Universidade e comunidade aprendem e evoluem juntas
Para pesquisador, parcerias entre instituições e população do entorno geram benefícios educacionais e estimulam inovação
por David A. Delaine 12 de agosto de 2014
Parcerias entre universidade a comunidade proporcionam relacionamentos mutuamente benéficos, nos quais tanto as instituições de ensino superior quanto a população podem expressar os seus desejos e necessidades, e todos aprendem e evoluem. A comunidade pode ser representada por escolas de ensino básico, ONGs, bibliotecas e outros grupos que representam os cidadãos.
Um exemplo bem sucedido dessa interação é o programa de serviços à comunidade EPICS (Engineering Projects In Community Service), da Universidade Purdue, nos Estados Unidos. Um dos projetos do EPICS, por exemplo, desenvolve métodos de redução do consumo de água, como resultado de mudanças na forma de uso da terra das comunidades locais. Na Escola Politécnica da USP, o projeto Poli Cidadã, que foi implantado em 2004 e já conta com 10 anos de experiência, envolve alunos de engenharia em iniciativas integradas com moradores e alunos do entorno e com trabalhadores da Cidade Universitária da USP.
Tais parcerias entre universidade e comunidade podem gerar diversos benefícios educacionais e de inovação dentro e fora da universidade. Os resultados do envolvimento incluem melhorar relações com a comunidade e minimizar lacunas no sucesso dos alunos de baixo desempenho, por meio da atuação efetiva em projetos. Essas parcerias oferecem aos universitários a oportunidade de adquirir habilidades de pesquisa, de ensino, de comunicação e de gestão, contribuindo para a definição de objetivos de carreira e introduzindo novas opções de atuação profissional. Os conhecimentos das disciplinas de engenharia são ensinados de forma a promover uma compreensão mais profunda e uma maior conexão com o mundo real. Docentes ganham novos meios para divulgar suas pesquisas e recrutar jovens talentos, enquanto a universidade ganha exposição local positiva.
No entanto, existem muitos obstáculos que impedem que isso seja simples de ser alcançado. A maioria das universidades direciona a maior parte de sua atenção à pesquisa, que permite desenvolver habilidades cognitivas e técnicas dos alunos, impulsiona a promoção das carreiras dos docentes e oferece oportunidade de crescimento financeiro para a universidade, e ao ensino, que está diretamente ligado ao desenvolvimento da capacitação de força de trabalho qualificada dos alunos. Além disso, a sobrecarga de trabalho – tanto para alunos como para docentes – deixa pouco ou nenhum tempo para “atividades extras”. Por último, o envolvimento da comunidade é uma prática estranha para muitos dentro das instituições de ensino superior.
São necessárias mudanças na cultura universitária para superar esses desafios. A carreira dos docentes deve ser reavaliada para aumentar o valor de serviços e de engajamentos entre universidade e comunidade. As cargas de trabalho de alunos e docentes devem ser flexíveis para que atividades extracurriculares e de engajamento resultem em créditos e promoções.
Já do lado das comunidades, é importante mobilizá-las, para que se abram ao engajamento, o que ainda é raro. O desenvolvimento de pesquisadores universitários que trabalham para estabelecer esses laços é necessário. A Escola Politécnica da USP, a Universidade Purdue e outras instituições estão investigando esse papel, referido como uma “boundary spanner” (“chave de fronteira”).
Nessa série de artigos e reportagens sobre o futuro do ensino de engenharia, publicada pelo Porvir em parceria com a Escola Politécnica da USP, foram abordados o desejo e a necessidade de aumentar a alfabetização técnica de engenheiros, assim como a necessidade de formar mais profissionais. O Brasil implantou muitas políticas para estimular o progresso educacional e proporcionar maior acesso ao ensino. Em 2010, US$ 24,9 bilhões foram investidos em pesquisa e desenvolvimento e, enquanto uma porcentagem substancial desses fundos foram empenhados em cursos de engenharia, entre 2001e 2009, o número de licenciados na área cresceu apenas 1%. Atualmente, só 16% dos jovens brasileiros estão entrando no sistema de ensino superior, um número significativamente menor do que o observado na Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento, que tem média de 32%. Essas estatísticas ilustram a grande lacuna entre as necessidades educativas do Brasil e a realidade do acesso ao ensino superior. Parcerias entre universidade e comunidade podem ser uma ótima maneira de ajudar a preencher essa lacuna, seja beneficiando os envolvidos ou potencializando realizações maiores.
David A. Delaine
David A. Delaine tem um Ph.D. em engenharia elétrica pela Universidade Drexel, na Filadélfia, EUA. Atualmente, atua como membro executivo da IFEES (Federação Internacional das Sociedades da Educação em Engenharia), que visa a fortalecer as práticas de ensino de engenharia ao redor do mundo, e como vice-presidente de Student Engagement. Recém concluiu sua bolsa como Fulbright Scholar e está realizando pesquisa de pós-doutorado da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) com o Prof. Dr. José Roberto Cardoso, na Escola Politécnica da USP, sobre relações universidade-comunidade para ampliar a participação nos campos Stem (acrônimo para science, technology, engineering, and mathematics).