Projetos criativos sobre sustentabilidade começam com a investigação do território
Inspirar-se no que a natureza já apresenta é uma maneira de trazer o tema para mais perto dos estudantes
por Ruam Oliveira 23 de novembro de 2023
“Numa tarde abrasadora, um grupo de educadores criativos se reuniu em São João del Rei para trocas sobre Aprendizagem Criativa e Sustentabilidade. A cidade histórica, geralmente conhecida por suas pedras antigas e ruas de paralelepípedo, agora experimentava os efeitos da mudança climática com uma onda de calor intensa e sufocante”.
Com esse exercício imaginativo, a professora Kátia Archanjo, do Centro de Línguas, Linguagem, Inovação e Criatividade da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (MG), lançou um desafio aos participantes do painel “Sustentabilidade e Aprendizagem Criativa”, que aconteceu no dia 14, durante a 3ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa.
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Em duplas, os integrantes deveriam apresentar uma solução para combater os efeitos das mudanças climáticas no cotidiano das pessoas. Como elementos, tinham de utilizar tudo o que estivesse dentro da “Caixa pedagógica sustentável”, que continha desde sementes até papelão, hélices e outras peças de metal.
Os resultados foram dos mais variados: desde a instalação de um chuveiro na praça até uma máquina que revertia coleta seletiva em lufadas de ar em quem depositava o lixo de maneira correta.
A sustentabilidade na rotina escolar
Abordar assuntos relacionados ao meio ambiente tornou-se algo mais comum no planejamento dos professores e professoras. Com o avanço da crise climática, os próprios estudantes passaram a se engajar ainda mais com o tema, fazendo com que ele apareça senão por vontade da escola, por sugestão da turma.
Para que haja efetividade nos projetos, Kátia pontua que tenta sempre buscar na realidade da escola elementos que possam dar subsídios para a discussão. Em uma das escolas, por exemplo, ela trabalhou com resíduos que eram jogados próximos à instituição e debateu sustentabilidade a partir desse contexto.
Laisa Macedo Brandão, professora do Centro Juvenil de Ciência e Cultura, que fica em Salvador (BA), conta que realiza trilhas urbanas com a turma, observando e identificando espécies da fauna e flora locais com o uso de blocos de anotação ou do Google Lens.
“Além de partir dessa realidade local, é muito legal também trazer a proposta de micromundo, como a Kátia fez no início da nossa atividade. Ou seja, criar uma narrativa que possa fazê-los imaginarem”, diz. O conceito de micromundo se refere a uma maneira de separar um mundo complexo em outro subconjunto que inclui objetos, linguagens e atividades.
A proposta de Laisa é, a partir da imaginação, fazer com que os estudantes pensem em soluções práticas para um problema real.
Retomar a conexão
Outro ponto de reflexão alavancado pelo advento do termo sustentabilidade foi a noção de desconexão com a natureza. As educadoras pontuaram que é preciso que a escola realize um trabalho de resgate, que torne a fazer com que crianças, adolescentes e jovens se reconheçam também como parte da natureza.
“O ser humano se vê como um gerente da natureza, como se não fizéssemos parte, e estamos sofrendo na pele isso hoje. Precisamos mudar o nosso pensamento, e quem tem poder para fazer essa transformação é a educação”, afirma Laisa.
A docente argumenta que as cidades e grandes centros urbanos acabam dando pouca ou nenhuma atenção para essas causas, e que a reflexão sobre quais impactos cada indivíduo possui ainda precisa ser feita.
Precisamos mudar o nosso pensamento, e quem tem poder para fazer essa transformação é a educação
Laisa Macedo Brandão
Arlindo Matheus Santiago, coordenador de aprendizagem criativa no Instituto Anísio Teixeira, em Salvador (BA), dedica-se ao estudo da biomimética – área da ciência que estuda estruturas biológicas e tenta aplicá-las em diferentes áreas do conhecimento como medicina, robótica, arquitetura entre outros – e vê neste segmento a possibilidade de aproximação do tema com os estudantes.
“A biomimética promove a reconexão com a natureza, faz com que a gente entenda que somos parte do processo e que não estamos acima dele”, diz o docente, que também é professor de biologia.
Por estar alinhada com áreas que pensam o design e diferentes estruturas, a biomimética tem a possibilidade de ampliar conversas no ambiente escolar sobre as relações entre meio ambiente e cotidiano.
Apoio docente
Laisa dedica parte de seu tempo na orientação de trabalhos voltados à sustentabilidade. Um de seus alunos, Nicolas Moreira, de 16 anos, desenvolveu um papel feito com fibra da planta espada-de-são-jorge.
Ela conta que de início não achou que ia ser possível, mesmo assim apoiou a ideia do jovem. “A gente precisa apoiar o que eles trazem”, diz.
O projeto foi tão bem-sucedido que eles foram convidados a participar da 75° reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que ocorreu na UFPR (Universidade Federal do Paraná), em Curitiba (PR).
O que fazer e por onde começar
Inspirar-se no que a natureza já apresenta é uma maneira de trazer o tema para mais perto dos estudantes. Usar o material que está à mão, realizar coletas e ser exemplo são algumas das sugestões que as docentes dão para quem deseja incluir o assunto de uma maneira prática e lúdica na prática de sala de aula.
“Sabe aquela história do professor que quer que o estudante leia, mas ele próprio não lê? É mais ou menos isso. Se eu quero que o aluno tenha ações sustentáveis, eu preciso construir isso. É preciso colocar a mão na massa, trazer a ciência para perto”, diz Laisa.
Jornalista viajou a São Joao-del-Rei a convite da RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa)