A magia da Green School
Eduardo Shimahara, do coletido Educ-ação narra sua visita e suas impressões sobre a escola mais visitada da Indonésia
por Eduardo Shimahara 21 de março de 2013
Existe uma escola no meio da floresta ao norte da cidade de Ubud, no coração da ilha de Bali na Indonésia. Ficamos sabendo da sua existência por meio da TEDTalk de John Hardy, seu fundador. Assistindo ao vídeo tudo parece ser bonito demais, mágico demais para ser verdade e decidimos em outubro do ano passado fazer uma visita, para ouvir também o ponto de vista de outros participantes daquela comunidade. Quase 29 horas depois de embarcar no aeroporto internacional de São Paulo, eu aterrissava em Depansar, capital da ilha.
A cultura balinesa é um capítulo à parte. Bastante devastada e literalmente varrida do litoral da ilha, onde se alastram mais e mais imensos resorts de praia, ainda se mantém de certa forma intacta no interior. Ali, homens e mulheres ainda vestem suas roupas tradicionais como o Sarung usado pelos homens, que de certa forma lembra uma saia longa que vai até a altura do calcanhar. Poucos quilômetros ao norte de Ubud esta a Green School, uma escola internacional como as outras 16 (!) que existem na mesma ilha. Tive a chance de ficar hospedado no Bamboo Village, um pequeno vilarejo com quase uma dezena de casas totalmente construídas de bambu onde moram alguns professores, pais e acomoda até mesmo uma casa que é compartilhada por oito estudantes menores de idade que ali moram junto com um casal de tutores.
A experiência de ir para a Green School a partir da Bamboo Village é mágica pura. Depois de acordar com os sons da floresta, com sapos, cigarras e também galos dos vilarejos vizinhos, você caminha por uma estreita escada entalhada na pedra e chega a uma ponte que parece ter saído de alguma fábula ou até mesmo de um dos filmes da série Senhor dos Anéis. A ponte passa sobre o belíssimo Rio Ayung e te leva direto para o campus.
A escola é praticamente inteira construída de bambu, material abundante e renovável nesta região. O bambu é cortado, torcido, dobrado, moldado, formando telhados em hélice, salas de aula suspensas, mobiliário lindíssimo. É o bambu levado a uma outra dimensão. E para acompanhar, parece que tudo isso ainda é completado pelos sons das aulas de marimba, pelos risos das crianças e jovens e também pelas cores das frutas, animais, e obras de arte feitas pelos alunos.
Na Green School, 80% da energia elétrica consumida é captada através de painéis solares expostos sobre hastes de bambu que fazem o conjunto lembrar uma floresta. Planos ainda mais audaciosos incluem levar este nível para 100% e um grupo com vários pais envolvidos está testando tecnologias com turbinas horizontais num vortex criado a partir da água do rio. A temperatura na região chega fácil aos 30oC e o nível de umidade alcança mais de 75%, mas nenhuma sala ou local tem ar condicionado, com exceção do pequeno caixa eletrônico alimentado inteiramente por energia solar.
Nascida em 2007, a escola tem hoje cerca de 200 alunos que vêm de várias partes do mundo para frequentar suas classes que acolhem desde o jardim da infância ate o ensino médio completo. Existe um plano para que 20% destes alunos sejam bolsistas da Indonésia, mas este numero hoje chega a 10% do total. Não é uma escola barata (mensalidades em média custam US$ 1.000,00 por aqui), a língua usada nas salas de aula é o inglês e em várias classes o bahasa – idioma local – é ensinado. “Mesmo com a bolsa de 100%, muitos jovens da Indonésia acabam desejando ir para os Estados Unidos ou Europa para estudar”, diz Tim Fijal, responsável pela área de inscrições da escola. Tim também é responsável pelo tour que acontece todos os dias às 15h. Neste tour, pessoas do mundo inteiro atraídas pela arquitetura, pelo modelo ou mesmo pela curiosidade passeiam pelo campus e é muito interessante observar em quase todas elas um olhar de incrível espanto e admiração.
