O homem que inverteu a sala de aula antes da tecnologia - PORVIR
FrunzK / Fotolia.com

Inovações em Educação

O homem que inverteu a sala de aula antes da tecnologia

Pai da educação entre pares, Eric Mazur chega ao Brasil para difundir método; palestra gratuita no Insper tem inscrições abertas

por Tatiana Klix ilustração relógio 19 de março de 2014

Em 1991, o professor de física de Harvard Eric Mazur, insatisfeito com o aprendizado de seus alunos, resolveu mudar a forma como ensinava e aboliu a transmissão de conteúdos na sala de aula. Seus estudantes deixaram de receber lições expositivas e passaram a ler as matérias em casa, enquanto nas aulas respondiam perguntas por computador sobre as lições e discutiam seus conhecimentos com os colegas. Como resultado, começaram a aprender muito mais.

A experiência se tornou um método, batizado de peer instruction (aprendizado entre pares), que vem sendo adotado em universidades do mundo todo, em aulas de todas as disciplinas. “O que a formação por pares faz é colocar a parte fácil da educação – a transmissão da informação – para fora da aula, e a parte difícil – dar sentido à informação – para dentro”, explica o inventor do método, que além de ter um livro sobre a abordagem (Instruction: A User’s Manual, sem tradução em português), trabalha desde a década de 90 para disseminar suas ideias.

Nesta quarta-feira (19), Mazur participa no Centro Universitário Salesiano de São Paulo, em Lorena, do lançamento de um consórcio entre 14 instituições de ensino brasileiras e a Laspau (Academic and Programs for the Americas), organização filiada à Universidade de Harvard, dos EUA. Essas universidades vão adotar o método gradualmente em seus cursos. Para isso, Mazur ajuda na formação dos primeiros professores que vão usar a metodologia. A intenção do consórcio é capacitar 300 professores em três anos.

Já na na sexta-feira (21), apresenta a palestra “Memorization or understanding: are we teaching the right thing?”, no Insper, em São Paulo. A participação é gratuita e as inscrições estão abertas.

Em entrevista por telefone ao Porvir, o físico explicou as vantagens de seu método de ensino e adiantou a mensagem que deixará aos professores brasileiros nos dois eventos. Leia os principais trechos da conversa:

 

Erik Mazur, professor de Harvard que criou o termo peer instructioncrédito Divulgação

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Qual será o principal benefício que as universidades brasileiras que estão começando a usar o método de formação por pares terão com essa experiência?

Os estudantes que serão ensinados por esse método vão aprender significativamente mais do que os ensinados pelo método tradicional de lições expositivas. E eu digo isso não apenas porque já vi o progresso dos meus próprios alunos, mas porque nos últimos 23 anos, no mundo todo, em aulas de diferentes disciplinas, ficou comprovado que o ensino ativo (active learning), que coloca o foco no estudante, beneficia os próprios estudantes.

Inovação significa mudar o jeito que as coisas acontecem de uma maneira dramática. Enquanto existir o modelo tradicional de ensino baseado em lições, o que eu acredito que ainda acontece em 99% das classes do mundo, a formação por pares – ou qualquer outro método de ensino ativo – ainda pode ser chamada de inovadora

E quais podem ser as dificuldades que essas universidades e seus professores enfrentarão para implantar o novo método?

Mudar é difícil, especialmente na universidade, que mudou muito pouco nos últimos 400 anos. Se você observar a maneira como ela ensina atualmente, verá que não é muito diferente do jeito que se ensinava há centenas de anos. Na sala de aula, existe uma pessoa falando em frente aos alunos, que anotam tudo o que ele diz. Além disso, os professores ainda estão satisfeitos com a maneira como atuam. Então, é bem difícil mudar, é preciso estar convencido de que a mudança é necessária, mas os professores estão satisfeitos em ser o centro das atenções na sala de aula, principalmente porque a maioria deles não se dá conta de quão pouco seus alunos aprendem.

O senhor afirmou que tem provas de que seus alunos aprendem mais pelo método formação por pares. O senhor mediu o aprendizado deles?

