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7 dicas para organizar uma aula pública

Professor indicado como finalista deste ano para o Prêmio Educador Nota 10 conta como prepara, articula e registra atividades no bairro com participação da comunidade

por Plataforma Cidades Educadoras ilustração relógio 31 de julho de 2017

“Isso aqui é uma aula pública”, anuncia Paulo Roberto Magalhães, professor de geografia da Escola Municipal de Ensino Fundamental Duque de Caxias, localizada no Glicério. “E aulas públicas são aquelas que a comunidade pode participar.”

Há pelo menos seis anos, o docente da rede municipal paulistana repete essa introdução a cada aula que promove no território que cerca a escola. Ali, não há lugar que não possa ser aproveitado para promover a aprendizagem: desde a Vila Suíça, centenário local de origem operária, às escadarias da rua Anita Ferraz, considerada a primeira rua de brincar da capital paulista, passando ainda pela Paróquia Nossa Senhora da Paz, conhecida por receber centenas de migrantes e refugiados que diariamente desembarcam em São Paulo.

Leia mais sobre a prática: Professor transforma a cidade em sala de aula

Em 2011, ano do surgimento do projeto – hoje reconhecido tanto dentro como fora da escola –, o bairro não estava preparado para receber os estudantes em seus espaços comuns. “Naquela época, moradores e trabalhadores do Glicério não entendiam o que a gente estava fazendo. Não deixavam tirar fotos e nem se dispunham a contar histórias. Hoje, a aceitação aumentou, e quebramos uma armadura muito grande, pois a população não só está mais receptiva a tudo isso como ajuda a promover a Aula Pública”, afirma Magalhães.

Ele credita a mudança na percepção da comunidade ao coletivo Criança Fala, “que veio para colorir o bairro, botar as crianças no espaço público e conversar com a população local”. Alguns integrantes do coletivo sugeriram ao docente promover um espaço educativo fora da sala de aula, e ele não titubeou: três dias depois, acontecia a primeira Aula Pública do Glicério.

O ambição do projeto de Magalhães foi tão longe que lhe rendeu o Prêmio Territórios Educativos, concebido pelo Instituto Tomie Ohtake para reconhecer e fortalecer experiências pedagógicas que explorem oportunidades do território onde a escola está inserida, e a indicação como finalista deste ano do Prêmio Educador Nota 10, cuja lista foi divulgada na sexta-feira (29).

A iniciativa também tem boa repercussão dentro da rede: outras escolas já participaram da atividade e professores estão buscando insumos para replicar o método.

capaCrédito: Tiago Xavier dos Santos

Entenda quais caminhos são necessários para que uma aula pública aconteça no território da escola, segundo Paulo Magalhães e o diretor da EMEF Duque de Caxias, José Mário Britto:

1 – Prepare materiais, logística e o território

O professor que tem interesse em realizar uma aula fora da sala, envolvendo tanto alunos quanto a comunidade local, deve se preparar para isso. Além de um trabalho prévio em sala de aula, Magalhães busca conteúdos formativos muito além dos materiais didáticos: pesquisa teses de mestrado e doutorado sobre os temas que irá tratar em público.

Tais temas, aliás, surgem naturalmente a partir da interação e diálogo com os alunos. “Os assuntos que eles demonstram interesse são os temas que priorizo para a Aula Pública. Após aprofundar o tema em sala de aula, levo a turma para o espaço público, para que conheçam um pouco daquela realidade.”

O docente deve entregar para a coordenação da escola o roteiro da saída pelo bairro, detalhando os espaços que serão ocupados, os conteúdos, as autorizações dos pais e a linguagem que será utilizada.

No território, Magalhães costuma visitar os locais com antecedência, conversando com moradores e buscando introduzir temas que serão trabalhados durante a Aula Pública. “A preparação deve ser interna e externa. Por isso, demanda-se um tempo que não apenas o da aula.”

2 – Faça um pacto com os estudantes

As crianças devem ter autorização dos pais para circular no espaço público. Estarem todos uniformizados ajuda na organização coletiva. É preciso enfatizar que as ruas só podem ser atravessadas na faixa e quando os veículos estiverem totalmente parados. E, claro, que haja respeito com as pessoas que estejam por ali.

“Nesse sentido, a criação de uma rede ajuda bastante: envolvimento familiar, com pais e avós participando desse momento; envolvimento escolar, com outros professores e funcionários ajudando a organizar; e envolvimento comunitário, com parcerias previamente acertadas com espaços do bairro.”

