O que a vitória de Trump significa para a educação? - PORVIR
whitehouse.gov

Inovações em Educação

O que a vitória de Trump significa para a educação?

Confira um resumo das medidas recém-anunciadas pelo governo Trump, entenda como o Brasil pode ser afetado e veja os motivos para que as escolas promovam uma reflexão crítica sobre diferentes assuntos relacionados à educação

por Redação ilustração relógio 22 de janeiro de 2025

Uma ruptura: esse é o termo frequentemente utilizado por diversas publicações jornalísticas para descrever as medidas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no início de seu segundo mandato, iniciado nesta segunda-feira (20). No campo da educação, o cenário não é diferente, tanto no que se refere à imigração, que impactará o acesso à educação e o cotidiano de escolas e universidades locais, quanto nas leis específicas do setor.

No debate sobre temas urgentes, como crise climática, raça e gênero, a orientação de Trump visa eliminar conteúdos considerados “inadequados” das salas de aula norte-americanas. “O futuro da educação no país pode mudar drasticamente”, aponta uma reportagem da revista Time sobre suas propostas ultraconservadoras, que seguem na contramão da educação em direitos humanos.

📳 Inscreva-se no canal do Porvir no WhatsApp para receber nossas novidades

Sob o pretexto de liberdade de expressão, casos de racismo, intolerância e discurso de ódio podem mais uma vez aparecer naturalizados em conversas e até mesmo em trabalhos escritos ou postagens em grupos da sala de aula. Silenciar diante da atual polarização política, que não será resolvida tão cedo, não é uma opção para os educadores. O tema dos direitos humanos deve ser prioridade para as escolas que desejam formar cidadãos conscientes e bem-informados.

“A administração de Donald Trump representa uma corrente neofascista global, responsável por promover retrocessos significativos nas pautas de diversidade e meio ambiente. Percebo que Trump tem pressionado grandes corporações transnacionais, como o Facebook/Meta, a reverterem seus programas de diversidade, além de adotar medidas que prejudicam avanços ambientais”, comenta Dennis de Oliveira, professor titular do curso de jornalismo da USP (Universidade de São Paulo) e militante da Rede Quilombação.

Confira um resumo das medidas recém-anunciadas por Donald Trump, entenda como o Brasil pode ser afetado por algumas delas e veja os motivos para que as escolas promovam uma reflexão crítica sobre os assuntos a seguir:


Mudanças climáticas

Os impactos da crise climática nunca foram tão significativos. Os riscos associados a fenômenos naturais, como desastres e alterações extremas de temperatura, estão se intensificando, e os gastos com adaptação e mitigação desses efeitos aumentam continuamente. As escolas precisam se adaptar, como o Porvir reportou recentemente na Série Escolas Resilientes.

No seu primeiro dia no cargo, Trump, que considera o aquecimento global uma fraude, assinou várias ações executivas. Entre elas, a retirada dos EUA do Acordo de Paris, um tratado climático que busca a redução da poluição pelos 196 países signatários. O objetivo é impedir que a temperatura global aumente mais de 2ºC em relação à era pré-industrial. O pacto incentiva a criação de mecanismos para reduzir os impactos das mudanças climáticas e substituir as fontes emissoras de gases de efeito estufa.

Os Estados Unidos são o segundo maior emissor atual de gases do efeito estufa, atrás apenas da China, e o maior emissor histórico, considerando as emissões acumuladas pelos países desde 1850, explica o site O Eco. Segundo dados do último inventário da Agência de Energia Americana, o país é responsável por 13,69% das emissões globais.

Relação com o Brasil: Autoridades avaliam que a decisão pode impactar tanto a agenda ambiental quanto a Conferência Mundial do Clima, a COP 30, marcada para o final de 2025, em Belém. No seu primeiro mandato, Trump já havia retirado o país do acordo, alegando que ele prejudicaria a economia norte-americana. Atualmente, apenas Irã, Líbia e Iêmen estão fora do tratado.

Por outro lado, pesquisadores ambientais avaliam que a saída não interferirá nas metas globais, pois o país nunca esteve comprometido com essa agenda. Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, comenta: “Nunca foi a vontade dos Estados Unidos estar nesses processos. E eles sempre atrapalharam”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.


