Educação inclusiva enfrenta imposições de um sistema educacional excludente, diz especialista - PORVIR
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Inovações em Educação

Educação inclusiva enfrenta imposições de um sistema educacional excludente, diz especialista

O pesquisador José Eduardo Lanuti analisa pontos sensíveis da formação docente quando o assunto é educação inclusiva e propõe o debate que promova, de fato, a acessibilidade

Parceria com Editora Moderna

por Ruam Oliveira ilustração relógio 28 de fevereiro de 2023

Presidente da Comissão Multidisciplinar Permanente de Acessibilidade da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), professor e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Inclusão da universidade, José Eduardo Lanuti também é pesquisador colaborador do Leped (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), uma das principais referências nacionais nos estudos sobre educação inclusiva

Nesta entrevista ao Porvir, ele fala sobre as políticas “ultrapassadas” ainda vistas nas universidades, a formação “fragilizada” e como a promoção da acessibilidade é um assunto urgente. “Precisamos pensar na diferença humana, que é a singularidade de cada um. Ainda que algumas características possam ser recorrentes a cada deficiência, a cada situação, uma pessoa não pode ser limitada a partir de um atributo que possua”, afirma.

Confira os principais pontos da entrevista:

Porvir: Como as universidades apresentam o tema da educação inclusiva? 

Um homem branco de barba e cabelo castanho escuro usa uma camiseta preta. Ele está de óculos e olha para a câmera. Ao fundo, uma parede clara com livros e um quadro.
O pesquisador José Eduardo Lanuti / Crédito: José Eduardo Lanuti / Arquivo Pessoal
Crédito: José Eduardo Lanuti / Arquivo Pessoal

José Eduardo Lanuti: Infelizmente, as universidades de modo geral apresentam esse tema – a educação inclusiva – a partir de um modelo idealizado de estudante. Os cursos de formação não trabalham a partir da diferença humana, mas a partir da diversidade. Eles agrupam as pessoas em grupos de alunos capazes e incapazes, avançados e atrasados. Sempre as pessoas consideradas com deficiência são enquadradas nessas categorias e nos grupos identitários que representam, de certa forma, uma inferioridade ou falta de capacidade para aprender e se desenvolver. As universidades, de um modo geral, trabalham com esse aluno abstrato, com esse modelo idealizado pelo qual os outros são comparados. 

Muitas vezes, as formações nas universidades são organizadas a partir de cada deficiência, numa segmentação das deficiências.  Espera-se formar um professor para trabalhar com a surdez, com a cegueira, com o autismo, com as altas habilidades e isso faz com que grupos sejam criados, que é o grande problema da diversidade. 

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Precisamos pensar na diferença humana, que é a singularidade de cada um. Ainda que algumas características possam ser recorrentes em cada deficiência, em cada situação, uma pessoa não pode ser limitada a partir de um atributo que possua. 

Porvir: O que há de mais problemático nesse quesito?

José Eduardo Lanuti: Tem uma coisa muito séria: a base de boa parte das disciplinas nos cursos de graduação está em políticas ultrapassadas. Muitos professores se baseiam em políticas que não defendem, por exemplo, o modelo social da deficiência, que não entendem a educação especial como uma modalidade que não substitui a educação comum. Todo esse entendimento faz com que a formação do professor fique fragilizada e tendenciosa no sentido de se aproximar muito mais de uma formação para uma prática integracionista do que propriamente inclusiva.

Outra questão muito problemática é a forte influência dos conhecimentos da saúde, os conhecimentos médicos na formação do professor que vai atuar com o aluno considerado com deficiência. Esses professores acabam entendendo que os saberes pedagógicos estão num segundo plano quando o assunto é um aluno público-alvo da educação especial. Quando na verdade a gente sabe que independente de quem seja o aluno, são os saberes pedagógicos os mais importantes para ensinar, para trabalhar com processos pedagógicos. Ainda que os saberes médicos tenham uma grande importância, não são os conhecimentos principais. 

Porvir: Você considera que o aspecto individual, de professores movidos pelo próprio interesse no tema, se sobressai em relação a um movimento que seja de certa forma “unificado”? 

José Eduardo Lanuti: Eu não culpabilizo os professores pelos desafios que nós temos vivenciado em relação à inclusão, muito menos pelas experiências que não são bem-sucedidas nesse sentido. Na verdade, o que eu vejo é que há um sistema educacional que espera do professor algo que ele jamais será capaz de fazer, que é homogeneizar a aprendizagem das suas turmas, padronizar os seus alunos, encaixá-los dentro de um perfil pré-determinado ou fazer com que os alunos alcancem habilidades e competências previamente – como acontece, por exemplo, na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). 

Os professores, na verdade, não vão contra a educação inclusiva, mas tentam, de acordo com os recursos que possuem e com as exigências do seu trabalho, justificar – às vezes de um modo não tão inclusivo – que não conseguem fazer. Na verdade, o problema não está no professor em si, mas no próprio sistema de ensino que impõe determinações que não serão alcançadas pelos professores. E aí qual é a saída que os professores têm diante disso? Eles criam soluções que, infelizmente, excluem os seus alunos: avaliações e atividades adaptadas, currículos diferentes, planos de ensino individualizados, ações que não tem a ver com a inclusão escolar, mas com as imposições de um sistema educacional arquitetado de forma excludente.

Porvir: Há um modelo “adequado”? Ou o contexto também deve se sobressair?

José Eduardo Lanuti: Não há um modelo de formação específico para trabalhar numa perspectiva inclusiva. Mas acredito que algumas ideias em relação à formação podem nos ajudar a reformular as práticas de ensino na escola. Hoje, defende-se muito as formações em grande escala que desconsideram o contexto específico de cada escola, de cada sala de aula, de cada professor. As formações precisam ser cada vez mais específicas e menores,considerando os problemas reais de cada contexto escolar, as necessidades específicas de cada turma, de cada aluno, os interesses, os recursos necessários e não essas formações genéricas que trabalham a partir de um modelo abstrato: ou aluno cego, ou aluno surdo, ou aluno deficiente…

Precisamos entender que trabalhar numa perspectiva inclusiva, desenvolver um bom trabalho nesse sentido, tem a ver com uma formação que entende a singularidade e a importância de trabalhar a partir de contextos cada vez mais específicos. E, principalmente em relação à deficiência, atue segundo o modelo social de interpretação da deficiência, que entende a deficiência como um problema, uma falta, uma barreira do meio e não da pessoa, e que é essa barreira que deve ser eliminada a partir de recursos, serviços e materiais que promovem a acessibilidade. 

Inclusive, os grandes retrocessos educacionais que tivemos nos últimos quatro anos com a tentativa de encaminhamento de determinados alunos para escolas especiais – que todos que estudam esse assunto sabem que não tem mais sentido –, esse movimento de retrocesso foi e vem sendo fortemente influenciado pela falta de compreensão do modelo social de interpretação da deficiência. 

É o modelo social que vai fazer com que a gente entenda que é a estrutura da escola, as questões pedagógicas, as concepções de currículo, de ensino, aprendizagem e avaliação que precisam mudar para receber todos os alunos na escola – e não esse aluno mudar de escola.

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educação inclusiva, ensino superior, formação inicial, Série Desafios da Educação Inclusiva

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