Magalhães reforça o papel do diálogo na criação da Aula Pública, já que ele é capaz de estabelecer e pactuar os códigos e regras que serão levados tanto pelo professor, quanto pelos estudantes, para a rua, um espaço repleto de estímulos e dinâmicas distintas às da sala de aula.

“Não precisa ser metódico, mas é necessário planejar bem, não deixar coisas para a última hora. Quando se estiver na rua, tem que estar preparado para tudo. Por incrível que pareça, os imprevistos que aconteceram até agora foram sempre positivos. A comunidade está ali para somar”, afirma o professor.

3 – Busque parcerias com a comunidade

“A escola tem que ser um reflexo da comunidade”, aponta o diretor da EMEF, José Mario Britto. “Queremos que todos os professores iniciem esse movimento de explorar o bairro. Afinal, nossas crianças sabem transitar pelo público. E o nosso incentivo é para que as pessoas pensem o bairro como a escola, sem ficarem presas à sala de aula.”

Com a aprovação da diretoria, o professor deve buscar parcerias com a comunidade, para evitar que a escola fique “ilhada” no território. “Quando entrei na direção, fui para a rua conhecer os moradores locais, os comerciantes, os trabalhadores. Agora, vamos trazer movimentos comunitários para dentro da escola, como atividades do Mês do Hip Hop e o Cineclube.” A ideia, por fim, é fazer com que a escola e o bairro se misturem cada vez mais.

Para Magalhães, este movimento transforma não apenas a escola, mas também a comunidade. “Muitos dos participantes da aula pública são moradores locais. Eles acompanham a atividade porque querem aprender mais sobre o local onde vivem.”

4 – Envolva a comunidade escolar nas aulas

Não basta somente o apoio da direção. Quanto mais professores envolvidos na Aula Pública, melhor. “Todas as áreas do conhecimento contam com a possibilidade de relacionarem seu conteúdo com o espaço público”, defende José Mario Britto. “Nossa ideia é criar uma abordagem interdisciplinar para a Aula Pública.”

De acordo com Magalhães, foram levantadas mais de 20 possíveis aulas públicas entre os docentes da EMEF. “Alguns estão dando seus primeiros passos em público. A atividade se tornou um evento mensal e já tem vários professores que estão me procurando para replicar a metodologia.”

5 – Articule sua aula com o currículo

Britto é enfático ao afirmar que o currículo formal não ajuda as crianças e jovens em nada. “Ele cria para nós, educadores e gestores, uma batalha que não conseguimos vencer: de tentar prender os estudantes nesses espaços escolares”, observa.

“A Lei de Diretrizes e Bases nos dá autonomia pedagógica, financeira e legislativa. Dentro da nossa relativa autonomia, podemos implementar um projeto de escola diferente, que tenha a cara da escola e do bairro.”

Durante uma aula pública, os saberes são produzidos durante a própria dinâmica de troca de conhecimento entre os presentes. “O que importa é haver um conteúdo significativo. Quem disse que sistematizar o conhecimento é apenas colocar conteúdo no papel? Os alunos não vão revelar os saberes só na escrita, nem todos tem essa capacidade de síntese no papel. Saberes são construídos também na observação e na experiência.”

6 – Tenha coragem e humildade

Magalhães ressalta dois aspectos fundamentais para o docente que tenha interesse em levar suas turmas para aprender no território: coragem e humildade. “É preciso coragem para sair na rua, encarar a realidade, subir no degrau de uma escada e falar com as pessoas, sensibilizando não apenas os alunos mas quem estiver passando por ali. E a humildade é importante para o professor sair do pedestal e se equiparar com o morador de rua, o dono do bar, o taxista, uma mãe. A aula não é só para as crianças, mas também para a comunidade.”

7 – Peça que alunos registrem seus percursos

Durante as atividades, Magalhães costuma pedir para que seus alunos registrem o que estão sentindo naquele momento, seja através de vídeos de celular, depoimentos orais ou desenhos. “Já em sala de aula, comentamos sobre aspectos positivos que aconteceram, um bate-papo sobre as dificuldades que surgiram. Deixo eles bem à vontade, pergunto o que pode melhorar da próxima vez.”

* Publicado originalmente na Plataforma Cidades Educadoras e reproduzido mediante autorização.


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