Imigração

Algumas das medidas anunciadas por Trump já têm efeito imediato, como no caso das diretrizes divulgadas nesta terça-feira (21) pelo secretário interino do Departamento de Segurança Interna, que visam barrar a imigração pela fronteira dos Estados Unidos com o México.

Desde 2011, uma regra proibia agentes de segurança de realizar prisões em locais como escolas, hospitais e instituições religiosas. A administração anterior, liderada por Joe Biden, reforçou essas restrições com diretrizes semelhantes. No entanto, a revogação dessa política causa preocupações entre defensores dos direitos dos imigrantes, que alertam para possíveis consequências negativas. Eles temem que a mudança aumente o medo nas comunidades imigrantes, levando crianças a evitar a escola e pessoas a deixarem de buscar atendimento médico ou serviços essenciais em hospitais.

Relação com o Brasil: A comunidade acadêmica está em alerta, mas, por ora, nada muda para os estudantes brasileiros em situação legal nos EUA, informa reportagem do G1.

"Expositor de jornais com as manchetes do The New York Times e Financial Times destacando o retorno de Donald Trump, com fotos dele em comícios."
Now Time (@thenowtime)

Fim das checagens nas redes sociais

Alinhando-se à agenda de prioridades do governo Trump, a Meta, empresa controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou recentemente que encerrará seu serviço de checagem de fatos nos Estados Unidos.

Desde 2016, a Meta oferecia a checagem de fatos nas redes sociais, em parceria com jornalistas e especialistas, para verificar a veracidade das informações compartilhadas. A medida poderá ser expandida para outros países. Em um cenário de menor fiscalização, informações falsas e nocivas podem circular mais facilmente, colocando em risco a segurança digital.

Apenas no Brasil, três em cada dez crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos (29% do total) já enfrentaram situações ofensivas ou discriminatórias na internet que as deixaram chateadas, conforme aponta a pesquisa TIC Educação 2024. Outro dado relevante: entre os usuários de 9 e 10 anos, mais da metade (52%) iniciou a navegação na rede antes dos 6 anos, o que gera uma nova dinâmica para pais e responsáveis em relação à segurança digital.

Relação com o Brasil: Professores precisam estar cada vez mais atentos à desinformação, aos discursos de ódio e às notícias falsas que vão circular ainda mais pelas redes sociais. A educação midiática é vista como uma ferramenta essencial para enfrentar os desafios do mundo digital e seus reflexos no mundo real. “Ela é uma alternativa viável e segura para quem deseja continuar vivendo civilizadamente em sociedade”, afirma a escritora e educomunicadora Januária Alves.

Em texto publicado no site NEXO, ela destaca: se as grandes empresas de tecnologia (big techs) falharem, cabe a cada um entender seu papel no ecossistema digital. Januária defende que a solução é coletiva, com ações como regulamentação do uso de celulares nas escolas, criação de leis para controlar conteúdos das plataformas e promoção de um uso mais saudável das tecnologias com mediação parental.


Educação antirracista

Durante a campanha eleitoral, Donald Trump prometeu “cortar o financiamento federal para qualquer escola ou programa que promova a Teoria Crítica da Raça ou ideologia de gênero em nossas crianças”.

A Teoria Crítica da Raça surgiu no final do século 20 como uma abordagem acadêmica para explicar as desigualdades raciais nos EUA. Ela defende que o racismo não é apenas um problema individual, mas um reflexo das estruturas sociais e institucionais. Além disso, aplica-se a outras formas de discriminação, como as relacionadas a gênero e identidade sexual, conforme explica a BBC.

Em 2020, após o assassinato de George Floyd, Trump ameaçou usar força federal para reprimir os protestos e elogiou a violência policial contra manifestantes. Ele também declarou que deportaria estudantes estrangeiros que participassem desses atos, segundo o Washington Post.

Relação com o Brasil
De acordo com Dennis de Oliveira, professor da USP, as políticas de Trump têm impacto direto no Brasil, principalmente pelos cortes no financiamento de ONGs voltadas à diversidade e comunicação, que dependem de recursos da USAID e de editais do consulado dos EUA.