Sim, claro. Eu sou um físico, para mim avaliar e medir é extremamente importante. Desde que comecei a trabalhar dessa forma, em 1991, tenho feito isso. No início do semestre, eu dou aos estudantes uma espécie de teste, que eu nem chamo de teste, mas é uma série de 30 perguntas para avaliar o entendimento deles sobre o conteúdo que estou ensinando. Depois, eu ensino e avalio novamente no fim do semestre. Eu meço no primeiro dia de aula e no último. Já fazia isso quando ensinava pelo modelo tradicional e continuei fazendo na nova abordagem. Esse mesmo tipo de avaliação também foi feita por muitas outras pessoas, de diferentes instituições, diferentes países, e o resultado é que os alunos que são submetidos à formação por pares sempre aprendem muito mais.

Esse teste, que o senhor não chama de teste, é diferente dos exames usados por professores do método tradicional?

É bem diferente. Eu uso não apenas um modelo, mas vários tipos de avaliações que foram desenvolvidas por pesquisadores educacionais e são focados em medir o aprendizado.

Se você for a uma escola infantil, não verá crianças ouvindo uma aula expositiva, elas aprendem fazendo. Mas depois disso, não. As circunstâncias mudaram, a tecnologia também, mas a maneira como aprendemos, não

Qualquer professor pode passar a ensinar pelo método de formação por pares?

Quando comecei a desenvolver o método, achei que poderia ser usado apenas para ensinar ciências, porque se adaptaria para o tipo de perguntas que eu faço nas classes, que têm sempre uma resposta certa e errada. Mas há muitas disciplinas, como história, ciências sociais, literatura, que nem sempre têm respostas objetivas e envolvem interpretação e opinião. Após publicar meu livro, em 1996, descobri que vários professores de disciplinas das áreas de humanas começaram a usar o meu método, tirando o foco do professor nas aulas e colocando no aluno. Nesses últimos 23 anos, desde que comecei a desenvolver essa abordagem, cheguei à conclusão de que ela pode ser usada para ensinar qualquer disciplina que envolve pensamento crítico. Entretanto, muitos professores gostam de ficar em frente aos alunos da classe apenas entregando a informação, em vez de mudar o foco para os estudantes. Então, intelectualmente, minha resposta é “sim, pode ser adotado por qualquer professor”, mas mestres, por suas personalidades, podem não gostar de perder o controle que têm numa sala de aula tradicional.

É possível que alguns professores nunca tenham pensado sobre mudar o foco de suas aulas, porque nem imaginavam que isso fosse necessário ou possível. Nesses casos, como você os ensina a fazer diferente?

Essa é uma das razões pelas quais eu estou indo para o Brasil. Novas ideias se espalham lentamente e as pessoas precisam, em primeiro lugar, estar convencidas de que elas são boas. Depois, é preciso mostrar a elas como introduzir as novas ideias. Esse é um dos meus trabalhos, é o que tenho feito nos últimos 20 anos. Eu publiquei um livro, que foi traduzido em muitas línguas. Alguns professores brasileiros também já visitaram minhas classes e trabalharam no meu grupo de estudos, e eles estão ajudando a disseminar essas ideias entre os professores brasileiros.

Eu não concordo com pessoas que dizem que os estudantes mudaram, que eles não prestam atenção, eu acho que essas pessoas estão tirando o foco do que é importante. O funcionamento do cérebro para aprender não muda tão rápido. Minha resposta é: os alunos não são muito diferentes

O seu método já tem 23 anos. Se pensarmos em como o mundo está se transformando rapidamente, como as pessoas mudaram a maneira como se comunicam, é bastante tempo. Os alunos mudaram durante esse período?

A mente humana é apta a aprender há milhares de anos. O jeito que aprendemos agora não é tão diferente da maneira que aprendíamos há 10, 20, 100 ou até 1.000 anos atrás.  Nós podemos aprender fazendo, embora essa não seja a maneira que a maioria de nós aprendeu até agora, a não ser no jardim da infância. Se você for a uma escola infantil, não verá crianças ouvindo uma aula expositiva, elas aprendem fazendo. Mas depois disso, não. As circunstâncias mudaram, a tecnologia também, mas a maneira como aprendemos, não. Os estudantes agora podem ter hábitos diferentes, mas aprendem do mesmo jeito.  Eu não concordo com pessoas que dizem que os estudantes mudaram, que eles não prestam atenção, eu acho que essas pessoas estão tirando o foco do que é importante. O funcionamento do cérebro para aprender não muda tão rápido. Minha resposta é: os alunos não são muito diferentes.

