A urgência de futuros dignos para as juventudes negras - PORVIR
José Cruz / Agência Brasil

Inovações em Educação

A urgência de futuros dignos para as juventudes negras

Painel realizado em evento promovido pelo Ceert discutiu como as juventudes, sobretudo de pessoas negras, podem visualizar futuros dignos, sustentáveis e possíveis

por Ruam Oliveira ilustração relógio 27 de setembro de 2024

Certo dia, Daniela Bueno, publicitária e fundadora do Manas, coletivo de networking de executivas negras, teve uma conversa com uma de suas filhas. O assunto era se ela queria ou não se casar. “Como assim, casar? A gente vai morrer”. A resposta inesperada a alarmou. Veio também no coletivo: a gente. “Você não está vendo esse monte de desgraça climática? Eu não tenho sonho, nem faço planos porque não sei se vou estar viva na minha fase adulta”, disse a menina. 

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O forte depoimento destaca como se sentem muitos jovens no Brasil, sobretudo as  pessoas negras. Essa projeção de futuros, amparada na reflexão sobre crise climática, transição justa e sonhos possíveis e sustentáveis, foi mote para o debate  do painel “Pela juventude negra, um futuro digno: transformando o Brasil a partir das margens”, promovido pelo CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) durante a terceira edição do “Diálogos Antirracistas: educação democracia e equidade”, no Sesc Pinheiros, em São Paulo (SP), no último dia 25. 

Para Daniela, a resposta dada pela filha é também um retrato da falta de perspectiva que muitos jovens vivenciam. As mudanças climáticas, por exemplo, são a causa de adoecimento mental de muitas pessoas, e levam a quadros de ansiedade climática (que é a ansiedade proveniente de uma preocupação excessiva com os impactos do clima). 

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“O que responderemos para os nossos filhos, alunos, pessoas que estamos criando para serem adultos funcionais, com uma vida digna? Acho que a nossa função é alimentar uma semente de esperança”, afirmou. 

Só existe uma forma de sonhar? 

Gabriela Alves, cofundadora do Perifa Sustentável, instituto focado no desenvolvimento da pauta climática nas periferias, criticou o que chama  de “monocultura do sonho” apresentada aos jovens. “Hoje se vende apenas um futuro possível para o jovem. A única forma que nós temos de pensar um futuro é de maneira monetária, não tem outra lógica”, destacou. 

O que é apresentado como sonho de ascensão para os jovens, segundo Gabriela, é somente pelo viés financeiro, impossibilitando outras formas de enxergar o futuro e se colocar no mundo. 

“Hoje em dia [o pensamento é de que] eu preciso comprar uma casa, eu preciso ter, e depois morrer. É uma lógica de ascensão que vem muito do eurocentrismo e sabemos bem que esse lugar cultural nos força a não explorar outras formas de plantar o sonho”, ressaltou. “Quando nós somos forçados a essa monocultura, a  ter uma só forma de sonhar, a gente cai nesse lugar individualista não porque somos essencialmente ruins, mas sim porque a gente também está tentando sobreviver”, afirmou. 

Remetendo aos saberes ancestrais, a analogia da monocultura apresentada pela comunicadora também evidencia o que de ruim pode acontecer com o solo. “A monocultura descamba em desertificação do solo e nos mata aos poucos. Nós precisamos resgatar nossas sementes crioulas”, disse. Ainda usando o plantio como figura para sua argumentação, Gabriela reforçou que é por meio da diversidade que haverá fartura e possibilidades dignas. 

Individualismo forçado e perspectivas do por vir

Gabriela ressaltou que essa lógica recai em um individualismo que não é necessariamente buscado pelos jovens, mas que eles são forçados a viver devido ao sistema que exige esse tipo de postura. “Há uma pressão nessa fase da vida de se tornar alguém, de se desafiar para produzir, e esse lugar também sufoca esse jovem.”

A transição justa, para a comunicadora, é uma nova possibilidade de sonhar. O conceito diz respeito a uma mudança de paradigma na economia, que sai de  uma visão extrativista em direção à sustentabilidade e respeito ao clima, visando maior dignidade e erradicação das desigualdades. 

As debatedoras destacaram que o futuro precisa ser construído no coletivo, em contraposição ao individualismo praticado atualmente. “É interessante pensarmos que só existe um lugar para juventude negra se a gente pensar esse processo de construção coletiva de futuros integrados”, ressaltou Luanda Mayra, gestora do Programa Prosseguir e da área de Juventudes Negras do CEERT. 

Luanda ainda ressaltou que a população negra deve estar sempre atenta ao fato de que as juventudes não se constroem sozinhas e devem recorrer a outras formas de pensar, como em uma proposta de aquilombamento – terminologia que se refere à criação de espaços seguros e de acolhimento para pessoas pretas e grupos marginalizados, como escreve Abdias Nascimento em “Padê de Exu Libertador” (1981).

Daniela  reconhece nos jovens periféricos um senso de coletividade grande, em uma lógica semelhante à sugerida por Luanda. “Os jovens periféricos não podem ser individualistas, isso nunca passou pela cabeça deles. Eles têm que viver pelo coletivo, senão eles não conseguem avançar”, concluiu.


TAGS

educação antirracista, educação climática, ensino fundamental, ensino médio

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