Um currículo para o futuro dos estudantes
Cenário da pandemia reforçou a importância das competências para o século 21, que permitem a aplicação do conhecimento de maneira significativa
por Phil Lambert 28 de setembro de 2021
Há um esforço significativo sendo feito em todo o mundo para determinar quais são as habilidades, comportamentos e novos conhecimentos essenciais que os jovens precisam para ter sucesso na vida e no trabalho no século 21.
No centro desse trabalho está a importância das competências que os estudantes precisam desenvolver ao longo da vida escolar. Governos de todos os tipos e matizes políticas estão reconhecendo que, embora a obtenção e retenção de conhecimentos disciplinares específicos permaneçam fundamentais, os jovens precisam adquirir uma gama de competências se quiserem não apenas sobreviver, mas também prosperar no que agora é um mundo complexo.
Muito já foi escrito e dito sobre a importância das competências para o século 21. Enquanto alguns diriam que muitas dessas competências também eram necessárias em épocas anteriores, seu status cresceu consideravelmente. Sim, elas não são novas. No entanto, tornaram-se mais importantes recentemente.
Embora a prioridade dada a determinadas competências varie entre os países, existem algumas que foram identificadas como fundamentais para os objetivos educacionais no mundo contemporâneo. A decisão sobre o caminho a ser seguido se baseia em um consenso sobre as implicações da globalização, particularmente em relação ao trabalho, cultura e valores, resumidos na lógica da União Europeia para competências:
“Há um consenso crescente … de que os indivíduos precisam ser mais bem preparados para a mudança no ecossistema de vida e de trabalho no século 21. O conhecimento por si só não é suficiente; uma gama mais ampla de habilidades e aptidões é necessária para navegar em um cenário diferente.”
Este último ponto é particularmente importante porque, entre a lista de áreas de conhecimento que se espera que as escolas ofereçam, estão algumas que adquiriram legitimamente um status que é, em geral, incontestável. Ninguém está questionando seriamente, por exemplo, a necessidade de os alunos adquirirem uma boa compreensão e capacidade em relação aos conceitos básicos de letramento e numeracia. A alfabetização digital também atingiu agora o mesmo status. Essas são competências fundamentais.
No entanto, a natureza e o ritmo das mudanças nos últimos anos colocaram em foco a aceitação de que as competências que os alunos de hoje precisam para uma vida plena se estendem muito além das exigidas pelos jovens de outros tempos. A pandemia de 2020-2021 trouxe à tona a natureza imprevisível da vida contemporânea e as muitas habilidades e disposições necessárias para lidar com mudanças imprevistas e distinguir fato de opinião, agir com responsabilidade e enfrentar tempos desafiadores.
O impulso para a reforma é um imperativo. Também é irreversível.
Existem motivações comuns (embora não planejadas) sobre as quais os países estão respondendo, a fim de preparar jovens como cidadãos e trabalhadores de amanhã, para um mundo reconhecido como volátil, imprevisível, complexo e ambíguo.
Um fator-chave é a necessidade de os jovens adquirirem conhecimentos, habilidades e disposições relacionadas à competitividade econômica causada pela transição de uma economia baseada na informação para uma baseada no conhecimento (onde novos conhecimentos são vistos como agregação de valor), especialmente baseada em rápidos avanços tecnológicos. Daí o interesse global em assuntos STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em português) e competências como empreendedorismo, pensamento criativo e inovação. Essas competências são consideradas pelo seu potencial para criar novos conhecimentos, transformar o trabalho e criar novas formas de emprego.
Um segundo motivador é a necessidade de prover aos trabalhadores de amanhã competências altamente valorizadas no e pelo setor empresarial e seus clientes e consumidores (locais e globais), como pensamento crítico, resolução de problemas, colaboração, cooperação, global competência, iniciativa e inovação. Essas competências, frequentemente chamadas de habilidades socioemocionais, são vistas como qualidades valiosas para uma participação ativa e eficaz no mundo do trabalho. Fluidas, maleáveis e flexíveis, elas são competências essenciais em um ambiente de trabalho que passa por rápidas mudanças.
O terceiro elemento diz respeito a disposições relacionadas a atitudes e valores considerados universalmente aceitos pela comunidade mais ampla, como respeito, responsabilidade, compaixão e empatia. Essas competências apoiam e ajudam a estabelecer e manter a coesão social, a equidade, os direitos humanos, a cidadania, a inclusão e a união.