Isso significa que o método, 23 anos após ser criado, ainda pode ser considerado inovador ou é necessário fazer uma nova transformação?

Inovação significa mudar o jeito que as coisas acontecem de uma maneira dramática. Enquanto existir o modelo tradicional de ensino baseado em lições, o que eu acredito que ainda acontece em 99% das classes do mundo, a formação por pares – ou qualquer outro método de ensino ativo – ainda pode ser chamada de inovadora. Acredito que as mudanças não podem acontecer muito rapidamente. Se você muda o seu modo de ensinar muito rápido, as pessoas vão se assustar e se recusar a mudar. É importante que as pessoas tenham seu tempo para se acostumar com as transformações e se apropriar delas. Eu não quero chegar ao Brasil e dizer aos professores como eles têm que ensinar. Em vez disso, eu vou contar a eles o que aconteceu nas minhas classes, como eu ensinava, como passei a fazer e como meus alunos começaram a aprender mais. E vou deixar eles chegarem às suas próprias conclusões. Se gostarem da minha mensagem, podem decidir mudar também.

O senhor já esteve no Brasil e fará uma nova visita essa semana. Quais são as suas impressões sobre os professores no país? Eles estão abertos a mudanças?

Eu já estive na USP e na Universidade Federal de São Carlos, também já dei workshops para professores brasileiros em Harvard. Sempre fiquei bem impressionado pelo interesse e desejo deles de aprender novos métodos de ensino e experimentar.

Não quero chegar ao Brasil e dizer aos professores como eles têm que ensinar. Em vez disso, eu vou contar a eles o que aconteceu nas minhas classes, como eu ensinava, como passei a fazer e como meus alunos começaram a aprender mais. E vou deixar eles chegarem às suas próprias conclusões

Em suas aulas, o senhor usa um sistema pelo qual os alunos respondem a perguntas, e normalmente organiza as salas de aula de forma diferente. Para implantar a educação por pares é necessário o suporte tecnológico e um ambiente favorável ou algum professor que se interesse por mudar o jeito de ensinar, mas não seja de uma universidade que esteja fazendo esse movimento, consegue fazer isso?

A formação por pares não é uma tecnologia, é a mudança de foco que interessa. Muitas pessoas olham a formação por pares agora e se apaixonam pela tecnologia. Elas começam a ensinar desse jeito porque querem usar o sistema, o ambiente diferenciado da sala de aula, mas nas minhas palestras em São Paulo vou enfatizar e demostrar como você pode usar esse método sem tecnologia. É importante entender que não é um novo método tecnológico, mas pedagógico.

O senhor pode adiantar um pouco do que vai falar na palestra no Insper em São Paulo?

Tenho uma mensagem muito importante a passar. Eu vejo educação como um processo de dois passos. O primeiro é transmitir informação, o segundo é proporcionar harmonia ao aluno, é fazer com que ele chegue àquele momento em que diz: “Sim, eu entendi!” No método tradicional, o professor coloca toda a atenção no primeiro passo, na transmissão da informação aos estudantes, fazendo uma exposição em frente à classe. Na minha abordagem de ensinar, é o estudante que se responsabiliza pela informação. O que a formação por pares faz é colocar a parte fácil da educação – a transmissão da informação – para fora da aula e a parte difícil – dar sentido à informação ­– para dentro. O que eu quero demonstrar para os professores com quem conversarei nos próximos dias é que, ao focar na transmissão de dados, muitos alunos não terão a oportunidade de assimilar e analisar a beleza dos conteúdos que estamos tentando ensinar. Eles só vão memorizar, mas isso não é aprender. Aprender é muito mais profundo. Vou mostrar que não é muito difícil mudar essas duas partes da educação, tirando a transmissão para fora da sala e colocando o entendimento para dentro dela. Essa será minha principal mensagem.


TAGS

aprendizagem colaborativa, formação continuada, sala de aula invertida

Cadastre-se para receber notificações
Tipo de notificação
guest

8 Comentários
Mais antigos
Mais recentes Mais votados
Comentários dentro do conteúdo
Ver todos comentários
Canal do Porvir no WhatsApp: notícias sobre educação e inovação sempre ao seu alcanceInscreva-se
8
0
É a sua vez de comentar!x