O papel da gestão escolar diante das questões socioemocionais
Criar um espaço para que professores, alunos e funcionários sejam escutados é um dos passos para que a gestão possa lidar melhor com as questões socioemocionais.
por Ruam Oliveira 1 de setembro de 2022
Gestores e lideranças escolares se depararam nos últimos meses com um cenário difícil ligado à saúde mental. Com os ânimos abalados pela pandemia, muitos jovens e adolescentes voltaram às escolas com quadros de ansiedade, depressão e atitudes violentas – manifestas em agressões físicas ou verbais.
Ficar atento a essas questões e entender que elas devem estar no radar do planejamento pedagógico é uma tarefa da qual o gestor não pode se esquivar. Dados da Secretaria Estadual de São Paulo mostram que houve praticamente o dobro de ocorrências de agressão física nas escolas nos últimos anos. Em 2022, por exemplo, foram registrados 4.021 casos de agressão, ante 2.708 em 2019.
Felipi Fraga, diretor da Escola André Leão Puente, em Canoas (RS), entende que de maneira geral as escolas, principalmente as públicas, não estão totalmente preparadas para lidar com essas demandas socioemocionais, agravadas com a pandemia.
“Agora ficou evidente que as escolas deveriam ter psicólogos e um acompanhamento psicológico com os alunos. Mas enquanto isso não chega, a gente tenta parcerias com universidades que nos mandam estudantes de psicologia para nos ajudar a identificar os alunos que mais precisam de um tratamento com especialistas”, conta Felipi.
No início de junho deste ano, a OMS (Organização Mundial da Saúde) realizou uma grande revisão sobre saúde mental e apontou que, em 2019, 14% dos adolescentes de todo o mundo conviviam com algum transtorno mental. Pesquisa encomendada pela Pearson também registrou que, no primeiro ano da pandemia, quadros de ansiedade e depressão aumentaram em 25%.
A escola onde Felipi atua atende alunos do ensino médio. Ele relata que casos de ansiedade e bullying têm aparecido constantemente por lá. Situações de agressões físicas são mais raras, mas também acontecem. Para o diretor, a sensação é de que as pessoas desaprenderam a conviver em sociedade.
“Até os professores têm tido dificuldades em orientar os alunos e dialogar com eles, a fim de ajudar a evitar que aconteçam esses casos”, afirma.. Em busca de uma solução, os profissionais da escola chamam as famílias para conversas, quando sentem ser necessário, indicando alternativas para que possam lidar melhor com a saúde mental.
Famílias e escola
As questões socioemocionais são uma preocupação que envolve diferentes atores da comunidade escolar. É importante trazer a família para o debate – no entanto, é preciso que essa aproximação seja feita com cautela.
“As famílias são diversas, assim como suas formas de educar. Isso, muitas vezes, é o grande desafio da escola. Falar sobre saúde mental (ou comportamento) do filho ou filha de alguém pode ser delicado, tendo em vista que não é raro os familiares se sentirem expostos ou culpados. Trabalhar um vínculo de confiança com as famílias pode tornar a rede de apoio ainda mais sólida para a criança ou adolescente, bem como sensibilizá-las sobre a importância do universo socioemocional“, comenta Renata Ishida, psicóloga e gerente pedagógica do LIV (Laboratório Inteligência de Vida).
A psicóloga afirma ainda que os maiores desafios que os gestores enfrentam têm sido em relação às famílias, principalmente no quesito trazê-las para mais perto. “É difícil para as famílias ouvirem de outras pessoas que seu filho ou filha está em sofrimento ou com algum problema. A família pode se sentir culpada ou cobrada. Então, abrir essa conversa com os responsáveis acaba sendo um momento muito delicado”, afirma.
Geralmente, o que se percebe é que famílias já engajadas no assunto participam ativamente dos debates, enquanto as que não estão tão próximas apresentam certa resistência.
Gestão com escuta ativa
A saúde mental não deve ser entendida como algo com fim determinado. Pelo contrário, ela deve ser vista como um horizonte e como um trabalho contínuo. Neste sentido, gestores podem praticar uma liderança focada em uma escuta ativa – aquela que se demonstra mais envolvida e interessada –, legitimar os sofrimentos apresentados pelos estudantes e promover espaços onde eles se sintam à vontade para compartilhar o que seja necessário.
É válido ressaltar, no entanto, que professores e professoras – e isso inclui também quem está na gestão – não devem oferecer diagnósticos. O que não os impossibilita de falar sobre o assunto, já que ele está presente e é recorrente no ambiente escolar.
