Uma escola só para meninas grávidas e seus bebês
Na Catherine Ferguson Academy, nos EUA, são aceitas jovens de qualquer idade, que estudam com plano de aulas personalizado
por Mariana Fonseca e Vagner de Alencar 8 de março de 2013
Dezenas de meninas chegam bem cedinho, tomam café da manhã e logo vão amamentar seus bebês. Ao contrário do que parece ser uma creche, a descrição a cima é de uma escola nos Estados Unidos exclusiva para mães adolescentes grávidas ou com bebês. Localizada em Detroit, nos EUA, a Catherine Ferguson Academy é uma charter, escola pública de administração privada. Lá, as jovens não são separadas por turmas e assistem as aulas de acordo com o currículo montado por elas mesmas, que, inclusive, reserva um espaço para “deixar as meninas serem também meninas”. “Há o momento para que elas também brinquem com os amigos, fofoquem sobre os rapazes, riam. Elas são mães adolescentes, mas também são meninas e precisam viver isso. Há quem se esqueça disso”, afirma a diretora da escola, que esteve no SXSWedu e falou com o Porvir.
“Aceitamos jovens de qualquer idade, a partir do momento em que engravidam. E não dividimos elas por séries, elas fazem as provas oficiais do governo, mas na escola não são separadas assim”, afirma a especialista em psicologia da educação Asenath Andrews, há mais de duas décadas à frente do colégio, que foi premiado em 2004 pelo Breakthrough Schools (Revelação Escola de Ensino Médio, em tradução livre), dado às escolas que atendem alunos em situação de alta vulnerabilidade.
No cotidiano escolar da Catherine Ferguson Academy, enquanto as cerca de 100 mães se incumbem de suas atividades acadêmicas, seus filhos vão para salas onde formam turmas de acordo com a faixa etária: bebês de duas semanas a oito meses ficam numa turma; de oito a 16 meses, em outra; de 16 meses a dois anos, noutra sala. Já apartadas dos filhos, as mães seguem então rumo aos professores. Ao lado deles, precisam traçar o plano de aulas para um trimestre, o Big Picture.
Nesse calendário de atividades, as meninas escolhem as matérias que precisarão cumprir os créditos. Elas leem, pesquisam, trabalham em uma fazendinha instalada dentro da escola, escrevem um roteiro para um vídeo e até mesmo recolhem os ovos das galinhas de acordo com o tema que elas tem interesse. A cada dez semanas, elas precisam cursar ao menos três disciplinas. A escolha delas é livre e as jovens podem decidir a partir dos temas que considerem importantes para suas vidas, sejam eles relacionados a música, língua inglesa, matemática, entre outras. “Quanto mais experiência essas crianças e jovens tiverem elas terão mais oportunidades de escolhas e chances de fazer novas coisas. Seja aprender a fazer uma torta, como faz queijo com leite cabra, tudo isso fica na cabeça delas e elas podem tirar quando precisarem.”
Ao final desses dois meses e meio, as meninas são avaliadas pelas apresentações que fazem sobre o que aprenderam em seus projetos. “Você não sabe o que funciona para os estudantes até você tentar. Se você trabalhar para um número suficiente de crianças e funcionar, ok, se não, má ideia”, afirma a educadora, que vem sendo reconhecida por sua luta a favor do direito ao fazer. Em paralelo às atividades na escola, Asenath é fundadora de uma rede de mulheres profissionais em Detroit e membro da força-tarefa de um comitê nacional de prevenção da gravidez na adolescência.
As jovens ficam na escola até completarem os créditos e concluírem o ensino médio – no máximo, até os 20 anos. Para se formarem, todas precisam estar inscritas para alguma universidade. “Se elas não se inscreverem, nós não damos o diploma, mesmo que ela não vá pra uma outra universidade. Se elas decidirem ir, sabemos que fora da escola elas terão menos pessoas para ajudar a pensar sobre financiamento, procedimentos de inscrição. Queremos que elas tenham essa opção”, diz Asenath.
No cronograma escolar, também estão incluídas atividades na comunidade e em regiões mais próximas. As alunas vão a bairros vizinhos e ajudam a construir casas para colegas que não têm onde morar, por exemplo. Além disso, todos os anos, as jovens também fazem viagens internacionais como forma de aprendizado. No passaporte das garotas já foram carimbados roteiros para a Etiópia e África do Sul.
A um passo da universidade
De acordo com Asenath, nos EUA há o maior índice de mulheres grávidas em relação aos países desenvolvidos. No país, segundo ela, existem outras quatro escolas que adotam o formato. “Se as mães não terminarem o ensino médio, essas crianças têm menos chance de futuro”, diz ela, que planeja criar um modelo mais estruturado, que orientem melhor as meninas à universidade. Sua ideia é acompanhar a vida dessas meninas até os três primeiros anos de faculdade. “Quando as deixamos na universidade não temos para quem entregar e pedir acompanhamento, gostaríamos de acompanhar por mais tempo”, afirma.
A partir desse direcionamento à universidade, as meninas são levadas anualmente para conhecer universidades onde podem cursar o nível superior. “Elas têm que lutar contra essa estatística ou essa pressão negativa. Levamos elas não para que achem a universidade legal, mas para provar que tem gente burra e pobre na universidade também. Elas não precisam se intimidar, achar que é coisa de gente muito rica ou muito inteligente”, diz a diretora, que aponta que a formatura dessas meninas no ensino médio como uma prova de que uma gravidez na adolescência não impede ninguém de continuar a sonhar. “Todos os anos eu choro na formatura das turmas, porque é como se elas dissessem que estão contrariando as expectativas. Estão ali se formando e podendo ir para a universidade.”
A editora do Porvir, Mariana Fonseca, acompanha o SXSWedu de Austin.