Projeto leva atividades criativas a jovens que cumprem medida socioeducativa - PORVIR
Crédito: Arquivo pessoal

Diário de Inovações

Projeto leva atividades criativas a jovens que cumprem medida socioeducativa

Com aulas de robótica e projeto de vida, estudantes de 9º ano da EJA aprendem a produzir peças de baixo custo e a desenhar protótipos mais complexos no computador

por Henrique Corrêa Lopes ilustração relógio 4 de setembro de 2023

Localizada em Santa Maria (RS), a EEEM (Escola Estadual de Ensino Médio Humberto de Campos) está inserida no Centro de Atendimento Socioeducativo, a antiga Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). A escola oferece educação continuada para os adolescentes internos em cumprimento de medida socioeducativa. São três turnos, manhã, tarde e noite, nas séries finais do ensino fundamental, ensino médio e EJA (Educação de Jovens e Adultos). Muitos desses jovens, com idades entre 14 e 18 anos, não frequentam a escola regular e têm graves problemas em leitura e escrita. 

Sou professor de história e atuo na linha de frente como forma de oportunizar a esses adolescentes uma outra opção de vida, diferente da qual eles vivem e convivem. Neste contexto, foi criado o projeto “A utilização da cultura maker como prática socioeducativa” inicialmente com uma turma do 9º ano da EJA (Educação de Jovens e Adultos) composta por três alunos e atualmente atendendo a uma turma composta por alunos no ensino fundamental regular e outra do ensino médio. 

As atividades são oferecidas no laboratório de robótica como oficina educacional, envolvendo conceitos relacionados à matemática, língua inglesa, projeto de vida, cultura digital, mercado de trabalho e tecnologia de forma interdisciplinar. A proposta é desenvolver o senso crítico, interativo e imaginativo dos alunos participantes. Durante todo o processo, conto com a parceria da professora Kellen de Lima Machado, da diretora Carla Hernandez Flores e da coordenadora pedagógica Sinara Vargas Martins, ambas colaboradoras da oficina. 

Em agosto de 2022, o centro recebeu do governo do estado um kit para a formação de um laboratório de robótica, com canetas 3D, impressora 3D, máquina de corte laser, kits e peças de robótica, entre outros.

Por questões de segurança estabelecidas pela unidade de internação e obedecidas pela escola, os 40 adolescentes participantes da oficina eram divididos em grupos de três alunos, com aulas de duas horas todas às sextas-feiras, durante três meses. Após esse período, outro grupo era formado, utilizando o sistema de rodízio, a fim de contemplar todos os internos.

A oficina tem um processo bastante prático. Logo no início, usando materiais recicláveis (rolo de papel higiênico, tampas de garrafas pet, papelão, potes de requeijão e fermento em pó vazios, canudinhos plásticos entre outros itens), a turma já cria diferentes objetos e brinquedos. Juntando um pote vazio de fermento em pó químico para bolo, um pote vazio de requeijão, uma tampa de garrafa pet e um dosador de detergente líquido, os alunos criam um pequeno liquidificador, por exemplo. 

Posteriormente, esse mesmo objeto passou por uma transformação elaborada pelos próprios alunos, colocando um pequeno motor dentro do pote e uma hélice dentro do outro. Mas o que mais chama a atenção dos adolescentes é a construção de um carrinho de Fórmula 1 utilizando uma caixa de leite, tampas e pedaços de EVA (material composto por espuma de etileno-vinil-acetato, usado em artesanato, decoração e segurança).

Ao longo das oficinas, eles também podem conhecer e manusear a caneta 3D. Com ela, podem criar trabalhos em desenho ou objetos de mão livre. Na etapa seguinte, são convidados a aprender como funcionam os programas e aplicativos necessários para trabalhar com a máquina de corte de madeira a laser. 

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Muitos dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa não tiveram acesso e até mesmo o conhecimento sobre a tecnologia a qual estão sendo apresentados, desconhecendo as potencialidades de tais ferramentas. Depois da prática elaborada, entenderam a facilidade do aprendizado e do manuseio, sendo, portanto, uma opção para a inserção no mercado de trabalho destes adolescentes.

E para mim, oriundo da área das ciências humanas, graduado em história, significa a comprovação de que hoje, um professor deve ser mais dinâmico, flexível e atualizado com a geração que está na sala de aula, com um mundo muito mais globalizado e tecnológico, ávido por qualificação e que possa atender à demanda da multidisciplinaridade.

Os materiais trabalhados e confeccionados nesta etapa são de critério dos alunos, muitas vezes preferem fazer algo relacionado a sua vida cotidiana, ou aquilo que gostariam de ter ou ainda para simplesmente presentear alguém, esse alguém quase sempre a própria mãe.

Por último, vem o uso da impressora 3D. Eles aprendem como a máquina funciona, conhecem os insumos utilizados, os tamanhos e formas de objetos suportados, por meio da configuração dos filamentos, dimensão dos objetos para impressão, tempo de impressão.

Nessa fase, com os objetos prontos, são informados sobre o valor de mercado de cada objeto, tendo como parâmetro o comércio local e alguns sites onde são comercializados objetos similares aos produzidos na escola. 

A atividade maker também funciona como forma de incentivo pessoal, profissional, motivacional e emocional, tendo como base a possibilidade de oferecer aos adolescentes participantes uma outra opção para suas vidas, como uma forma de inserção no mercado de trabalho, seja como empregado ou como empreendedor, dependendo logicamente de sua vontade, perseverança e capacidade (financeira, motivacional e de apoio familiar). 

A oficina trabalha com total ênfase nas metodologias ativas, com a dedicação dos professores e alunos, com sua imaginação de criação e recriação, nas possibilidades de melhoria pessoal e profissional, no acolhimento e na humanização, como forma de oportunizar uma educação mais humana, justa e libertadora, não somente da liberdade longe das grades, mas de uma liberdade relacionada a suas ideias e convicções, de expressão, de inclusão e sobretudo da esperança. 

Destaco a importância de saber ouvir, não somente os alunos, mas os colegas professores, os colaboradores da unidade socioeducativa e, ainda, a sociedade em geral que participa, através de comentários e diálogos sobre a realização da oficina, com sugestões e opiniões que podem e devem ser escutadas e colocadas em prática.

Resultados 

O impacto foi positivo: o projeto terá continuidade na escola e há possibilidade de ser expandido para as demais unidades de atendimento socioeducativo do estado do Rio Grande do Sul, além do interesse de outras escolas da cidade em conhecer o projeto e do auxílio em sua realização. 

Houve grande aceitação pelo corpo docente da escola, pelos profissionais da unidade de internação (direção da unidade e agentes socioeducativos), pois as oficinas trouxeram um momento de harmonização e tranquilidade na unidade de internação, sendo um pré-requisito as questões disciplinares e de comportamento. 

Também notamos melhor aproveitamento dos momentos de ociosidade dos adolescentes quando estão fechados em seus dormitórios (celas), da participação em feiras e mostras científicas dos objetos produzidos nesta oficina. Acredito que as unidades de atendimento socioeducativo podem, dentro de suas características, normas e leis, atender de maneira humanizadora o adolescente em internação desde que ofereça os meios necessários para “transformar a vida” deste adolescente, com atividades voltadas para o aprimoramento pessoal e profissional. 

Divulgar o nome da escola para a comunidade em geral e o que os professores que trabalham nela podem e são capazes de fazer mostra que esses jovens não são irrecuperáveis e que merecem todas as oportunidades de melhorar as suas vidas de forma digna, com respeito e dedicação.

O resultado também se refletiu na 3ª Mostra Científica, Cultural e Tecnológica STEAM Party 2023, organizada pela CRE (Coordenadoria Regional de Educação): fomos vencedores da etapa regional e seguimos como finalistas da etapa estadual, que acontecerá em novembro deste ano. 


Henrique Corrêa Lopes

Graduado em História pela Universidade Franciscana, com especialização em ensino religioso, metodologia em ensino de História, História do Brasil e Humanidades, mestrado em Ensino de Humanidades e Linguagens. É sou professor da rede pública do estado do Rio Grande do Sul, na Escola Estadual de Ensino Médio Humberto de Campos, na cidade de Santa Maria (RS), escola inserida dentro do Centro de Atendimento Socioeducativo, que recebe, em regime de internação, adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.

TAGS

educação mão na massa, ensino fundamental, ensino médio, Prêmio Professor Porvir, tecnologia

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