Aprender e pensar usando as mãos: O que é o Tinkering e como ele aparece na educação?
A abordagem se dedica ao "aprender fazendo" e foca em construir conhecimento a partir de uma vivência mais prática no mundo físico
por Ruam Oliveira 27 de novembro de 2023
Tinkering é uma terminologia que não tem tradução para o português, mas pode ser entendida como “aprender fazendo”. Trata-se de uma abordagem educacional que envolve exploração e engajamento com materiais físicos, promovendo a construção de conhecimento por meio da integração entre prática e teoria. “Acreditamos que o aprendizado e a compreensão acontecem por meio de vivências”, afirma Sebastian Martin, pesquisador do Tinkering Studio, iniciativa do The Exploratorium, laboratório de pesquisa em aprendizagem sediado em São Francisco, nos Estados Unidos.
Esse conceito, descrito por Sebastian como “pensar com as mãos”, implica que a aprendizagem e a compreensão ocorram conforme os estudantes exploram diferentes materiais. “Ao manipular e construir com as mãos, você também constrói conhecimento. Tinkering não é apenas construir algo fisicamente; é uma abordagem de aprendizagem que entrelaça a construção do conhecimento em sua mente com a construção de um objeto físico”, explica.
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O Tinkering incentiva os professores a evitarem instruções “passo a passo”, dando ênfase à exploração. Por meio dela, os estudantes aprendem a partir de seus próprios interesses. A metodologia também fomenta a autonomia e a colaboração entre estudantes, sem direcioná-los para um caminho específico.
“A criatividade também é um elemento-chave, permitindo que os ajustes possam ir além da resolução de problemas e incluir a criação de algo bonito ou agradável. Este processo consiste em criar algo pessoalmente significativo, reconhecendo que cada aluno tem interesses e tópicos que impactam de formas diferentes neles”, diz Sebastian.
Confira a entrevista que Sebastian concedeu ao Porvir durante a 3ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa, realizada pela Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa entre 12 e 15 de novembro em São João del-Rei (MG):
Porvir – A interação colaborativa e voltada à criatividade permite que estudantes desenvolvam uma habilidade essencial que vai além das necessidades da escola: aprender a aprender. O que mais o Tinkering ensina?
Sebastian Martin – O envolvimento colaborativo garante que os estudantes não fiquem isolados em sua jornada de aprendizagem. Eles têm outras pessoas com quem conversar, inspirar-se e oferecer assistência. Este aspecto colaborativo é vital para ajudar os alunos a entender o que está à sua frente e contribui significativamente para a experiência geral com o Tinkering. A abordagem não se trata apenas de adquirir conhecimento de uma fonte externa, mas de obter a capacidade necessária para descobrir como aprender e resolver problemas de forma independente. O Tinkering se assemelha ao processo vivenciado por cientistas e artistas e este sentimento de pertencimento ao mundo da arte, da engenharia ou da ciência é um benefício tremendo, pois permite que os alunos se vejam como participantes ativos em vez de receptores passivos de informação.
Porvir – Que habilidades os alunos desenvolvem com o Tinkering e como elas os preparam para desafios futuros?
Sebastian Martin – No centro do Tinkering, você desenvolve a habilidade de compreender o mundo ao seu redor. Assim, aprende-se a resolver problemas, a pensar de forma crítica e independente, além de ganhar ferramentas para investigar tópicos como movimento de luz e sombra, codificação, etc. São habilidades muito fortes no desenvolvimento de comunicação e colaboração, que acredito serem superimportantes no mundo de hoje.
Porvir – Como o Tinkering contribui com esses dois aspectos, comunicação e colaboração?
Sebastian Martin – Quando se trata de comunicação e colaboração, notamos em nosso trabalho com professores que muitos deles apontaram que o Tinkering é bom para desenvolver habilidades linguísticas. Muitas vezes, pelo menos no sistema escolar dos EUA, existem barreiras linguísticas em salas de aula onde alguns alunos não conseguem dividir as suas ideias em inglês, ou podem partilhá-las melhor em outra língua. Neste tipo de experiência em que você trabalha com as mãos e tem à sua frente algo sobre o qual pode conversar pode ser uma ótima forma de desenvolver a alfabetização.
