre problemas imediatos, recursos disponíveis, dificuldades enfrentadas e estratégias para alcançar objetivos”, disse.
Ricardo ressaltou que esses profissionais compreendem que nem todas as respostas estão no conhecimento científico disponível, tampouco encontradas na inteligência artificial. “A prática diária é muito relevante. É importante aproximar os mundos, de modo que os cientistas estejam próximos dos gestores escolares e vice-versa.” O Porvir acompanhou os dois dias do evento. Confira os principais destaques:
Desinformação versus contextualização
Para tratar da jornada sobre políticas públicas baseadas em evidências, Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (Universidade de São Paulo), apoiou-se na linha do tempo com a origem das notícias falsas e da avalanche de desinformação no Brasil e nos Estados Unidos.
Para tanto, apresentou a teoria da polarização assimétrica, desenvolvida pelo professor Yochai Benkler, da Universidade de Harvard (Estados Unidos). O conceito analisa como a desinformação se espalha de maneiras diferentes entre campos políticos de direita e de esquerda. “Observou-se que, na esquerda, a imprensa tradicional desmente falsas notícias, enquanto, na direita, veículos como a Fox News não corrigem a desinformação”, exemplificou Pablo.
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No Brasil, enfatizou, também há uma clara polarização comunicacional, com veículos tradicionais ocupando uma posição central e sites noticiosos que, assim como nos Estados Unidos, são definidos como “simulacros de jornalismo”, por não trabalharem com a veracidade, a checagem e a ética, fatores basilares da profissão. “A mídia tradicional é essencial na correção da desinformação, mas sua eficácia depende do alcance e da confiança em diferentes setores da sociedade”, pontuou.
Desafios entre ciência e gestão pública
Conectando o assunto mais diretamente à educação, o economista Ricardo Paes de Barros destacou a necessidade de colaboração eficiente entre cientistas, focados na produção dos dados, das evidências e na busca pela compreensão do mundo, e gestores, que querem transformar esse mundo. “A ciência deve estar no banco de trás, apoiando o gestor, que está no banco da frente tomando as decisões”, analisou.
De acordo com o economista, que também é professor do Insper, é preciso ampliar o acesso e a compreensão detalhada das evidências por parte dos gestores. “O cientista tem que documentar e descrever em detalhe de onde vem a evidência, e o gestor tem de ter paciência de estudar e entender a natureza daquela evidência”, afirmou.
Para tanto, é preciso lançar perguntas claras antes de buscar soluções. “Em primeiro lugar, precisamos definir um problema e, então, usar toda a ciência para entender por que o mundo funciona daquele jeito e como as políticas podem modificar esse problema”, disse, destacando a importância da abordagem cuidadosa e bem informada. “A comunicação entre o cientista e o gestor é essencial para a criação de políticas públicas eficazes.”
Pesquisa e prática
Constance A. Lindsay, da Faculdade de Educação da Universidade da Carolina do Norte (Estados Unidos), abriu a mesa “Dados e evidências na gestão pedagógica: a fronteira entre emancipação e controle”. Embora a força de trabalho docente nos EUA seja majoritariamente branca e feminina, Constance destacou um estudo que utiliza conjuntos de dados administrativos para explorar o impacto da diversidade racial entre professores.
“Nosso levantamento revelou que jovens meninos negros, que têm um professor negro nos primeiros anos de escolaridade, têm menor probabilidade de abandonar o ensino médio e maior probabilidade de frequentar a faculdade”, revelou. Além disso, a pesquisa explorou o efeito de equipes diversificadas de educadores para toda a comunidade escolar. “Descobrimos que novos professores brancos que trabalhavam com colegas negros apresentaram melhores resultados com alunos negros” destacou a pesquisadora.
Para complementar os dados quantitativos, foram realizadas entrevistas qualitativas com 33 professores. “Essas entrevistas revelaram que a aprendizagem sobre competência racial ocorre tanto formal quanto informalmente, com grande influência de fatores políticos externos e da cultura escolar”, explicou Constance, que ressaltou a urgência de a gestão pública e das políticas educacionais apoiarem cada vez mais a diversidade racial em seus espaços.
Prática para além do discurso
Colegas na Universidade de Stanford (EUA), Rachel Lotan, diretora do programa de formação de professores, e o pesquisador Fernando Carnaúba (que também integra o PED Brasil, rede de programas de formação de professores da educação básica), falaram sobre o papel da docência. “Ensinar torna todas as outras profissões possíveis”, disse Rachel, interrompida pelos aplausos da plateia.
Quais são os pontos que tornam programas de formação eficazes e eficientes? Como apoiar a transição dos educadores da sala de aula para os cargos de gestão? A resposta é unânime: é preciso ter conexão entre teoria e prática.
“Programas eficazes ligam a educação universitária à prática em sala de aula. Em Stanford, os candidatos a professor passam as manhãs nas escolas e as tardes em aulas universitárias. Eles também têm reuniões semanais com supervisores para discutir observações de sala de aula e questões relevantes”, explicou Rachel.
As explicações para os resultados dos alunos frequentemente focam em características individuais como motivação, hábitos e origens culturais. Por isso, para Rachel, “é crucial reconhecer o contexto mais amplo em que esses indivíduos operam, desde as salas de aula até as escolas, instituições municipais e regionais, até os níveis estadual e federal.” E complementa: “Ao fomentar a colaboração entre universidades e escolas, e enfatizar tanto a equidade quanto a excelência, podemos criar programas de formação de professores mais eficazes e coerentes.”
Experiência latina
Diretora da Faculdade de Educação da Universidade Diego Portales, em Santiago, no Chile, Paula Lozano fez uma análise crítica do conceito de gestão e de liderança pedagógica, ponto que acredita ser crucial para que a transformação educacional aconteça. “A liderança pedagógica vai além das responsabilidades administrativas, envolvendo a capacidade de mobilizar e inspirar equipes para alcançar objetivos educacionais”, afirmou.
Ela citou a Talis (Teaching and Learning International Survey), pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem, que coleta dados compatíveis internacionalmente, e revela como a percepção de bons diretores está fortemente associada às suas capacidades de liderança e gestão. “Uma gestão eficaz deve combinar ambos os aspectos para promover uma educação de qualidade”, destacou.
Paula também abordou como a gestão e liderança se manifestam em diferentes níveis: nacional, estadual e escolar. No nível nacional, Paula falou da necessidade de diretrizes claras e de instrumentos de avaliação. No nível estadual, destacou a proximidade com as escolas e a responsabilidade direta pelos resultados educacionais. No nível escolar, enfatizou que a qualidade da educação se concretiza na sala de aula. “A sala de aula é o lugar onde acontece o fenômeno pedagógico, e é lá que a qualidade da educação se materializa.”
Para apoiar a gestão pedagógica, a especialista mencionou a importância de instrumentos de avaliação que possam medir tanto os resultados quanto os processos de ensino-aprendizagem. “Instrumentos de avaliação que focam nos processos são fundamentais para profissionalizar a docência e garantir uma prática educativa de qualidade.” Ela também defendeu a proposta de que, “com base em evidências, é possível fortalecer a qualidade da educação e garantir que todos os estudantes tenham acesso a um ensino de excelência.”