Um quarto fator é a necessidade de dotar os jovens de conhecimentos, habilidades e disposições necessárias para se relacionar com os outros, manter o esforço em face de contratempos, realizar seu potencial e construir um futuro positivo, saudável e produtivo. O desenvolvimento dessas competências é visto como fundamental para o bem-estar do aluno e essencial para a vida adulta. Eles também são vistos como valiosos para acessar e manter empregos e para gerenciar com sucesso as crescentes demandas de trabalho.
Outro motivador é o aumento da valorização das qualidades estéticas comumente exploradas e engajadas por meio das artes, bem como as responsabilidades associadas à proteção ambiental. Daí a necessidade de compreender e agir de forma a sustentar a si e ao planeta, desenvolver e celebrar o patrimônio cultural e a expressão criativa.
Quando consideradas em conjunto, as mudanças desejadas dizem respeito a preparar os jovens com competências que contribuam para o bem-estar do indivíduo, da comunidade local, do país e do planeta e de sua gente: bem-estar econômico, social, ambiental e pessoal. Em essência, os países desejam que seus jovens sejam:
● capazes de se comunicar em e para várias circunstâncias e propósitos, tornando-se pensadores críticos e analistas de dados (letramento e numeramento);
● ágeis – com flexibilidade de espírito e habilidades para responder a circunstâncias desconhecidas ou inesperadas;
● compassivos e empáticos – comprometidos com a redução da violência e com o respeito aos outros;
● inovadores – com habilidades e atitudes empreendedoras e inovadoras; criativos; com a capacidade e o desejo de criar o novo;
● reflexivos, responsivos e críticos – demonstrem comportamentos sociais empreendedores, bem como habilidades sociais;
● pensadores globais – considerem os impactos locais e globais decorrentes de ações e respostas;
● letrados digitalmente – com habilidades para se adaptar às novas tecnologias, aproveitar oportunidades e também compreender e gerenciar riscos;
● positivos sobre o próprio potencial e contribuição – resilientes, persistentes e participativos;
● justos – valorizem a sustentabilidade (social; ambiental; econômica); éticos;
● confiáveis – demonstrem consideração pelos outros, colaborando, demonstrando autocontrole e sendo confiáveis.
Embora essas competências sejam frequentemente identificáveis em documentos e nos objetivos e metas presentes nos sistemas educacionais, ainda devem ser consideradas as implicações na tradução da intenção em resultados reais da escolaridade. Acima de tudo, é necessário atingir o alinhamento entre o que e como os professores ensinam, como os alunos aprendem, como a aprendizagem é avaliada e como o progresso e resultados são relatados.
A reforma nessas áreas é alcançável, mas deve ser feita em todas as áreas, não em uma ou em algumas dessas áreas: currículo, ensino e aprendizagem, avaliação e relatórios.
Alguns veem essas mudanças como significativas para os professores. É importante ressaltar, entretanto, que as competências não são disciplinas novas a serem ministradas adicionalmente ao conteúdo curricular. Algumas competências têm “espaços naturais” em uma ou mais áreas de conhecimento, enquanto outras podem estar em primeiro plano em várias. Dessa forma, o currículo passa a ser enriquecido pelos comportamentos enfatizados por meio de competências.
Em redes de ensino onde tais mudanças já aconteceram, os alunos não são mais recipientes passivos de conhecimento, nem são obrigados a anotar para reproduzir depois, a fim de passar em exames. Em vez disso, eles estão envolvidos em sua aprendizagem, aprendendo habilidades que lhes permitem aplicar o conhecimento de maneiras significativas, ver a relevância no que estão aprendendo, têm a capacidade de usar uma variedade de habilidades em contextos familiares ou novos e compreender a natureza inter-relacionada do que estão aprendendo.
Os desafios não devem ser subestimados. No entanto, se quisermos ver jovens desenvolvendo as competências de que precisam para navegar nas complexidades da vida e trabalhar para o seu futuro e para o benefício de seu país e do planeta, o empreendimento não pode mais ser adiado ou evitado. Nossos jovens não merecem nada menos que isso.
Phil Lambert
É especialista em currículo da iniciativa OECD Education 2030, Presidente Nacional do Australian College of Educators e professor adjunto da Universidade de Sydney