Melhoria da aprendizagem online depende de parcerias com todos os envolvidos - PORVIR
Crédito: Kateryna Onyshchuk/iStock

Inovações em Educação

Melhoria da aprendizagem online depende de parcerias com todos os envolvidos

Em entrevista ao Porvir, a especialista em educação online Cristi Ford fala sobre a importância do comprometimento da comunidade escolar no processo de aprendizagem

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 18 de outubro de 2022

Cristi Ford passou os últimos 25 anos em diferentes áreas da educação, com uma trajetória iniciada nos anos 1990 na educação básica, mais especificamente em aulas para crianças com autismo. Pouco a pouco, descobriu que a educação online era uma ótima maneira de incentivar os adolescentes a terem sucesso na faculdade. 

Por volta do ano 2000, fez doutorado em liderança educacional e, desde o começo dos anos 2000, mergulhou no estudo da aprendizagem online, trabalhando em instituições de ensino superior. Atualmente, ela ocupa o cargo de vice-presidente de assuntos acadêmicos da D2L, empresa de tecnologia educacional com sede no Canadá e escritórios na Austrália, Brasil, Europa, Cingapura e nos Estados Unidos. 

Para que a lacuna de habilidades seja resolvida e instituições de ensino consigam preparar jovens para um presente desafiador e um futuro de protagonismo, nesta entrevista ao Porvir Cristi pede o envolvimento e comprometimento dos diferentes envolvidos no processo de aprendizagem, em uma parceria de ponta a ponta. Confira:

Porvir – Como você avalia a evolução da aprendizagem online ao longo dos últimos dois anos?

Cristi Ford, especialista em educação online
Crédito: Divulgação/D2L Crédito: Divulgação/D2L

Cristi Ford – Antes da pandemia, havia muitos indivíduos que eram favoráveis à aprendizagem online e ao ensino híbrido, mas a pandemia nos colocou nessa situação na qual todos tivemos que experimentar a educação online. Isso incluiu aqueles que não tinham ideia do que isso significava. Considero que houve uma aproximação entre o que consideramos aprendizagem tradicional, face a face, e online. No Brasil, uma pesquisa Gallup mostrou que 38% dos estudantes entendem que essa modalidade poderia ser uma alternativa para diferentes cursos, o que ofereceria não apenas novas maneiras de pensar, como também mais autonomia e flexibilidade.

Porvir – No Brasil, a expressão transformação digital tem sido muito usada. Você considera que existe uma clareza sobre seu significado, que estamos lidando com um processo e não apenas com a compra de tecnologia?

Cristi Ford – Eu acho que usamos muitas palavras como inovação e transformação sem identificar direito o que queremos dizer. Existe todo um processo de transformação digital. Não é uma situação fixa no tempo. Você precisa ir da sensibilização para a adoção, com uma melhoria contínua. Em transformação digital, o termo transformação para mim é claro porque nos obriga a olhar para velhas crenças e modelos de aprendizagem e pensar em como torná-los mais flexíveis e ​​mais reflexivos, mas isso é um processo. Não é algo que você pode acionar pelo interruptor ou da noite para o dia.

Porvir – Após essa experiência durante a pandemia, que conselhos daria para quem precisa planejar a próxima aula online?

Cristi Ford – Começo dizendo que a tecnologia nunca vem em primeiro lugar. Às vezes, existe um equívoco de que a tecnologia vai ser esse recurso que resolverá todos os desafios. É realmente sobre a maneira de ensinar. Então, se os professores começam com os objetivos de aprendizagem em mente, depois com os desafios que estão tentando resolver, quais são os assuntos e quais são as coisas que estão tentando fazer, então a tecnologia estará à disposição para ajudar como se fosse um superpoder. Portanto, não se trata de tirar da frente ou canibalizar coisas realmente boas que os professores fazem bem. É apenas ter certeza de que você usa uma tecnologia onde for mais necessário. Acredito que, às vezes, quando ouvimos falar online e de inovação, há uma falta de compreensão de que se trata de eliminar ou substituir o que já se sabe, ou então atingir uma escala tão grande que a voz do professor se perde.

Porvir – O que é necessário, então?

Cristi Ford – Professores devem pensar que se trata de uma parceria, não daquilo que é certo ou errado, de tudo ou nada. É possível começar aos poucos e ir evoluindo. Quando comecei a ensinar de modo online, há mais de 20 anos, não tinha a aula que consigo desenvolver hoje. Sempre pensei em como melhorar o engajamento. Tanto na hora de aprender como quando estamos assistindo a Netflix, temos um limiar de atenção. Existe algo sobre a ciência da aprendizagem que faz com que você queira continuar a assistir mesmo depois de 5 horas e se manter engajado. Então por que não podemos usar os mesmos elementos para ensinar melhor?

Porvir – Que tipo de habilidades você considera que os estudantes precisam ter para aprender melhor no modo online?

Cristi Ford – Eu tenho conversado com professores e estudantes. O Instituto Gallup fez uma sondagem a respeito de protagonismo e aprendizagem criativa e mostrou que, no Brasil, 75% dos educadores disseram que os estudantes gostavam mais do processo de aprendizagem quando tinham autonomia. Precisamos encontrar mais espaço para desenvolver essa característica. Outra coisa que gosto de lembrar é que os alunos aprendem mais quando estão intrinsecamente motivados. Para isso, estudantes precisam de contextos que sejam relevantes e permitam com que desenvolvam a autonomia a partir da criação de artefatos. Por outro lado, devem se comprometer em dedicar uma quantidade de tempo e entender que a aprendizagem é um processo, e não existem atalhos. É preciso organização e consciência em ter tempo e espaço no dia a dia para se dedicar. Então (a aprendizagem online) não é responsabilidade apenas das instituições. De forma holística, temos que pensar sobre o processo de aprendizagem de maneira muito diferente.

Porvir – Muito se fala sobre habilidades para o século 21. Elas podem ser desenvolvidas de forma online?

Cristi Ford – Sim, acho que isso é possível. As pessoas precisam ser capazes de ter criatividade, mas gestão de pessoas, pensamento crítico e capacidade de resolução de problemas não devem se limitar à sala de aula. Em uma aula online sobre construção social, consegui tratar do tema a partir de um jornal sobre atitudes não violentas – e fiz isso a partir das experiências dos estudantes conectadas ao tema de aula e ao currículo. Dito isso, não acho que o trabalho com habilidades seja limitado à sala de aula presencial, mas online exige que você planeje as conexões para seus objetivos de maneira diferente.

Porvir – Que tipo de problemas a tecnologia ainda não conseguiu resolver no cenário da educação online?

Cristi Ford – Se pensarmos na lacuna de habilidades como um grande guarda-chuva e consideramos as microcredenciais, a Aprendizagem para o Domínio e para o desenvolvimento de competências, pode-se dizer que a tecnologia trouxe novas oportunidades. Mas como esse cenário requer parcerias, professores precisam estar ao lado do processo e fazer parte das conversas. Requer também que empregadores façam parte do debate. Como disse antes, a tecnologia não faz tudo sozinha. Uma parceria precisa ser criada para que esses grandes problemas sejam resolvidos. Temos que tomar um caminho comum. Não é algo que está apenas sob minha responsabilidade como vice-presidente de assuntos acadêmicos da D2L, mas trata-se de uma parceria, porque não podemos fazer isso sozinhos. Se não estivermos conectados, não conseguiremos superar os problemas de acesso para alunos de baixa renda nem pensar em como transformar o ambiente de aprendizagem.


TAGS

competências para o século 21, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, tecnologia

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