“A agenda de Trump é parte de uma continuidade histórica de opressão”, afirma Oliveira. “O racismo não é um fenômeno isolado, mas uma estrutura conectada a processos históricos de dominação. Embora os cortes de financiamento sejam prejudiciais, também podem nos incentivar a uma análise mais crítica e independente, desafiando as estruturas discriminatórias que persistem globalmente”.

Material de apoio

Recomendamos o Guia Escola Livre de Ódio, produzido em 2023 pelo Porvir, com ferramentas e indicações para pensar em como a educação pode combater o ódio e a desinformação nas redes sociais.

Ideologia de Gênero

Trump também se posiciona contra medidas de diversidade, equidade e inclusão em instituições de ensino nos EUA. Durante sua posse, afirmou que iria acabar com políticas que buscassem incorporar socialmente a raça e o gênero em espaços públicos e privados. Ele declarou que “existem apenas dois gêneros: masculino e feminino”.

Ainda no período de campanha eleitoral, Trump prometeu proibir atletas transgênero de competirem em esportes correspondentes à sua identidade de gênero, referindo-se a elas como “homens”. “Manteremos os homens fora dos esportes femininos”, disse durante um pronunciamento na Virgínia.

Segundo o site Politico.com, o governo Trump planeja eliminar opções de gênero não binário ou “outros” em documentos federais, como passaportes e vistos.

Para o historiador Steve Ellner, esses discursos têm como objetivo inflamar sua base de apoio e desviar o foco das questões econômicas, motivo principal de sua eleição.

Sara Wagner York, professora da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e primeira aluna trans da universidade a obter o título de mestre em educação, reforça: “Figuras como Trump buscam criar pânico moral. No entanto, é essencial manter-se atento aos direitos conquistados e não sucumbir ao medo. Viver é um ato de resistência, e a luta pode ser cheia de alegria e orgulho. A construção de ambientes inclusivos nas escolas é um passo crucial para que todos os alunos se sintam respeitados e valorizados”.

Relação com o Brasil
“Como travesti, avó, pessoa com deficiência e estudante imigrante nos EUA, vejo com preocupação as medidas de Trump para a educação”, afirma Sara York. A eliminação de programas de diversidade e inclusão nos EUA pode influenciar os debates sobre direitos LGBTQIAPN+ no Brasil. “A luta por direitos trans no país ainda enfrenta muitos desafios. É importante resistir ao retrocesso, especialmente à ideia de ‘ideologia de gênero’, que deslegitima os direitos da comunidade LGBTQIAPN+”, destaca.


10 princípios da reforma da educação nos EUA

As propostas de Trump para a educação visam preparar estudantes para o mercado de trabalho e promover valores conservadores. A lista completa está disponível em seu site oficial:

  1. Respeito aos pais: Garantir controle dos pais sobre a educação e saúde dos filhos, com transparência nas escolas.
  2. Melhoria na gestão escolar: Implementar eleição direta de diretores e meritocracia para professores, permitindo a demissão de profissionais com baixo desempenho.
  3. Conteúdo útil: Remover ideologias, como a Teoria Crítica da Raça e questões de gênero, priorizando leitura, escrita, matemática e ciências.
  4. Patriotismo: Reforçar o ensino dos valores e da história americana, com a reinstalação da Comissão 1776.
  5. Oração nas escolas: Garantir o direito à prática religiosa em escolas públicas.
  6. Escolas seguras: Implementar políticas rigorosas de disciplina e segurança, incluindo expulsão imediata de alunos violentos e aumento da presença de guardas armados.
  7. Escolha escolar universal: Ampliar o acesso a escolas públicas, privadas e religiosas.
  8. Aprendizado prático: Incentivar experiências de aprendizado baseado em projetos.
  9. Estágios e empregos: Facilitar o acesso a estágios e empregos para jovens como preparação para o mercado de trabalho.
  10. Orientação vocacional: Ampliar serviços de aconselhamento de carreira.

Trump também propõe fechar o Departamento de Educação, transferindo sua responsabilidade para os estados. Ele critica as políticas atuais como ineficazes e voltadas à “doutrinação”, buscando “restaurar a excelência educacional nos EUA”.


TAGS

diversidade, gestão escolar, inclusão, políticas públicas

Cadastre-se para receber notificações
Tipo de notificação
guest

0 Comentários
Comentários dentro do conteúdo
Ver todos comentários
0
É a sua vez de comentar!x