Crise climática traz novas questões para o debate educacional - PORVIR
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Inovações em Educação

Crise climática traz novas questões para o debate educacional

Decisão sobre como oferecer aulas em um cenário de temperaturas extremas e clima instável demanda uma gestão atenta a evidências e à equidade

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 10 de outubro de 2023

Em 2009, um grupo de cientistas do Stockholm Resilience Centre, na Suécia, apresentou o conceito de “limites planetários”. Eles definiram o quanto a Terra resiste aos danos ambientais e pode oferecer condições favoráveis para a manutenção da vida. Mas, em setembro deste ano, um novo estudo, desta vez da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, apontou que a humanidade já ultrapassou seis dos nove limites planetários, sendo o mais conhecido a questão da mudança climática – causada, entre outros fatores, pelo aquecimento global. A temperatura do planeta está cerca de 1,1°C a mais do que no final do século 19.

“Não podemos ultrapassar 1,5°C no aumento da temperatura. Nas últimas semanas, do Rio Grande do Sul à Amazônia, a gente vê um estado de emergência acontecendo em tempo real”, afirma Lívia Menezes Pagotto, gerente de conhecimento do Instituto Arapyaú e secretária-executiva da Rede Uma ConcertAção pela Amazônia, formada por instituições e empresas com o propósito de buscar soluções para a conservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. “Falar de clima e educação é fundamental. As notícias não são muito animadoras, mas como cada um de nós, pessoas que formam crianças e adolescentes, podemos criar uma sociedade preparada para viver e atravessar isso. Qual será a nossa capacidade de resposta?”

Lívia lançou a pergunta aos convidados da mesa de debates “Emergência ambiental: do crescimento infinito à crise existencial”, que integrou o Seminário Educação na Era das Transições promovido pelo Instituto Unibanco, em São Paulo, nos dias 4 e 5 de outubro. E a primeira participante a responder foi Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente.

“A crise do clima é um fenômeno humano, mas ela abre também uma oportunidade para o Brasil liderar pelo exemplo. O que a gente precisa é de um novo modelo de desenvolvimento, com tecnologia, ciência e educação”, acredita Ana. Ela explica que o fenômeno do efeito estufa, que mantém as temperaturas médias, tem sido agravado pelas emissões de gases, provocando as alterações climáticas. “Sabemos que 73% dos gases do efeito estufa vêm dos setores de energia, dos carros que a gente usa, da energia elétrica que a gente tem. No Brasil, esse número cai para 23%, porque nossa matriz energética é elétrica e conta com hidrelétricas, energia solar e eólica. A maior parte dos gases do efeito estufa no Brasil vem do desmatamento”, explicou. 

Caso nenhuma medida seja tomada, no ano de 2110, o planeta Terra teria quase cinco graus a mais. Contudo, o Acordo de Paris – compromisso global para reduzir a emissão de gases do efeito estufa – prevê o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2°C. “Dois graus não parecem nada, mas vamos lembrar que a temperatura média do nosso corpo é de 36°C. Imagine passar o resto da vida com 38,5°C, 39°C, permanentemente. É isso o que estamos fazendo com o planeta.” 

Ana relembra que os países da África e da América Latina, que menos contribuem, são os que mais sofrem com a crise climática. “O Brasil é um dos países que mais sofrerá com essa variação climática. Já estamos vendo isso: chove muito, tem seca, fica frio. E o país tem uma capacidade de adaptação bastante baixa, vemos que o número de desastres vem aumentando. Dos 5.570 municípios do país, 491 têm alto ou muito alto risco de deslizamento e 899 cidades são muito vulneráveis a inundações e enxurradas.”

A especialista reforça que a mudança do clima é um acelerador exponencial da pobreza. “Sabemos quem são os mais vulneráveis. A gente sabe que ela tem gênero e cor. Não podemos pensar que se trata apenas de um fenômeno meteorológico ou climatológico. É humano. Temos de olhar para essas pessoas, que são as primeiras a sofrer”. Ela acredita, porém, que o país pode ser um provedor de soluções climáticas pela abundância das florestas e das fontes de energias renováveis. “O problema é se a gente vai conseguir transformar as nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas. Nada vai acontecer se a educação não estiver junto.”