O currículo tem nível internacional e deve preparar alunos para frequentar as melhores universidades do mundo (se este for o desejo deles), mas ainda vai muito além disso. Baseado no estudo de Alan Wagstaff, que trabalha de forma integrada com 4 dimensões simultaneamente, são elas: emocional/social, espiritual, intelectual e sinestésica. Estas dimensões devem estar presentes nas aulas de forma absolutamente sinérgica ao tema que se está trabalhando. Além disso, os dias aqui passam por um momento de estudos, um momento de reflexão e um momento imerso no campus, fora da sala de aula.
Nos 5 dias que passei literalmente imerso na escola, pude conversar com pais, alunos, professores e também outros funcionários. Música, drama, estudos ambientais, espiritualidade, tudo se mescla para tentar nutrir o interesse de cada aluno, fazendo com que ele seja exposto a uma série de experiências dentro e fora de sala de aula. Aliás, aqui me parece bastante difícil dizer o que é dentro ou o que é fora, já que as salas não têm paredes e se integram perfeitamente ao ambiente.
Perguntei a Sarita Pockell – professora de drama – qual era a diferença entre “lecionar” drama na Green School e em qualquer outra escola onde já tenha sido professora. Com um sorriso que mescla ironia e excitação, ela me diz: “Drama na Green School é uma parte do currículo tão importante quanto qualquer outro assunto e não somente um momento de descontração”. Enquanto conversávamos, um grupo de crianças sorri e corre atrás de um sujeito loiro com um chapéu de folhas trancadas que segura em suas mãos uma raiz. Ele é Matt Shroads, professor de ciências ambientais. Para Matt seu papel na escola é descrito com uma simples frase: “Meu papel é fazer esses garotos olharem para a Natureza e dizerem ‘uau’!”.
Quando chega a hora do almoço, dois pequenos buffets são organizados no salão principal. Um deles tem comida mais ocidentalizada e pode ter macarrão, ou algum tipo de fritura. Do outro lado, um buffet de comida balinesa, onde figuram pratos como o Gado-Gado, um cozido vegetariano com um delicioso molho com base de amendoim. As refeições são servidas sobre folhas de bananeira, o que leva praticamente a zero o resíduo não biodegradável. Refrigerantes, ou comida industrializada parece ser algo de outra dimensão. Por aqui não existe. A origem de quase tudo que é servido vem do próprio campus, que na Green School, é cheio de hortas, é comestível.
Mesmo para quem quer fazer um lanche, as lanchonetes que estão no campus oferecem comida balinesa feita por balineses, uma lanchonete especializada em comida crua e vegana e ainda um café que serve a bebida no máximo 12 horas após a torragem dos grãos – que são colhidos perto da base de um dos vulcões de Bali, numa cultura sem nenhum tipo de agrotóxico.
Em 2012, a Green School formou sua primeira aluna no ensino médio. Ainda não é possível prever para onde vão os que saem daqui, mas algo parece unânime. Conversando com alunos e alunas, nenhuma frase negativa sobre a escola ou os formatos que adotou que estimulam autonomia mantendo liberdade com estrutura. “Aqui pude perceber que pessoas de todas as cores, religiões e classes sociais devem ser igualmente respeitadas”, disse a aluna sul-coreana. “A diferença de outras escolas para esta? Aqui eu fiquei mais inteligente”, responde o garoto do Canadá. Todos parecem bastante reflexivos nas respostas, serenos e felizes.
Apesar de todas as iniciativas, a palavra sustentabilidade não aparece escrita em nenhum lugar. Em 2010, aprendi com o célebre professor José Pacheco que não é possível educar para a sustentabilidade, só é possível educar NA sustentabilidade. A mágica da Green School, que pode ser sentida em cada imagem daquela TEDTalk, parece de fato acontecer.
Eduardo Shimahara
Conhecido como SHIMA foi engenheiro mecânico por quase 10 anos, deixou a carreira para trabalhar com educação superior privada no Brasil onde esteve a frente do Nucleo de Sustentabilidade e Inovação do Grupo Anima. Numa nova virada de página deixou o grupo para co-fundar o coletivo www.educ-acao.com (leia mais aqui). Atualmente vive na Cidade do Cabo - Africa do Sul, para se dedicar a um dos mestrados mais ousados do mundo no Sustainability Institute