“É importante que os professores, bem como todos os funcionários da escola, estejam envolvidos nos processos de cuidado, tenham espaço para serem escutados, consigam compartilhar as responsabilidades de forma coletiva e recebam formação continuada. A formação é importante não só para ampliar as estratégias e ferramentas que esse professor pode usar, como também ser um espaço de novo encantamento pelo trabalho”, destaca Renata.
A diretora do LIV destaca que, tanto a formação quanto os tempos de cuidado precisam constar no tempo de trabalho do professor e não ser algo fora do horário, porque isso só o sobrecarregaria e pode gerar mais estresse.
Olhar para os professores
André Barroso, diretor geral do Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, em Brás de Pina, no Rio de Janeiro, comenta que a questão da saúde mental tem atingido os professores de diferentes formas.
“A gente teve a maior debandada de funcionários nos últimos sete anos. Em 2022, até agora, a gente perdeu metade dos funcionários, até da área técnica e administrativa. Temos visto aumentar o número de professores em licença médica e professores inclusive desde a pandemia que não voltaram pra sala de aula”, conta. Diversas pesquisas apontam que, juntamente com profissões como enfermeiros e policiais, os professores e professoras adoecem muito.
Renata Ishida destaca que a situação está tão aguda que as escolas já pedem explicitamente apoio sobre como lidar com a questão. “As escolas estão pedindo ajuda para o manejo dessas situações e acolhimento dos professores que estão sobrecarregados e adoecidos por conta dessa intensidade e complexidade das questões.”
O professor André também ressalta que questões externas, como o aumento da violência nos bairros, influenciam diretamente em como os alunos se sentem e isso pode se refletir no convívio escolar.
Educação socioemocional
É importante ressaltar que a educação socioemocional é uma aliada nessa promoção de cuidado. No entanto, ela não deve ser encarada como sinônimo de terapia:ou seja, ela não substitui tratamentos específicos com profissionais e especialistas da área.
“Como as habilidades são desenvolvidas e aprendidas ao longo da vida, elas podem ser ensinadas, seja por pedagogos, seja por outro profissional da educação. O que nós do LIV nunca deixamos de lembrar é que esse trabalho precisa ser feito de forma intencional, processual e por pessoas que recebam formação adequada”, aponta Renata.
Pensar em um espaço estruturado de acolhimento no ambiente escolar é um passo significativo que gestores e lideranças escolares podem dar para se dedicar à questão da saúde mental.
Links do Parceiro
º Congresso LIV Virtual – Sentir é Aprender
Kit Gratuito do Movimento LIV: Pela Saúde Mental nas Escolas
Comunicação e mediação de conflitos: ideias para escolas e famílias
Renata Ishida compartilhou algumas dicas úteis:
- Ter uma pessoa ou time responsável pelas questões de saúde mental na escola
- Se a escola não tiver funcionário da área da Psicologia ou de um campo em comum, é preciso escolher alguém que receba uma formação para exercer esse tipo de atividade e conseguir ser essa referência.
- É importante que todos na escola saibam quem é a referência para as questões de saúde mental, tanto para tirar dúvidas dos funcionários, alunos e familiares quanto para escuta e encaminhamento de alguma situação específica.
- Mapear serviços e recursos disponíveis
- Conhecer e mapear os serviços, pessoas e estabelecimentos da sua região que podem ser acionados em situações ligadas à saúde mental, como: Unidade de Pronto Atendimento; Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi); Conselho Tutelar; Unidade Básica de Saúde; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência; Bombeiros.
- Ter todos esses contatos de serviços em fácil acesso para todos.
- Estabelecer quem contatar em situações de emergência e não emergência (lembrando que cada caso é um caso e, com exceção dos de emergência, não é necessário sair tomando decisões e contatando pessoas imediatamente).
- Estabelecer processos
- Mesmo sabendo que cada situação é única e precisa ser escutada como tal, é importante estabelecer alguns processos, como: quando e como acionar a família? Quem faz esse primeiro contato?
- Acompanhamento
- Mesmo que a criança ou o adolescente seja encaminhado para um serviço de saúde, é importante lembrar que grande parte da sua vida continua sendo na escola. Logo, entender como apoiar a família e o aluno ou aluna nesse processo (caso inicie o uso de um medicamento ou tenha que trocar de turma, por exemplo) é fundamental.
- Cuidar de quem cuida
- Espaço de cuidado para os educadores, com formação, acolhimento e condições saudáveis para exercer o trabalho.