➡️ Leia também as reportagens sobre as outras mesas do evento:

Papel da escola

Presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell complementou o raciocínio de Ana Toni com uma reflexão: “Será que estamos promovendo uma educação considerando as mudanças climáticas? A transição mais difícil é a transição mental. O clima que conhecemos não existe mais. A educação tem o poder de assimilar novas informações, calcular riscos e saber responder a esse fenômeno. Estamos falhando nisso, não conseguimos virar a página e encarar a nova realidade.”

O Brasil conta com 150 mil escolas e uma pergunta ainda sem resposta, segundo Natalie, é se elas são lugares seguros, que vão ser habitáveis e saudáveis para dar aula e estar na aula. “Vai ter aula de educação física no meio da onda de calor? A gente continua ensinando as mesmas coisas de sempre. Será que o que a gente está promovendo não é o tipo de educação sem considerar o mundo em transição? E essa é uma pergunta profunda, um tanto conceitual, mas que exige um programa político para ser resolvida”, diz.

Para exemplificar o papel da nova educação, Natalie relembrou a trajetória da jovem ativista sueca Greta Thunberg, líder do movimento da Greve das Escolas pelo Clima. “Greta teve um papel fundamental quando disse publicamente que não ia mais para escola, não porque não acredita no papel da educação, mas sim porque a escola não a apoia a aprender como enfrentar essa nova realidade. Isso traz um recado muito duro, mas muito importante: a escola tem de trazer a realidade, ensinar o que funciona e o que não funciona, e como é possível gerir os novos riscos, que são de toda ordem. 

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Debate político

Gerente de Pesquisa e Inovação do Instituto Unibanco e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV (Faculdade Getúlio Vargas), João Marcelo Borges apresentou dados de uma pesquisa britânica feita em dez países do mundo, entre eles o Brasil, ouvindo 10 mil pessoas, sobre ansiedade climática. Cinquenta e seis por cento dos jovens de até 25 anos consideram as mudanças climáticas preocupantes, ou muito preocupantes, e 45% dos entrevistados diziam que elas afetam de maneira significativa a capacidade de desempenhar suas funções.

“As respostas com percentual ainda maior vieram do Sul Global. São países mais expostos aos efeitos deletérios, não só por estarem na zona tórrida do planeta, mas também porque a gente tem outros problemas que compõem essa situação”, relatou. A despeito dos dados negativos, o mesmo levantamento mostrou que 66% das crianças ouvidas são otimistas com a capacidade do mundo de gerar respostas para as questões que os aflige. 

Em referência ao recente pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu a inclusão da educação climática no currículo escolar, João acredita na interdisciplinaridade como resposta, porque a crise do clima pode ser trabalhada em qualquer disciplina. “Não precisamos criar uma disciplina para isso. O mundo em transição requer interdisciplinaridade, e o assunto poderia atravessar qualquer disciplina, as ações da gestão da escola e da secretaria”, sugere. 

Jornadas pedagógicas

Para estudar sobre mudanças climáticas, os palestrantes recomendam alguns canais de apoio para os professores:

Rede Cemaden Educação
O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Nacionais) é uma instituição de pesquisa vinculada ao Ministério de Ciências, Tecnologia e Inovações. O Cemaden Educação atua desde 2014 junto às comunidades escolares e em parceria com diversas instituições. O site reúne materiais pedagógicos, propostas de atividades e conta com uma midiateca com livros e vídeos relacionados à educação ambiental.

Cursos da ENAP
Criada em 1986, a ENAP (Escola Nacional de Administração Pública) oferece cursos a distância ou com interação ao vivo sobre diferentes temas. Entre eles, está a opção Valores Culturais da Natureza, desenvolvido em parceria com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) em 2022. O curso é aberto, gratuito e oferece certificado a qualquer pessoa interessada no tema. 

Portal ConcertAção
A página reúne um mapa de plataformas sobre a Amazônia em diferentes temas, como educação, mudanças climáticas e saúde. 


TAGS

educação climática, ensino fundamental, ensino médio, equidade

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