Porvir – Quais outros aspectos formativos podem ser bem desenvolvidos com o apoio do Tinkering?
Sebastian Martin – Acho que a maior habilidade é tornar-se ativo, ser capaz de conduzir o processo de aprendizagem em vez de seguir instruções. Em português você diz ‘protagonismo’. Em inglês, é ‘autonomia’. Posso dar um exemplo rápido: Na escola, muitas vezes somos treinados apenas para receber informações e executar uma tarefa que nos é dada. Considerando que na nossa vida real, seja no campo profissional ou na vida pessoal, precisamos ser capazes de demonstrar liderança, sermos tomadores de decisão, assumirmos responsabilidades: se nosso carro quebrar, temos que descobrir qual é a melhor ação para consertá-lo. São essas experiências que nos fazem crescer e nos fazem ter menos medo de situações em que não temos uma receita prescrita para resolvê-las.
Porvir – Aqui no Brasil temos uma grande diversidade de contextos. Como uma escola com recursos limitados pode começar a implementar o Tinkering em suas salas de aula?
Sebastian Martin – É muito importante considerarmos quais são os pontos de entrada, ou como chamamos, o nível mais básico, para praticarmos o Tinkering, porque muitas dessas oportunidades incríveis não são significativas quando você não consegue dar o primeiro passo. E acho que existem alguns aspectos de ajustes que o tornam muito adequado para a situação que existe no Brasil.
A abordagem funciona muito bem com objetos do cotidiano. Nunca procuramos usar tecnologia ou materiais incomuns ou difíceis de obter. Então, em vez de usar materiais muito específicos e incomuns, fazemos experiências em que você pode usar algo que tem na sua casa e que você conhece. E isso pode ser papelão, mas também pode ser um vidro da sua cozinha para iluminar e observar como a luz do dia cria padrões… fica mais fácil para cada contexto fazer ajustes. Também torna mais fácil abordá-lo sem medo porque os objetos são comuns a você. Você se sente familiarizado com eles.
Uma segunda vantagem desta abordagem é que, por definição, procuramos muitos resultados e variedades diferentes nos projetos e na exploração. Nunca esperamos que todos na sala de aula façam a mesma coisa ou tenham o mesmo produto no final.
Aprendizagem maker x Tinkering
Aprendizagem Maker
- A aprendizagem maker é uma abordagem educacional que se concentra na criação de objetos ou projetos físicos como uma forma de aprendizado.
- Envolve a combinação de habilidades técnicas, como eletrônica, programação, design e fabricação, para criar algo e funcional.
- Geralmente segue um processo mais estruturado, com um objetivo específico em mente, como construir um robô, um dispositivo eletrônico ou um objeto de design.
- Pode incluir o uso de tecnologias como impressoras 3D, cortadoras a laser e kits de eletrônica.
- A ênfase está na resolução de problemas, no desenvolvimento de habilidades técnicas e na aplicação de conhecimentos em um contexto prático.
Tinkering
- O tinkering é uma abordagem mais informal e experimental para a aprendizagem, na qual as pessoas exploram e experimentam com objetos e materiais sem um objetivo específico.
- Envolve a manipulação criativa de objetos, brinquedos, peças e materiais para descobrir como eles funcionam e o que pode ser feito com eles.
- Não segue necessariamente um processo estruturado ou um resultado predefinido; é mais orientado pela curiosidade e pela descoberta.
- Pode ser realizado com recursos simples, como papel, cola, sucata e ferramentas manuais.
- A ênfase está na exploração, na descoberta e na aprendizagem através da experimentação e da tentativa e erro.
*O jornalista viajou a São João del-Rei a convite da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa